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Discursos-->VISITA AO PARLAMENTO ITALIANO -- 26/12/2002 - 13:11 (BRUNO CALIL FONSECA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VISITA AO PARLAMENTO ITALIANO

SESSÃO PÚBLICA

(Palácio Montecitorio)

DISCURSO DE SUA SANTIDADE JOÃO PAULO II

Quinta-feira, 14 de novembro de 2002


Senhor Presidente da República Italiana,

Dignos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado,

Senhor Presidente do Conselho de Ministro,

Nobres Deputados e Senados



1. Sinto-me profundamente honrado pela solene acolhida que me foi tributada hoje nesta Casa tão prestigiosa, na qual dignamente representais todo o povo italiano. A todos e a cada um dirijo a minha saudação respeitosa e cordial, bem consciente do forte significado da presença do Sucessor de Pedro no Parlamento italiano. Agradeço ao senhor Presidente da Câmara dos Deputados e ao senhor Presidente do Senado da República pelas nobres palavras com que interpretaram os sentimentos comuns, dando voz também aos milhões de cidadãos de cujo afeto recebo provas quotidianas, nas muitas ocasiões em que me é dado encontrá-los. É um afeto que sempre me acompanhou, desde os primeiros meses da minha eleição à sede de Pedro. Por isso, quero exprimir a todos os italianos, também nesta circunstância, a minha viva gratidão. A partir dos anos que estudei em Roma e, depois, nas periódicas visitas que fazia à Itália como bispo, especialmente durante o Concílio Ecumênico Vaticano II, foi crescendo no meu espírito a admiração por um País no qual o anúncio evangélico – que aqui chegou já nos tempos apostólicos – suscitou uma civilização rica em valores universais e uma florescência de admiráveis obras de arte, nas quais os mistérios da fé encontraram expressão em imagens de beleza incomparável. Quantas vezes como que toquei com a mão os traços gloriosos que a religião cristã imprimiu nos costumes e na cultura do povo italiano, concretizando-se também em tantas figuras de Santos e Santas, cujo carisma exerceu uma influência extraordinária sobre as populações da Europa e do mundo. Basta pensar em São Francisco de Assis e em Santa Catarina de Siena, Padroeiros da Itália.



2. É, de fato, profunda a ligação existente entre a Santa Sé e a Itália! Bem sabemos que essas relação passou por fases e ocorrências bastante diversas, não excluindo as vicissitudes e contradições da história. Mas devemos também reconhecer que, na sucessão dos eventos – às vezes tumultuosos –, ela suscitou impulsos altamente positivos tanto para a Igreja de Roma e, portanto, para a Igreja Católica, quanto para a dileta Nação italiana. Para essa obra de aproximação e de colaboração, no respeito à recíproca independência e autonomia, muito contribuíram os grandes Papas que a Itália deu à Igreja e ao mundo, no século passado: basta pensar em Pio XI, o Papa da Conciliação, e em Pio XII, o Papa da salvação de Roma, e, mais próximo de nós, nos Papas João XXIII e Paulo VI, cujos nomes eu próprio, como João Paulo I, quis assumir.



3. Tentando lançar um olhar sintético para a história dos séculos passados, poderíamos dizer que a identidade social e cultural da Itália e a missão de civilização que ela cumpriu e cumpre na Europa e no mundo bem dificilmente poderiam ser compreendidas fora dessa linfa vital que é constituída pelo cristianismo. Seja-me permitido, por isso, convidar respeitosamente a vós, representantes eleitos desta Nação, e a todo o povo italiano para nutrir uma convicta e meditada confiança no patrimônio de virtudes e valores transmitido pelos antepassados. É com base nessa confiança que podemos enfrentar com lucidez os problemas, ainda que complexos e difíceis, do momento presente, e também lançar com coragem o olhar para o futuro, interrogando-nos sobre a contribuição que a Itália pode dar para o desenvolvimento da civilização humana. À luz da extraordinária experiência jurídica amadurecida no curso dos séculos, a partir da Roma pagã, como não sentir, por exemplo, o desejo de continuar a oferecer ao mundo a fundamental mensagem segundo a qual, no centro de qualquer ordem social justa, deve estar o respeito ao homem, à sua dignidade e aos seus inalienáveis direitos? Com razão um antigo ditado sentenciava: Hominum causa omne ius constitutum est. Está implícita, nessa afirmação, a convicção de que existe uma “verdade sobre o homem” que se impõe para além das barreiras de línguas e culturas diferentes. Nessa perspectiva, falando diante da Assembléia das Nações Unidas por ocasião do 50º aniversário de sua fundação, recordei que há direitos humanos universais, enraizados na natureza da pessoa, nos quais se espelham as exigências objetivas de uma lei moral universal. E acrescentava: “Longe de serem afirmações abstratas, esses direitos nos dizem algo de importante a respeito da vida concreta de cada homem e de cada grupo social. Recordam-nos que não vivemos num mundo irracional ou desprovido de sentido, mas que, ao contrário, há uma lógica moral que ilumina a existência humana e torna possível o diálogo entre os homens e entre os povos” (Insegnamenti di Giovani Paolo II, vol. XVIII/2, 1995, p. 732).



