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Contos-->EM UMA FAMÍLIA QUE CONHEÇO -- 02/09/2008 - 09:37 (MARIA AICO WATANABE) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
EM UMA FAMÍLIA QUE CONHEÇO


Maria Aico Watanabe


Maria Helena e Antônio Carlos tem duas filhas: Vanessa, a mais velha, com 17 anos e Maristela, com 15.
Enquanto Vanessa é uma adolescente tranqüila, dedicada aos estudos, Maristela sempre foi desde pequena, muito geniosa e teimosa.
Namoradeira, Maristela vivia saindo para ir aos bailinhos e festinhas com sua turma.
O último namorado de Maristela, o Pedro tem 29 anos, e os pais não aprovavam o namoro por causa dos rumos que esse namoro estava tomando. Ela saía com Pedro não apenas nos finais de semana, mas em qualquer dia da semana. Queria estar sempre nos braços de Pedro.
Um dia, Maria Helena chama a filha para uma conversa.
- Não estou gostando dos rumos que seu namoro com Pedro está tomando. Você quase não tem parado em casa e pouco tem se dedicado aos estudos.
- Relaxa mãe, eu sei o que quero na vida.
- Mas você é ainda inexperiente, mal acabou de fazer 15 anos e o Pedro já tem quase o dobro de sua idade. Ele está te levando no bico.
- Eu amo o Pedro.
- Na sua idade, nenhum namoro deve ser levado tão a sério. Por que não se desliga um pouco, e vai cantar na igreja, por exemplo ?
- Ora mãe, cantar na igreja !
- Senão, por que não aprende a tocar um instrumento, a pintar quadros ?
- Não, não e não, mãe. Amo o Pedro e vou ter um filho com ele.
- Tem certeza ?! Ainda mais essa !
- A menstruação já falhou duas vezes. Tenho sentido enjôos...
- Com ou sem gravidez, seu pai e eu queremos o fim desse namoro. Pedro é muito sacana e está te levando no bico. Ele não é homem para você, minha filha.
- Claro que é, mãe. Ele é o homem de minha vida. Vamos nos casar e viver felizes para sempre !
Todos os argumentos de Maria Helena para chamar a filha à razão foram em vão.
Maristela e Pedro resolvem se casar meio às pressas, antes que a barriga começasse a aparecer. Sem vestido de noiva, sem igreja, sem festa. Apenas no cartório.
Um dia, Maristela discute com o marido. Apanha feio.
A altas horas da noite, de um dia de chuva fria, toca a campainha da casa dos pais, aos prantos.
O pai, que por acaso estava em casa, pois, sendo caminhoneiro vivia mais na estrada, vai atender à porta:
- Oi filha, o que aconteceu ?
- Pai, chama a minha mãe por favor.
- Bem, Maristela está aí. Parece que não está bem. Vai vê-la.
- Que aconteceu, minha filha ?
- Pedro e eu discutimos. Ele me bateu. Mãe, não quero mais viver com Pedro. Para mim, tudo acabou.
- Então, o “viver felizes para sempre” só durou 3 meses ...
- Por favor mãe, sei que errei. Mas, não tenho para onde ir.
- Vou te acolher. Mas, com uma condição: Você vai tomar juízo daqui por diante, e tratar de educar essa criança que está para nascer.
Maristela tinha vindo só com a roupa do corpo. Seu estado era deplorável: cabelos e roupas ensopados de chuva, barrigão de 6 meses e ... olho inchado roxo.
- Vista uma de minhas camisolas largas para dormir. As roupas de sua irmã não te servem mesmo, com essa barrigona.
- E como vou sair, sem roupas ?
- Vou ver se na hora do almoço, compro umas roupas de gestante para você.
Final da gravidez, 21 de novembro. As contrações começaram quando Maristela estava sozinha em casa. A mãe estava trabalhando, o pai na estrada, a irmã no cursinho vestibular. Maristela agüentou até quando pode as contrações.
