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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->HOLOCAUSTO NUNCA MAIS (PSICity) ROTEIRO DE CINEMA3ª REDAÇÃO -- 16/05/2013 - 18:49 (Sereno Hopefaith) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


ROTEIRO: DECIO GOODNEWS

3ª REDAÇÃO

ADAPTAÇÃO LIVRE DO ROMANCE

NEO-POS-MODERNO DE AUTORIA

DO MESMO AUTOR:

“HOLOCAUSTO NUNCA MAIS”

(PSICity)



“O nazismo e Hitler fizeram coisas abomináveis, imperdoáveis, que merecem a permanente execração de todos. A gravidade da catástrofe por eles provocada — cuja expressão maior é o Holocausto — é tão grande, que se discute se o trauma dela decorrente é passível de representação ou não. Deveria a catástrofe ficar em seu estado bruto, permanentemente a nos interrogar, ou deveríamos tentar representá-la, simbolizá-la? A dúvida decorre do temor que a grandeza da tragédia acontecida seja banalizada e diluída e de que se desvaneça a memória dos milhões de vitimados... O nazismo ainda hoje levanta enigmas para nossa compreensão e não temos alternativa a não ser tentar resolvê-los. Só podemos fazer isso se representarmos e simbolizarmos a catástrofe, sem temer desmerecê-la com isso. Em assim fazendo, se lhes dissolve a aura de inacessibilidade, revelando-se então seus contornos reais e humanos, devolvendo-nos a capacidade de compreender e agir”.

“UM ASSUNTO ESPINHOSO” (Trecho do Artigo de Sérgio Telles Publicado no ESTADO DE SÃO PAULO).

_________________________________________________________

SINOPSE: Na cidade de São Paulo, assim como nas principais capitais do mundo, acontecimentos coletivos de grande repercussão e violência perturbam o cotidiano do planeta. São os fenômenos de Combustão Humana Espontânea, as extrapolações de energia coletiva represada através de acontecimentos públicos de alta manifestação destrutiva nos principais logradouros públicos das grandes cidades. É a concorrência inexplicável de um canal de TV-Full-Time, que põe em pânico os executivos dos principais conglomerados TVvisivos do planeta. São as manifestações viróticas (vírus políticos) mutações do HIV mais destrutivas do que o vírus original. É a violência num grau insuportável que se apoderou do dia a dia das cidades, com suas populações cada vez mais pânicas. Somam-se a todos essas manifestações de agressão à sobrevivência da cidadania, o vírus causador da “amblose disforme” que ameaça as mulheres grávidas, transformando seus fetos, em poucas semanas de gravidez, em uma pasta chamada no Brasil de “miolo de pão”. Um satélite de tecnologia virtual ET (sob Comando Comunicação e Controle do próprio Satã) capta e armazena as “faíscas quânticas” (almas) humanas que não mais possuem energia suficiente para vencer a força de atração planetária na migração em busca de “outras moradas do Pai”. Nesse cenário social de manifesta hostilidade, real e virtual, pessoal e coletiva, surgem os sermões apocalípticos do Pastor MCKENZIE da Igreja do Salvador dos Últimos Dias. Um casal de repórteres acompanha os membros da “Expedição Norton” na busca de uma cidade subterrânea na selva Amazônica, onde, segundo a revelação de mistérios históricos do “Arquivo Jângal” uma civilização extraterrena exerceu comando, comunicação e controle na Alemanha nazista, visando provocar, através do II Conflito Mundial, as mudanças sociais que conduziram, no pós-guerra, à globalização planetária e abriram as portas para a dominação definitiva do planeta pela tecnologia extraterrena em conluio ultra-secreto com os principais governos da Terra.