4. Seguindo com atenção amiga a caminhada desta grande Nação, sou levado também a achar que, para melhor expressar os seus dotes característicos, ela precisa incrementar a sua solidariedade e coesão interna. Pelas riquezas da sua longa história, como também pela multiplicidade e vivacidade das presenças e iniciativas sociais, culturais e econômicas, que conformam o seu povo e o seu território, a realidade da Itália é certamente bastante complexa, e forçadas uniformidades a empobreceriam e prejudicariam. A via que permite manter e valorizar as diferenças, sem que estas se tornem motivo de contraposição e obstáculo ao progresso comum, é a de uma sincera e leal solidariedade. Ela tem profundas raízes no espírito e nos costumes do povo italiano, e atualmente se expressa, entre outras coisas, em numerosas e beneméritas formas de voluntariado. Mas percebe-se também a necessidade dela nas relações entre os múltiplos componentes sociais da população e entre as diversas áreas geográficas em que se divide. Vós mesmos, como responsáveis políticos e representantes das Instituições, podeis dar, nesse terreno, um exemplo particularmente importante e eficaz, ainda mais significativo quando a dialética das relações políticas evidenciam mais as diferenças. A vossa atividade, de fato, se qualifica em toda a sua nobreza na medida em que se mostra movida por um autêntico espírito de serviço aos cidadãos.



5. É decisiva, nessa visão, a presença, no espírito de cada um, de uma viva sensibilidade pelo bem comum. O ensinamento do Concílio Vaticano II, a respeito, é muito claro: “A comunidade política existe (...) em função desse bem comum, no qual ela encontra significado e plena justificação e de onde deriva o seu ordenamento jurídico, original e próprio” (Gaudium et spes, 74). Os desafios que se apresentam para um Estado democrático exigem de todos os homens e mulheres de boa vontade, independentemente da opção política de cada um, uma cooperação solidária e generosa para a edificação do bem comum da Nação. Tal cooperação, contudo, não pode prescindir da referência aos fundamentais valores éticos inscritos na natureza mesma do ser humano. A propósito, na Carta encíclica Veritatis splendor eu advertia para o “risco de uma aliança entre democracia e relativismo ético, que tira da convivência civil qualquer seguro ponto de referência moral e a priva, mais radicalmente, do reconhecimento da verdade” (n. 101). De fato, se não existe nenhuma verdade última que guie e oriente a ação política – anotava eu numa outra Carta encíclica, a Centesimus annus –, “as idéias e as convicções podem ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder. Uma democracia sem valores converte-se facilmente em totalitarismo aberto ou disfarçado, como o demonstra a história” (n. 46).



6. Não posso omitir, numa circunstância tão solene como esta, uma outra grave ameaça que pesa sobre o futuro deste País, condicionando já hoje sua vida e suas possibilidades de desenvolvimento. Refiro-me à crise da natalidade, ao declínio demográfico e ao envelhecimento da população. A crua evidência dos números força a que se levem em conta os problemas humanos, sociais e econômicos que essa crise inevitavelmente colocará para a Itália nas próximas décadas, mas sobretudo estimula – aliás, ouso dizer, obriga – os cidadãos a um empenho responsável e convergente para favorecer uma clara inversão de tendência. A ação pastoral em favor da família e do acolhimento da vida e, mais genericamente, de uma existência aberta à lógica do dom de si, são a contribuição que a Igreja oferece à construção de uma mentalidade e de uma cultura no seio das quais essa inversão de tendência se torne possível. Mas são igualmente grandes os espaços para uma iniciativa política, que, mantendo firme o reconhecimento dos direitos da família como sociedade natural fundada no casamento, segundo o preceito da própria Constituição da República Italiana (cf. art. 29), torne socialmente e economicamente menos onerosas a geração e a educação dos filhos.



7. Num tempo de mudanças, freqüentemente radicais, no qual parecem se tornar irrelevantes as experiências do passado, aumenta a necessidade de uma sólida formação da pessoa. Também esse, ilustres representantes do povo italiano, é um campo no qual é exigida a mais ampla colaboração, a fim de que as responsabilidades primárias dos pais encontrem adequados apoios. A formação intelectual e a educação moral dos jovens permanecem sendo as duas vias fundamentais através das quais, nos anos decisivos do crescimento, cada um pode colocar à prova o seu próprio ser, ampliar os horizontes da mente e preparar-se para enfrentar a realidade da vida. O homem vive uma existência autenticamente humana graças à cultura. É mediante a cultura que o homem se torna mais homem, tem acesso mais intenso ao “ser” que lhe é próprio. Está claro, pois, ao olhar do sábio, que o homem conta como homem pelo que é, mais do que pelo que tem. O valor humano da pessoa está numa direta e essencial relação com o ser, não com o ter. Justamente por isso, uma Nação zelosa com o próprio futuro favorece o desenvolvimento da escola num sadio clima de liberdade, e não economiza esforços para melhorar sua qualidade, em estreita conexão com as famílias e com todos os componentes sociais, assim como acontece, aliás, na maioria dos países europeus. Não menos importante, para a formação da pessoa, é também o clima moral que predomina nas relações sociais e que atualmente encontra uma maciça e condicionante expressão nos meios de comunicação: é esse desafio que interpela todas as pessoas e famílias, e, a um título especial, aqueles que têm maiores responsabilidades políticas e institucionais. A Igreja, de sua parte, não se cansará de desempenhar, também nesse campo, aquela missão educativa que faz parte da sua natureza.