A vizinha, com a qual a família não tinha lá boas relações, levou-a de carro até a maternidade, em um raro momento de compreensão. Deixou-a na enfermaria, pois tinha que fazer supermercado.
Na inscrição para a internação na maternidade:
- Seu nome e idade ?
- Maristela de Oliveira Guimarães, 15 anos.
- Casada ?
- Sim.
- E o marido ?
- Não sei.
- Ah, ele está é trabalhando ...
- Não sei.
Maristela era “casada sem marido”. Pedro havia mesmo desaparecido definitivamente de sua vida.
Na enfermaria da maternidade, Maristela encontra mais duas companheiras parturientes, a Alessandra e a Maria do Socorro.
Alessandra tem 16 anos e teve uma gravidez complicada, com hemorragias. Teve que abandonar os estudos, porque o médico a proibiu de fazer qualquer esforço.
- Por que você ficou grávida ?
- Bem, eu e o Carlos Alberto estávamos no bem-bom, quando de repente a menstruação atrasou. Fiz o teste e deu positivo.
- E então ?
- Contei ao Carlos Alberto. Ele, rapidinho deu no pé.
Para Carlos Alberto, 23 anos, vendedor que vivia viajando, foi fácil sumir das vistas de Alessandra.
- E por que não fez o aborto ?
- Minha família é evangélica e não deixou.
Puxa conversa com Maria do Socorro, 38 anos:
- De onde você é ?
- Do sertão de Pernambuco. Vim de lá com 4 crianças e a quinta na barriga. Temos 10 filhos. Este é o décimo primeiro.
- Onde você mora ?
- Na favela de Paraisópolis.
- Tem como sustentar tantos filhos ?
- A gente não tem, mas sabe como é ... A gente tem aceitado tudo que Deus manda.
- Não quer tomar pílula ?
- O padre diz que é pecado ...
O obstetra vem examinar Maristela. Mede a pressão, ausculta o coração dela e o do feto. Faz o exame de toque.
- Não passa das 3 horas da tarde ...
Na sala de parto, Maristela teve que agüentar sozinha, todas as dores do parto, sem um companheiro ao seu lado, para lhe dar apoio.
- Força, força ! Diz a enfermeira.
- Força, que a cabecinha já vai sair !
Quando o nenê acabou de nascer, um choro fraco, mau sinal. João Alfredo teve que ser colocado às pressas, logo depois do banho, na incubadeira, com problemas respiratórios.
Alessandra teve Carolina, que nasceu forte e saudável.
Maria do Socorro deu à luz Henrique, sem problemas. Não era marinheiro de primeira viagem.
Maria Helena só veio conhecer o neto à noite, depois do serviço, quando foi visitar a filha na maternidade.
Dia 24 de novembro, as 3 mulheres tem alta na maternidade:
Alessandra sai com Carolina nos braços. Nenhum homem a veio buscar.
Maria do Socorro sai com Henrique nos braços. O marido, Severino, ajudante de pedreiro, veio buscá-la, acompanhado de 5 crianças que formavam uma “escadinha”. Elas estavam agarradas às calças do pai, choramingando de fome.
Maristela, sem João Alfredo nos braços, pois teve que deixá-lo na UTI da maternidade, com problemas respiratórios e sem previsão de alta. Nenhum homem a veio buscar.
Maternidade é um momento de felicidade, o ponto alto da realização da mulher, como mulher. Mas, nenhuma dessas 3 mulheres estava feliz com a maternidade recente. Mas, qual delas a menos infeliz ?
Talvez, a Maria do Socorro. Apesar da tristeza da pobreza e da fome, eram crianças amadas, desejadas. Enquanto as maternidades de Alessandra e Maristela eram maternidades forçadas, vindas em hora errada, sem perspectivas quanto ao futuro dos filhos.
João Alfredo teve que ficar 30 dias na UTI da maternidade.