_________________________________________________________

ARGUMENTO: Após uma série atemorizante de fenômenos de Combustão Humana Espontânea, o jornalista ROSSI LEE entra em contato com as pesquisas de um estudante universitário da USP, VOLTAIRE, que fora vitimado pelo fenômeno inexplicável da Combustão Humana Espontânea, quando visitava uma exposição de fotografias sobre civilizações pré-colombianas extintas. Ele namorava sua filha JUSSARA. Através dela e do contato com os pais do dissente morto pelo fenômeno CHE, a pedido póstumo deste, através de um bilhete à mãe, esta repassa ao jornalista um misterioso documento que serviria de base à sua tese de doutorado, o “ARQUIVO JÂNGAL”. Esse Arquivo começa com a narração do assassinato do jornalista alemão KARL ALBERT BRUGGER da revista noticiosa “Der Spiegel” no calçadão da praia de Ipanema em 1984. Em uma série de reportagens, ele investigava a migração de contingentes do exército nazista, anteriormente à II Guerra Mundial, que desembarcaram num aeroporto secreto na Amazônia. Esses soldados recrutados pela Wehrmacht foram supostamente dirigidos por oficiais da Gestapo em direção aos subterrâneos lemurianos (a raça ET mais antiga que coloniza o planeta desde as mais remotas eras geológicas) na Amazônia. O “Arquivo Jângal” faz revelações impressionantes dessas incursões nazistas que teriam servido para incrementar a tecnologia bélica do III Reich. O jornalista ROSSI LEE encaminha o “Arquivo Jângal” ao Conselho Deliberativo do Jornal, sugerindo a este que financie uma incursão jornalística até os subterrâneos lemurianos localizados no coração da selva Amazônica por indicação geográfica de latitude e longitude constantes do misterioso e revelador “Arquivo Jângal”. A diretoria do periódico a princípio rejeita a ideia, mas, ciente de que três americanos têm como objetivo uma incursão amazônica, liberam o jornalista para contatos com o chefe daquela incursão cujo nome derivou-se de seu organizador, o militar de origem israelita NORTON. O Jornal indica a fotógrafa e jornalista ADRIANE TAUIL para acompanhar ROSSI LEE e fazer parte da “Expedição Norton”. A busca pelas frinchas e túneis de entrada em direção ao Mosteiro subterrâneo da Amazônia, em busca do refúgio para onde se dirigiam os soldados do III Reich antes da II Grande Guerra, segundo as indicações do “Arquivo Jângal”, conduzem seus expedicionários a aventuras em território lemuriano no “subway” da selva. Na sequência dos acontecimentos os participantes da Expedição Norton são abduzidos por alienígenas. Apenas ADRIANE TAUIL e ROSSI LEE sobrevivem à penetração em território lemuriano. O casal volta a pisar o solo amazônico e descobre que a “amblose disforme” havia despovoado o planeta. Seus últimos habitantes todos idosos, haviam sobrevivido e estavam divididos em duas facções que lutavam entre si: Os “Hot-dogs” versus os “Pig-spas”. Os primeiros eram remanescentes das classes sociais desprivilegiadas pelo poder político e econômico. Os segundos representavam os grandes investidores que haviam acumulado riquezas e investiam em pesquisas geriátricas sobre a manutenção de sua aparência, e a perenidade do sonho de permanecerem jovens com as descobertas do soro antígeno a partir do qual fabricavam produtos cosméticos e chás de combate ao envelhecimento das células. ADRIANE TAUIL e o índio PERIMURICÁ são resgatados do “Spa Tauil & Ostrowsky” no bairro do Ibirapuera em São Paulo, a partir da invasão armada de um grupo de “hots” que ROSSI LEE havia conhecido. O filme narra os últimos anos de vida do “Casal Adâmico” como era chamado pelos “dogs”. A solidão, os delírios, as alegrias, os lugares que visitaram antes de achar a solução para uma vida de atroz solidão, por serem os últimos habitantes de um “Mundo Sem Ninguém”.



FADE IN



1) INT. PALCO DA BOATE BIG-APPLE — NOITE



(O sujeito subjetivo das pessoas passeia dentro do ambiente. Elas se flagram mutuamente os pensamentos íntimos. Há ansiedade e expectativa nos rostos. Os olhares se cruzam em rápidos “insights” simultâneos. Seus gestos podem ser intuídos. A interioridade delas se apodera cognitivamente da consciência coletiva dos frequentadores. Há uma energia ambiental pulsante na atmosfera intimista no salão interno da boate).





2) INT. SALA APARTAMENTO — NOITE

(A GAROTA de 14 e seu IRMÃO de 12 veem TV. As cenas provocam empatia. Apesar da violência das imagens TVvisivas. Estas ganham a participação de ambos através de pantomimas. A BABÁ adverte: "hora de dormir").





3) INT. BOATE BIG-APPLE — NOITE



(Abre-se a porta do camarim. HALLMA, apressada, entra bruscamente. As faces afogueadas da mulata tipo exportação revelam intensa força sensual).



(Cabeleireiro e manicure acercam-se dela, mal a “stripper” senta frente ao espelho).





4) INT. BALCÃO DO BAR/MESAS E SALÃO DE CONVIVÊNCIA DA BOATE — NOITE



(As pessoas continuam a se flagrar mutuamente. Os clientes mais próximos ao palco curiosamente viram os pescoços em direção aos mais afastados. Há uma evidente excitação ambiental. Ela inflama os ânimos).





5) INT. CAMARIM DA BOATE BIG-APLLE — NOITE



(HALLMA, assistida por maquiador, cabeleireiro, manicure e pedicura, cobra deles maior presteza. Há uma pulsante excitação no ambiente da boate).





6) INT. SALÃO DE ALIMENTAÇÃO DA BOATE BIG-APPLE — NOITE



(A clientela impaciente consome mais e mais doses de bebidas, cervejas, chopes e tira-gostos).





