Estavam finalmente juntos. Depois de muitas letras trocadas entre si, a oportunidade os reunira num local público. Ela aguardava um novo evento. Ele simplesmente se deliciava com a presença dela. Eram ambos ficcionistas.
Todo determinante limita e restringe o determinado. Não importa a categoria gramatical empregada. Sempre algo a mais é suprimido, ignorado. A expressão “todo ficcionista é um fugitivo da própria realidade” é um bom exemplo. Passa a idéia de uma fuga já realizada, definitiva, quando na verdade se trata de um permanente estado de fuga.
Talvez nem tanto para ela, que aparentava enorme serenidade e segurança, mas, para ele, era um conforto imenso perceber que outras pessoas, normais e mentalmente saudáveis, também sobrevivem com a mente carregada de emoções e fantasias, convivendo com pessoas ou situações que jamais se transformarão em realidade.
O verdadeiro maluco não experimenta nenhum desconforto. O limítrofe é que se assusta com a possibilidade de enlouquecer de vez. É como estar à beira de um precipício. Lá, dentro do precipício, tudo volta à normalidade (para quem não se arrebentou na queda, é claro). A própria condição miserável, vista e vivida de dentro da própria miséria, não é tão miserável assim!
Enquanto conversavam animadamente sobre diversos assuntos, o tempo mudou. Ao primeiro sopro de brisa fria, ela, branca e loura, comentou que apreciava o frio. Ele resistiu em dizer que o frio o incomodava. “Maldito frio – comentou interiormente - justo agora que tudo estava indo tão bem!”
Prosseguiram sua animada conversação. Esfriou um pouco mais. Ela mencionou uma taça de vinho. Ele há muito sonhava com uma imensa xícara de chá quente. Ela exibiu seus pés, pequenos e belos. Depois falou novamente em vinho. Ele, o ficcionista, já estava completamente embriagado.
Ela dizia agora coisas que ele não conseguia mais entender direito. E enquanto ela prosseguia falando e sorrindo, ele beijava aqueles pés magníficos, sentia nos lábios a suave textura das suas pernas e coxas.
Antes que se perdesse de vez nos seus doces mistérios, uma observação dela o obrigou a fitar o seu rosto. Inútil. Agora o ficcionista quase se afogava no mar azul-profundo dos seus lindos olhos azuis. Salvou-se dali para novamente se perder no tom rubro que os lóbulos de suas orelhas agora apresentavam.
“É o frio” – lhe disse a porção ainda sensata de sua mente. Mas ele não a ouviu. Ficou imaginando tons que o vinho e o desejo produzem e as mulheres de pele clara não conseguem esconder.
“Fica comigo” – ela lhe pediu. E isto o trouxe de volta à realidade. Similia similibus curentur?* Talvez sim. Talvez não.
Ele disse que precisava ir. Beijou castamente seu rosto e partiu. Uma chuva fina e gelada caía lá fora. Passo a passo ele se afastou dali.
* o igual cura seu semelhante?