Durante a internação de João Alfredo, Maristela tinha que ir 3 vezes ao dia – de manhã, de tarde e de noite – à maternidade para amamentar o nenê. Ela tinha que fazer 3 viagens por dia, de ônibus que duravam 40 minutos até a maternidade. Faça chuva ou faça sol.
João Alfredo logo depois de chegar em casa, começou a apresentar crises de asma, obrigando Maristela a correr para levá-lo ao pronto socorro. E muitas vezes essas crises davam de madrugada. Quantas corridas de táxi apressadas, quantas noites sem dormir ! João Alfredo estava sempre doentinho e necessitava de constantes cuidados em período integral. Maristela não podia mais estudar.
Maria Helena não podia largar o emprego para cuidar do neto, para que a filha pudesse estudar um pouco. As creches não aceitavam João Alfredo.
Além disso, a família, que mal conseguia “encostar” na classe média baixa, precisava do dinheiro ganho pela Maria Helena. Ainda mais com as despesas que João Alfredo passou a dar: remédios e mais remédios, infindáveis corridas de táxi para ir ao pronto socorro.
Maria Helena sempre gostou de trabalhar e criou as filhas trabalhando. Competente funcionária do departamento de compras de uma empresa privada, sabia negociar como ninguém com os fornecedores. Era o braço direito do patrão. Essa era mais uma razão para Maria Helena não largar o emprego de tantos anos.
Assim, quem tinha que cuidar de João Alfredo era só mesmo a Maristela.
As amigas de Maristela costumam passar na casa dela aos sábados e domingos:
- Dona Maria Helena, a Maristela está ?
- Cuidando do nenê.
Quando ouviam isso, não adiantava insistir. Maristela não podia mesmo largar o João Alfredo.
Num outro fim de semana, as amigas arriscam:
- Vai ter uma festinha legal na casa do Paulinho. Você não quer vir ?
- Preciso cuidar do nenê.
- Deixa o João Alfredo com sua mãe e vem com a gente, divertir.
- Não posso. Minha mãe precisa passar roupas. Fica para outra vez.
E essa “outra vez” nunca chega ...
Maristela foi forçada a se retirar da turma. Quando João Alfredo tiver 18 anos, e ela finalmente estiver livre da responsabilidade de cuidar do filho, que carregará a sina da asma pelo resto da vida, a turma de Maristela já terá passado para sempre.
Maristela está perdendo os melhores anos de sua juventude, quando poderia estar estudando, se divertindo com a turma, está “amarrada”, tendo a pesada obrigação nas costas, de ter que cuidar de um filho sempre doentinho.
E quanto a Vanessa ? Vanessa prestou vestibular na mesma época em que João Alfredo nasceu. Foi aprovada numa faculdade particular não das boas, mas razoável. Vai fazer curso de Direito. Quer estudar bastante para se tornar uma boa advogada. Essa é mais uma despesa para Maria Helena e Antônio Carlos, que tiveram que suportar duas barras ao mesmo tempo: a preocupação com a gravidez adiantada de Maristela e os tensos dias de vestibular de Vanessa.
Vanessa já traçou planos a longo prazo em sua vida. Quando se formar, quer prestar o exame da OAB, prestar concurso para juiz.
Amor e casamento em seus planos ?
- Quem sabe, se encontrar alguém que me ame de verdade e com quem possa compartilhar minhas alegrias e tristezas...
Vanessa não tem pressa, deixa que tudo aconteça no seu devido tempo.
E Maristela ? Teimosa, acabou se precipitando, colocando o carro na frente dos bois e escolhendo o homem errado. Que por sinal lhe deixou um filho doentinho para criar, ao qual estará amarrada até ele completar a maioridade.




Quem sabe, Maristela volte a estudar quando João Alfredo tiver se emancipado. Mas, até lá, terá que esperar muitos e muitos anos, com muito sacrifício pessoal e tendo que abrir mão das melhores coisas da vida.
(Conto baseado em história real. Os nomes dos personagens foram trocados para preservar a identidade da família).


Jaguariúna, 15 de agosto de 2008.
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