7) INT. SALA DE ESTAR DA RESIDÊNCIA DE HALLMA — NOITE



(SARYHA KADJA fala para a irmã LILITH, aconchegando a cabeça em seu ombro, olha para a BABÁ, rumina entre dentes):



SARYHA KADJA

(ergue o braço esquerdo e o dedo médio em direção à BABÁ)



Vá se ferrar. Não vou deitar. Não estou com sono.



LILITH

(conciliativa, fala baixinho curvando-se em direção ao irmão sussurra):



Se ela te entregar a Mama vai ficar uma fera contigo. Vai sobrar castigo até pra mim.



(Após algumas mal criações e relutância das crianças, sobem os três as escadas em direção ao segundo pavimento do duplex. Na TV a locutora anuncia outro evento de combustão humana espontânea (CHE) ocorrido em sala de aula no colégio DANTE ALIGHERI).





8) INT. CAMARIM DA BOATE — NOITE



(A “stripper” HALLMA, pronta para entrar em cena, recebe dos assessores os últimos retoques enquanto fixa a sensualidade anormal dos olhos no espelho. As pupilas crescidas parecem refletir a sensualidade ansiosa dos olhares dos clientes no salão da boate).





9) INT. SALÃO DE CONVIVÊNCIA DA BOATE — NOITE



(A inquietação geral chega ao clímax quando o corpo da “stripper” entra em cena, metamorfoseando-se na visualização idealizada de variegadas formas da anatomia de mulheres, segundo as projeções mentais dos clientes. Os ânimos se acalmam).



10) EXT. RUAS, PRAIAS, AVENIDAS – DIA/NOITE



(Alguém, alhures, a mostrar intensa intranquilidade movimenta-se rapidamente em direção à portaria de um prédio de apartamentos).





11) INT. SALAS E QUARTOS DO PRÉDIO — DIA/NOITE



(As pessoas em movimentos rápidos sobem escadas até adentrarem ou saírem de um, depois outro, e outros apartamentos. Em cada sala de jantar e quartos, as imagens dos monitores da TV 3ª Dimensão, adentram as pupilas delas e nelas refletem cenas da violência divulgada pelos noticiários: batalhas, tiros, agressões físicas, explosões, sequestros, brigas de ruas, tiroteios, espancamentos).



(O noticiário da corrupção política nos Três Poderes, e entre policiais e grupos empresariais que atentam contra as verbas públicas, misturam-se aos casos, cada vez mais frequentes, de CHE).



(Pessoas de todas as idades levantam as mãos e os braços em movimento defensivo diante dos olhos. Como se, realmente, estivessem sob ameaça das balas que se projetam no interior da sala em direção delas, a partir do visual em 3ª dimensão da TV).



(Estão a se defender do impacto das imagens nas pupilas. Como se toda a carga de violência visualizada tivesse se acumulado de maneira insuportável em suas mentes, e mais uma imagem tivesse o poder de provocar uma síndrome, tipo infecção visual por excesso de empatia virulenta).





12) EXT. ESPAÇOS ABERTOS — NOITE



(Dos espaços abertos ouve-se um murmurar quase silencioso, mas de uma impertinência sombria e ameaçadora).





13) INT. SALAS DE JANTAR, QUARTOS E OUTRAS DEPENDÊNCIAS DE APARTAMENTOS — DIA



(Uma MULHER de meia idade que dormia, desperta apavorada como se de um pesadelo).



(Um casal de JOVENS diante da TV abraça-se freneticamente, como se buscando proteger-se).



(Um PORTEIRO de prédio, dentro da guarita, súbito leva as mãos ao rosto e recua, como se com isso pudesse evitar o impacto dos golpes desferidos entre dois contendores numa cena de violência TVvisiva em 3ª Dimensão).



(Um MOTORISTA de taxi que rondava no centro da cidade de São Paulo, freia bruscamente, como se tentando evitar um abalroamento que se verifica na tela da TV dentro do carro).





14) INT. PALCO DA BOATE E SALÃO DE CONVIVÊNCIA — NOITE



(Durante a madrugada, uma intensa concentração da plateia fixa o balançar sedutor da sequência gestual de HALLMA. A plateia acompanha a dançarina em sua elasticidade de movimentos, como se seus membros estivessem em franca regressão à formas primitivas de sedução que sugerem a prática de atos que em nada condizem com a suposta moral familiar ou social).



(Sons ritmados se sucedem aos acordes mais vibrantes do bolero de RAVEL, regência de MOLINARI-PRANDELLI da Rai Orquestra).





15) INT. PARTE SUPERIOR DO DUPLEX DE HALLMA — NOITE



(SARYHA KADJA observa a sala lá embaixo, de detrás da proteção dos adornos de ferro desenhados com motivos góticos. As mãos apoiadas nos adornos de ferro contraem-se. O rosto afasta-se gradativamente da imagem que visualiza no monitor da TV de 40 polegadas. Levanta-se apavorado e corre em direção ao quarto).