8. O caráter realmente humanista de um corpo social se manifesta particularmente na atenção que ele consegue expressar pelos seus membros mais frágeis. Examinando o caminho percorrido pela Itália nestes quase sessenta anos desde as ruínas da Segunda Guerra Mundial, não se pode deixar de admirar os ingentes progressos feitos na direção de uma sociedade na qual sejam asseguradas a todos condições aceitáveis de vida. Mas é também inevitável reconhecer a ainda hoje grave crise do desemprego, sobretudo juvenil, e os muitos tipos de pobreza, miséria e marginalização, antigos e novos, que afligem numerosas pessoas e famílias italianas ou que migraram para este País. É ingente, pois, a necessidade de uma solidariedade espontânea e capilar, à qual a Igreja sente-se, de coração, estimulada a dar a sua contribuição. Tal solidariedade, porém, não pode deixar de contar, sobretudo, com a constante solicitude das Instituições públicas. Nesta perspectiva, e sem comprometer a necessária tutela da segurança dos cidadãos, merece atenção a situação das prisões, nas quais os prisioneiros vivem, com freqüência, em condições de penosa superlotação. Um sinal de clemência por eles, mediante uma redução da pena, constituiria uma clara manifestação de sensibilidade, que não deixaria de estimular seu esforço para uma recuperação pessoal, em vista de uma positiva reinserção na sociedade.



9. Uma Itália confiante, internamente coesa, constitui uma grande riqueza para as outras nações da Europa e do mundo. Desejo compartilhar convosco essa convicção, no momento em que se estão definindo os perfis institucionais da União Européia e parece ao alcance das mãos a sua ampliação para muitos países da Europa centro-oriental, como que a selar a superação de uma inatural divisão. Cultivo a confiança de que, inclusive por mérito da Itália, aos novos alicerces da “casa comum” européia não falte o “cimento” dessa extraordinária herança religiosa, cultural e civil que tornou grande a Europa, através dos séculos. É, pois, necessário estar precavido contra uma visão do Continente que considere apenas os seus aspectos econômicos e políticos ou que favoreça de modo acrítico modelos de vida inspirados num consumismo indiferente aos valores do espírito. Se se quer dar durável estabilidade à nova unidade européia, é necessário empenhar-nos para que ela se apóie sobre aqueles fundamentos éticos que estiveram um dia na sua base, dando, ao mesmo tempo, espaço à riqueza e à diversidade das culturas e das tradições que caracterizam cada nação. Gostaria, também, nesta nobre Assembléia, de renovar o apelo que nestes anos dirigi aos vários povos do Continente: “Europa, neste início do novo milênio, abre de novo as tuas portas a Cristo!”.



10. O novo século, recém-iniciado, traz consigo uma crescente necessidade de concórdia, de solidariedade e de paz entre as nações: de fato, é essa a exigência inevitável de um mundo cada vez mais interdependente e que se une por uma rede global de intercâmbios e comunicações, em que, todavia, espantosas desigualdades continuam a subsistir. Infelizmente, as esperanças de paz são brutalmente contraditadas pela exasperação de conflitos crônicos, a começar por aquele que ensangüenta a Terra Santa. A ele se soma o terrorismo internacional, com a nova e terrível dimensão que assumiu, envolvendo de maneira inteiramente distorcida inclusive as grandes religiões. Pois justamente nessa situação as religiões devem ser estimuladas a fazer emergir todo o seu potencial de paz, orientando e quase que “convertendo” para recíproca compreensão as culturas e as civilizações que nelas buscam inspiração. Para essa grande empreitada, de cujos êxitos dependerá, nas próximas décadas, o destino do gênero humano, o cristianismo tem uma atitude e uma responsabilidade totalmente peculiares: anunciando o Deus do amor, ele se propõe como a religião do recíproco respeito, do perdão e da reconciliação. A Itália e as outras nações que têm a sua matriz histórica na fé cristã estão quase que intrinsecamente preparadas para abrir à humanidade novos caminhos de paz, não ignorando a periculosidade das ameaças atuais, mas também não se deixando aprisionar por uma lógica de luta, que não leva a nenhuma solução. Ilustres representantes do Povo italiano: do meu coração brota espontânea uma oração: desta antiquíssima e gloriosa Cidade – desta “Roma onde Cristo é romano”, segundo a conhecida definição de Dante (Purg. 32, 102) – peço ao Redentor do homem que faça com que esta amada Nação italiana possa continuar, no presente e no futuro, a viver segundo a sua luminosa tradição, sabendo tirar dela novos e abundantes frutos de civilização, para o progresso material e espiritual do mundo todo.

Deus abençoe a Itália!
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