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Contos-->ANA - codinome MARIA -- 16/08/2008 - 20:05 (JOSÉ DAS NEVES NETTO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

THE DREAM


“Você sempre soube da minha vontade de escrever” - eu ia mentalmente dizendo a ela, enquanto o coletivo lotado nos arrastava por ruas poeirentas, inteiramente estranhas para mim. “Hoje, depois de tanto tempo, amadurecido, sinto como se a minha missão nesta vida fosse a realização dessa tarefa. Vejo cada episódio passado como uma lição desse aprendizado. E foi um aprendizado rico. Se você imaginar-se deficiente, dependente, incapaz de voltar para casa sozinho, já vivi; vivi também a miséria e a prisão. Prisão assim sem culpa formada, sem acusação, sem pena, sem comunicação, sem a mínima idéia de quando dela sair. Tão estúpida quanto inútil, pois não me valeu nem fama nem glória. Indenizações. Nem ao menos um mísero cargo de vereador ou assessor de porranenhuma numa repartição qualquer. Como esse escritor é essencialmente intrínseco, em mim a ficção se confunde e mistura tão bem com a realidade que, diplomado na escola da vida, vago por aí em busca de um emprego qualquer, meu tema forte que insiste em não aparecer”.

Naqueles tempos éramos todos revolucionários - rememorava agora. Todos. Eles por mero e confortável adesismo aos valores da tradição que nunca cultivaram. Nós pelo apostolado do altruísmo, preocupados com a sorte da massa ignara, num machismo romântico, tão trágico quanto inútil. Éramos, nós e ela, não os outros, puristas por formação e convicção. Imaginávamos uma vitória limpa, alcançada com as armas da nossa boa intenção, nosso arsenal teórico e armas de verdade que, na verdade, não sabíamos manejar. Ela com a pura vontade de afirmar a sua liberdade de ser e agir, com as armas (que armas!) do seu corpo exuberante, seu par de seios que apontava e disparava sua carga sedutora impiedosamente em todos nós, numa guerra em que todos saíamos feridos, mas não morríamos ninguém (ou, pelo menos, aqueles que de verdade morriam naquele corpo, como todo bom morto, jamais voltavam para nos contar a verdadeira história desse almejado morrer).
Fomos todos traídos. Não por ela, que ela não enganava ninguém. Mas pela história, pelo inexorável emergir e entrelaçar-se dos fatos. Fomos traídos por nosso purismo. Pela má sorte de andar na contramão. Nenhum de nós foi capaz de imaginar que o sonho do território livre não se realizaria entre camponeses de um buraco qualquer às margens do Ribeira. Nem entre o operariado de São Paulo. Não era, não seria a planaltina São Paulo. Seria a bela e montanhosa Rio de Janeiro, sem purismos de qualquer espécie. Seria com a genial mistura do melhor da decadência burguesa prazerosamente financiando farta distribuição de dinheiro e armas e o pior do proletariado entrando com a cara e a coragem, a carne e o sangue.

“Hoje vou enfim te levar para minha casa” - ela me diz com um sorriso e olhos cheios de promessa.

“Idiota que sou!” - me xinguei. “Houve esse dia também na vontade dela e eu nem percebi!”

Era uma casa modesta. Entramos pela sala de pobre mobília. Fiquei procurando algo interessante para comentar. Nada encontrei. Me entristeceu bastante a condição em que ela agora vivia. Logo ela se aproximou, tomou minhas mãos e me conduziu a outro aposento em plano inferior. Este apresentava melhor aspecto, todo forrado e decorado. Desci o pequeno degrau primeiro, depois a tomei nos braços. Mantive-a assim suspensa, colada junto ao meu peito. O tempo marcara impiedosamente seu rosto, mas seu corpo estava mais enxuto, sem a exuberância que lhe fora característica. Assim tão próximos, senti que ela também observava minhas marcas do tempo. “Perdoe as cicatrizes” - lhe falei. “Ganhei-as na luta com a vida e nem sei bem o que mais na vida ganhei”.

“Essas esteiras são deliciosas” - ela me indicou, sugerindo generosamente que fôssemos para o chão.

Enfim ela estava ali. Deitada sob o meu corpo. Disponível. Inteira e finalmente disponível.

Detive meus olhos no fundo dos olhos dela e as palavras que lhe disse vieram do mais profundo de meu ser: “de uma coisa você pode ter certeza: jamais em toda a sua vida alguém te amou tão sincera, apaixonada e incondicionalmente quanto eu! Ninguém te desejou e te renunciou tanto quanto eu! Mas, agora, me dá um tempo... Sinto-me distante, abobado, sem saber direito se estou vivo, pensando, sonhando, ou me...”

A blusa entreaberta deixava vislumbrar o que fora, ainda era, seu maravilhoso par de seios. Comecei por ali, ela se entregando em puro abandono.

Quando os tive nus, comentei: - “ainda são o que sempre foram: twin peaks, rochas de Gibraltar, oitava maravilha do mundo moderno, produto do glorioso reinado da mini-saia, a quem você acrescentou o desprezo do soutien”.

Meio sem ouvir meu comentário, ela reclamou: - “a esteira está úmida aqui. Preciso falar com a mulher”.

Maldição - pensei. A realidade do universo delas passa sempre antes pela doméstica. Depois piorou mais ainda: - “divido esse espaço com um amigo”, ela disse. – “Mas não se preocupe: ele está de hidromel”.

Hidromel? Fiquei intrigado. Hidromel? Não seria um alimento dos deuses? Eu, se tivesse algum poder sobrenatural, me alimentaria do mel daqueles seios, da fartura daqueles lábios carnudos...

Lentamente, como se tivesse outro tanto tempo para viver e esperar, continuei a acariciar e sugar aquelas delícias.

Durou pouco. Bateram à porta. O maldito cara chegou. Poderia ter ficado o resto da vida com seu hidromel, mas voltou.

Ela levantou-se apressada.

The dream is over, eu chorei. Outra vez is over. Desta vez para sempre is over!
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