16) INT. SALÃO DE ALIMENTAÇÃO. PALCO. BOATE — NOITE



(Milhares de milhões de moléculas contendo insidioso calor quântico penetram pelos poros da dançarina como se fossem grãos de pólen. Irradiam-se em direção dela procedentes da sensualidade incontida da plateia à ela direcionada. Impregnam lentamente sua pele. HALLMA torna-se hospedeira da sensualidade mórbida da plateia de admiradores).



(As doses de bebidas se multiplicam em direção às bocas ávidas. Os nacos de carne, queijo, azeitonas e demais acepipes, vão sumindo dos pratos. Os petiscos são substituídos por outros, conduzidos até os lábios úmidos, são mastigados pela ansiedade voyeur dos clientes).



(A exuberante sedução da “stripper”, os brilhantes pentelhos pintados de verde-amarelo, abrem-se numa fresta cavernosa de indizíveis possibilidades sensuais. Os espectadores sentem-se, coletivamente, pertencer ao templo elástico de uma volúpia antiga, mais remota que as das dançarinas babilônicas. A sensualidade de HALLMA envolve interativamente todos os clientes. Embriagados por ela).





17) INT. APTO. DE HALLMA. QUARTO DAS CRIANÇAS — NOITE



(CIGANA, a BABÁ, passa a mão direita na testa de LILITH e sente que a garota está quente. Muito quente).



CIGANA

(preocupando-se)



Você está com febre, queridinha! — Sai em busca de um antitérmico. O rosto do menino SARYHA desliza para dentro do lençol. Os olhos parecem ainda apavorados. Bruscamente puxa o cobertor até cobrir a cabeça. O rosto é focalizado sob o pano, com pingos de suor na testa. O olhar fixado em algo indefinível vindo das imagens TVvisivas.





18) INT. BOATE. SALÃO DE CONVENIÊNCIA — NOITE



O show inicial de HALLMA foi repentinamente substituído pelo de outra “stripper”. Os comentários se sucedem. As caras meio que de porre dos clientes mostram-se insatisfeitas. Algumas faces mostram-se francamente iradas. O movimento de entra e sai da boate ganha certo incremento.



Dois clientes próximos tecem comentários sobre as pessoas que veem ver o show de balé da “stripper”:



1° CLIENTE

(curvando-se em direção ao outro)



Quando chegam à cama privada, conseguem, quando muito, uma ereção de três nano segundos.



2° CLIENTE

(olhando fixamente nos olhos do parceiro)



Leito conjugal, convenhamos, depois de certo tempo é mesmo broxante! Responde o Outro.





19) INT. DO SALÃO DE CONVIVÊNCIA DA BOATE — NOITE

(O segundo show noturno de HALLMA está prestes a começar. Leandro mantém pensamentos incestuosos para com a filha Sabrina. O xibiu de HALLMA ainda vive na imaginação, como se estivesse a apenas alguns centímetros da ponta da língua de Leo. Em seu delírio, ele passa a ponta dos dedos nas bordas da taça que se torna uma projeção da vulva da filha. Ele sussurra):



LEANDRO

(meio embriagado)



SABRINA, minha filha, papai te ama!



(Chegando-se a ele o GARÇOM pergunta, vendo a língua de LEANDRO adentrar-se em direção ao pouco do que restou de gelo no copo):



Mais uma dose, DOUTOR? Ele aceita. E murmura:



LEANDRO

(de si para consigo)



Essa xana é demais. Ainda me sinto dentro dela. — Pego em flagrante, LEO responde ao GARÇOM:



LEANDRO

(voltando-se em direção ao GARÇOM)



Ah sim, com certeza. E volta a se concentrar na intimidade vazia e oferecida da taça.

(O jornalista ROSSI LEE a tudo observa. Acha engraçado. A mulher ao lado sorri oferecida).

20) PALCO. BOATE. SALÃO DE CONVIVÊNCIA — NOITE



(LEANDRO embriagado, mais pelos gestos da dançarina da qual flui a inexplicável lascívia interativa de HALLMA permeando os ambientes internos da boate).



(ROSSI LEE franze as sobrancelhas. A testa interrogativa de quem não compreende a sutileza dessas chamas azuladas que se propagam pelos lados do corpo ondulante de HALLMA. Mais parecem asas transparentes a se destacarem, agora, dos ombros da “stripper”. Como se ela fosse um magnífico Serafim. De seu tronco projetam-se três pares de asas. Para os espectadores, essa magnífica imagem não passa de efeito visual. Uma luminosidade resultante de efeitos luminosos do “spotlight”).





21) EXT. BARES COM PROMOÇÕES HAPPY-HOUR. PESSOAS LEEM JORNAIS NAS MESAS. FREQUENTADORES FOCAM O OLHAR NAS NOTÍCIAS — NOITE



1ª NOTÍCIA DE JORNAL



“Espectadores perplexos perceberam a visão das chamas como se fizessem parte das luzes do show”.



2ª NOTÍCIA DE JORNAL



“Clientes reclamaram da interferência de um segurança da boate que invadiu o palco e envolveu a dançarina numa toalha úmida. Retirando-a rapidamente de cena”.



3ª NOTÍCIA DE REVISTA

“O fogo blue a envolver a dançarina, assim como as chamas de tez amarelada, não fazia parte dos efeitos visuais do show”.



4ª NOTÍCIA DE REVISTA



“Stripper vítima de CHE é levada ao HC”.





22) EXT. DIA SEGUINTE. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(LEANDRO parado frente a uma banca de revistas observa as curiosas manchetes dos jornais):



1ª MANCHETE DE JORNAL



"Corpo ardente queima em faíscas de paixão".



2ª MANCHETE DE JORNAL



“Chamas consomem stripper”.



3ª MANCHETE DE JORNAL



"Combustão Humana Espontânea ataca outra vez."



23) INT./EXT. APARTAMENTOS. BARES — NOITE



(PESSOAS ora se aproximam, ora se afastam das imagens projetadas pelos monitores em 3ª dimensão do eletrodoméstico TV. Os TVespectadores se interessam nos noticiários. Os jornais noturnos provocam grande curiosidade em ambientes vários. Os apresentadores dos jornais noticiam):



REPÓRTER

(entrevistando um deputado federal a propósito de um evento CHE na Câmara dos Deputados)



Eventos de Combustão Humana Espontânea ameaçam transformar-se em epidemia?



DEPUTADO GONDIM NETO

(falando do companheiro vitimado pelo evento CHE)



Sua excelência foi fulminada por chispas de chamas azuladas a poucos metros de onde me encontro agora. Foi impressionante. Em poucos segundos o nobre colega virou cinzas. Não sobrou nem o dedão do pé.



(Outro REPÓRTER entrevista outro PARLAMENTAR para o JORNAL DA BAND):



2° REPÓRTER

(ouve a resposta à pergunta: “o senhor viu seu colega virar cinzas?”)



Vi tudo. Estava próximo. Não tinha o que fazer. Fiquei sem atitude. Uma coisa horrível. Um filme de terror. Quando o facho do extintor de incêndio do segurança atingiu o corpo, sobraram apenas cinzas. E um pedaço do pé que incluía o calcanhar.

24) EXT. RUAS. AVENIDAS. PARQUES E PRAIAS — DIA



(As pessoas cruzam-se entre si mostrando-se atônitas ao caminhar pelas calçadas. Muitos transeuntes estão parados próximos às bancas de revistas. Seus rostos colados às manchetes das primeiras páginas dos jornais do dia. A curiosidade se faz presente nos mais diversos ambientes (metrô, ônibus, salas de espera de cinemas, aeroportos, barcos, lanchas, navios). Passam a impressão de que estão descobrindo que a leitura de revistas e jornais é indispensável para que compreendam o que está acontecendo nos bastidores da surpreendente realidade).



(Vozes e imagens de locutores de TV e rádio divulgam os estranhos eventos):



ÂNCORA DE TELEJORNALISMO NOTURNO

(enfatiza uma notícia sensacional)



“Combustão Humana Espontânea é uma força sobrenatural. Um fenômeno desconhecido. Tempestades de fogo surgem em vários locais do planeta. Um bairro de Chicago foi totalmente destruído. Morreram 450 pessoas. 18 mil imóveis completamente queimados”.



ÂNCORA DE TELEJORNALISMO NOTURNO

(de uma segunda emissora de TV)



“O fogo tinha uma cor ora normal, ora vermelha, passando depois para o verde. Os cientistas não encontraram explicação racional. Algo no ar alimentava o incêndio de Chicago. Não era nem pó de alumínio nem magnésio”.



ÂNCORA DE TELEJORNALISMO NOTURNO

(de um telejornal da CBS nos Estados Unidos)



“Piloto americano de jato observou uma tempestade de fogo a 247.700 pés de altura. Ele divulgou as fotos, mas não formulou hipóteses. — Astronautas viram concentração de energia radiante na estratosfera há 12 mil metros, onde há concentração de nitrogênio”.



MANCHETE DE JORNAL NA INTERNET

(PESSOA em “lan-house” acessa site de notícias)



(Cidades em todo o planeta estão noticiando casos de Combustão Humana Espontânea).



REPÓRTER

(entrevistando um famoso cientista para um jornal TVvisivo)



O que a ciência tem a dizer desses eventos estranhos de Combustão Humana Espontânea?



CIENTISTA

(enfático)



É preciso uma energia simplesmente fenomenal para liberar hidrogênio do corpo humano. O hidrogênio não fica concentrado no corpo, desde que é mais leve do que o ar.





25) INT. CARRO. AVENIDA PAULISTA — DIA/NOITE.



(O jornalista ROSSI LEE conversa com a filha, JUSSARA, enquanto pára constantemente o carro no trânsito em transe da Avenida Paulista):



ROSSI LEE

(investigativo)



JL. VOLTAIRE, a “causa mortis” dele foi formalmente explicada?



JUSSARA

(justificando não saber)



É o mesmo princípio da “stripper” daquela boate. Não há explicação científica. As opiniões são especulativas.



ROSSI LEE

(indagativo)



Em quem confiar? Tudo inconclusivo. Não há especialistas nessa matéria. As fotos da exposição fotográfica eram de ruínas de uma cidade pré-colombiana na Guatemala. As fotografias eram de um jornalista argentino?



JUSSARA

(misturando as respostas)



Quem vai saber por que pessoas aparentemente saudáveis viram cinzas em poucos segundos? Íamos escalar o Pico da Neblina. Estávamos prestes a embarcar para a Amazônia. Ele era portenho e estávamos “ficando”.

ROSSI LEE

(irritando-se)



Pouca gente o escalou nesta década. São mais de 3 mil metros de altitude. É a segunda área ambiental mais protegida da Terra. Sua experiência em esportes radicais a habilitava para essa aventura? Tem certeza?



JUSSARA

(malcriada)



Ninguém tem plena certeza de nada! Mas eu me sinto preparada. Muita prática de rapel. JL. Voltaire não era marinheiro de primeira viagem. Tinha escalado o Aconcágua. Pico mais alto da América do Sul. O pico mais alto do mundo fora do Himalaia: perto de 7 mil metros. Dois índios ianomâmis seriam os guias.



ROSSI LEE

(suavizando a tonalidade da voz)



Muito arriscado para amadores. Eu mesmo fiquei tentado. Certa vez acompanhei uma expedição até São Miguel da Cachoeira, a 850 km de Manaus, fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela.



JUSSARA

(corrigindo a informação)

Não é Miguel é São Gabriel da Cachoeira. Seria uma experiência física e estética incrível — Até semana passada estávamos energizados. Esse projeto era muito importante para suas pesquisas. Hoje (soluços) restam dele apenas cinzas.

26) INT. QUARTO. MOTEL — NOITE



LEANDRO

(está no quarto com uma garota de programa com idade de ser sua filha).



GAROTA

(insinuando-se)



A Lígia está com saudades de você. Ela está em Búzios, pegando um bronze para vir com tudo em cima.



LEANDRO

(interessado)



Este fim de semana falo com ela.



GAROTA

(intermediando a ligação)



O novo n° do celular dela está em cima da mesa. Digita o nome dela que você vê.



LEANDRO

(preocupado, senta-se à mesa, abre correspondência de um hemocentro da Avenida Angélica)



GAROTA

(dirigindo-se ao banheiro)

A MELISSA, não dá conversa para ela não. Está soro positiva e transando como nunca. Pirou. Está com medo de sair dessa dimensão e não ter ninguém que ela conheça na outra. Quer infectar todo mundo que ela conhece. Fazer um pé-de-meia e voltar para o interior... Enquanto o bicho não pega de vez.



LEANDRO

(meio apavorado, murmura de si para consigo)



A mutação do vírus dela é o PUF. E se eu estiver infectado? A camisinha rompeu da última vez que estive com ela.



GAROTA

(penteando-se frente ao espelho, vira-se e sai do banheiro)



Isso aí é o resultado de teu exame? Credo! Vai me dizer que você está bichado.



LEANDRO

(aborrecido)



Para com isso! Aqui diz que tenho de refazer o exame. —Entrando no banheiro e olhando-se no espelho, murmura: “vai saber ao certo...”





27. INT. APARTAMENTO 15° AND. QUARTO DE SABRINA — DIA



LEANDRO

(bole nos membros viçosos de SABRINA letárgica sobre a cama. Ele sai do quarto para a sala onde prepara um drink)

NÁDIA

(a doméstica se despede)



Até a próxima semana “seu” LEONARDO.



LEANDRO

(irritado)



Meu nome é LEANDRO, LEO, mais de um ano trabalhando aqui e você ainda erra ao dizer meu nome. — “Que mulher estúpida”, rumina ele.



NÁDIA

(fechando a porta do apartamento)



Até segunda, “seu” LEANDRO, desculpe. Bom fim de semana! — Entrando no elevador ela fala de si para consigo: “Leandro ou Leonardo, não faz diferença se seu nome for Virgulino. Vê se morre esse fim de semana”.



LEANDRO

(bebe um gole da dose dupla de Logan´s enquanto olha em direção ao quarto de SABRINA)



Você vai ficar curada filhinha, vai sair desse trauma, papai promete — Entrando no quarto admira-se ao vê o corpo da filha levitar há uns 40 cm acima do colchão.



LEANDRO

(excitado com a visão, LEO sente-se atraído pelas penugens do púbis juvenil. Movido por pulsão de dissoluta libido, lança os lábios em direção aos grandes lábios da adolescente com suas vestes transparentes e o corpo de filha de Zeus)



(A levitação e o clima de amorosidade sugeridos pela visão, assim como um murmurar de cânticos monacais mal digeridos, por sua excitada percepção auditiva, serviram para ele de incentivo à volúpia. Usufruir da beleza e juventude de SABRINA na situação incestuosa, era tudo que desejava).





28. INT./EXT. QUARTO. SACADA. ESPAÇO ABERTO ENTRE OS EDIFÍCIOS DE APARTAMENTOS



LEANDRO

(a pressão das coxas de SABRINA se faz sentir nos lados de seu pescoço, enquanto o corpo se desloca em direção ao teto. A ponta dos dedos dos pés, de dentro dos sapatos se distancia do piso do quarto. As pernas se debatem no vazio)



(Ele tenta falar, se desculpar, gritar, pedir socorro, mas da garganta pressionada não sai nenhum som de palavras. A força estranha que abarca toda a atmosfera ambiental não quer saber de diálogo. O corpo de SABRINA levita em direção ao pequeno terraço que separa o quarto do vazio, da queda).



LEANDRO

(de olhos esbugalhados ele enxerga as janela de vidro que separam o quarto do terraço. Ele sente uma ponta de esperança ao vê-las trancadas. Mas elas começam a deslizar nos trilhos para os lados, escancarando-se à direita e à esquerda)



(Um vento frio e milhares de gotas de garoa gelada adentram rapidamente o quarto a umedecer os cabelos, as roupas e os lados de suas faces).



SABRINA

(o corpo retesado na horizontal passa quase atritando na parte superior da meia-lua da janela de formação convexa, arredondada)



LEANDRO

(francamente apavorado, o rosto colado aos pentelhos da filha ele olha para baixo e sente as coxas de SABRINA abrir-se lentamente. Os belos e longos cabelos castanhos de SABRINA esvoaçam dos lados da cabeça, enquanto o corpo hirto desliza em direção ao vão de 60 metros que separa os edifícios de apartamento)



(Os vidros das janelas dos apartamentos adjacentes estouram estrepitosamente. Lascas de vidro abrem cortes profundos na testa, nos braços, no troco e na cabeça dele e no corpo hirsuto de SABRINA. O sangue escorre dos ferimentos. LEANDRO vê estupefato que as feridas no corpo dela logo se fecham e os sangramentos param).



VIZINHA A ESPREITAR

(acompanhada de enfermeira, uma senhora que está a contemplar a paisagem do entardecer vê a estranha, inusitada e atemorizante imagem surreal de LEANDRO debatendo-se com a cabeça entre as coxas de SABRINA que, para seu desespero se abrem mais. Ele tenta a todo custo se manter agregado ao corpo da moça. As mãos lutam por agarrar suas coxas, suas pernas e, por último, o frágil tecido que a veste. Mas a força da gravidade é mais forte. LEANDRO despenca no vazio em direção à laje na área reservada ao playground do prédio)



SENHOR IDOSO

(trêmulo, da janela de um apartamento defronte, ao lado do neto, um senhor de idade olha para o rapaz como quem quer uma confirmação de que aquele acontecimento de rara e trágica surreal idade está mesmo a acontecer. — “Não é mesmo um delírio”? Pergunta-se ele. Mas a estupefação da expressão facial do rapaz não deixa dúvidas de que aquele acontecimento inusitado não foi provocado por imoderada excitação mental)



VIZINHA A ESPREITAR

(o olhar pasmado e os membros trêmulos da mulher persignam-se enquanto ele balbucia uma prédica litúrgica: “pelo sinal da Santa Cruz, livrai-nos Deus Nosso Senhor dos nossos inimigos”)



CASAL DE NAMORADOS

(beijam-se sentados num banco do playground vazio. Súbito o corpo de LEANDRO cai próximo. O rapaz está tão envolvido no chupão de língua que nem ouve o baque do corpo, enquanto a moça arregala os olhos e fica tentando se desvencilhar da boca e da mão do namorado que segura sua cabeça presa ao rosto dele)



MOÇA NAMORADA

(tentando desvencilhar-se do amasso)



Hãaãããã! Hummauhamããam!



RAPAZ NAMORADO

(desprende-se afinal do aconchego)



(Ambos olham para o alto tentando identificar de onde o corpo caiu. Boquiabertos, ambos veem o corpo horizontalizado e hirto de SABRINA adentrar de volta à janela do quarto do apartamento em que habita).



29) INT. SALÃO DE REDAÇÃO. JORNAL — DIA



ROSSI LEE

(apreensivo com o surto de CHE, telefona para a filha Jussara visando obter informações vicinais para uma série de reportagens)



Evidente que CHE não pode ser fenômeno transmitido por contágio. Você tem o novo endereço da família dele?



JUSSARA

(do outro lado da linha, falando pelo celular)



Os pais dele mudaram exatamente para que não fosse motivo de especulação da imprensa. Não querem publicidade nenhuma.



ROSSI LEE

(persuasivo)



JU, você era namorada dele. Faziam planos juntos, rapel, escaladas... Não és nenhuma estranha querendo explorar um acontecimento sinistro. Veja se consegue uma entrevista.



JUSSARA

(considera por momentos a argumentação do pai)



A morte dele não terá sido inútil, se conseguirmos fazer algum progresso na investigação desse flagelo. Também penso desse jeito.



ROSSI LEE

(afirmativo)



É isso! Te vejo mais tarde. Se não, ligue quando tiver uma resposta, certo?





30) INT. APARTAMENTO — NOITE



LISABETH

(repreende a filha SABRINA)



Há mais de duas horas você está no telefone. Vê se pára com esse lero-lero.



SABRINA

("cheia de razão")



Dá um tempo! O Jamil está fruindo um lance da hora! Sobre um "inúteen" que virou cinzas ontem a noite em cima da cama. Sacal o lance. Nem os lençóis da cama em que o cara estava deitado queimaram. Nem as páginas do livro que ele estava lendo. Muito loucos esses surtos de CHE.



LISABETH

(reagindo)



Escuta filha, esse negócio de CHE não é mais novidade. Daqui a pouco a notícia vai estar no Jornal Nacional. Teu pai está chegando. Ele está de pavio mais curto do que de costume.

SABRINA

(teimosa)



Falar pelo interfone não impede de me vestir.



LISABETH

(pelo videofone)



Estamos descendo, Leo.



LEANDRO

(informativo)



O JAMIL telefonou. Está chegando ao shopping. — Leo desce as escadas em direção ao subsolo onde vai liga o carro à espera da mulher e da filha. LEANDRO sai da garagem e estaciona o auto em frente ao prédio enquanto mentaliza:



("SABRINA precisa desencalhar logo. A faculdade é apenas um pretexto para fisgar um trouxa. E esse trouxa pode ser esse JAMIL. Esse FICADOR é cheio dos dotes. O pai é construtor, sócio de uma empreiteira. Quem sabe esse ela pega, mata e come. Quero dizer: pega, come, noiva e casa").





31) INT. PRAIA DE ALIMENTAÇÃO. SHOPPING — NOITE

(A família reunida, conversa animadamente)



JAMIL

(rememora)



Esse filme lembra aquele da retrospectiva de filmes da década de noventa do século XX.



LISABETH

(curiosa)



Sei! Como é mesmo o nome?



JAMIL

(com enfado)



"O Paciente Inglês".



SABRINA

(lembrando-se)



Sim! Sei! Vi contigo!



LEANDRO

(provocativo)



Vimos nesse mesmo cinema. — Você gostou mesmo, não? Tem uma opinião sobre ele?

SABRINA

(serelepe tipo “loura burra”)



O cara era um gato. O aviador. Trágico, mas eu gostei.



JAMIL

(irônico, olhando cúmplice para LISABETH)



Isso é que é avaliação inteligente.



LISABETH

(O filme não te disse mais nada, sério?)



LEANDRO

(a livrar a filha do vexame)



Quanto a mim, dormi. Estava de ressaca — (risos).



JAMIL

(simplificando)

A história de um marido traído que se vinga da esposa e do amante forjando um acidente na aterrissagem de um monomotor no Saara.



LISABETH

(mostrando-se atenta)



O paciente inglês, o ator Ralph Fiennes, interpreta um desconhecido com queimaduras generalizadas, tratado pela enfermeira canadense...



JAMIL

(complementando)



Interpretada pela musa Juliette Binoche.



LISABETH

(continuando)

...Em um hospital. Ele conta como se envolveu amorosamente com a mulher de um colega de aviação...De como essa paixão foi correspondida.



JAMIL

(exibindo boa memória)



O piloto está desfigurado pelas queimaduras. As lembranças vão se recompondo, mas ele bloqueia a memória dos acontecimentos que motivaram o sinistro aéreo. Filme fera. 12 indicações ao Oscar. Ganhou nove.



LEANDRO

(olha para SABRINA como que a motivá-la a falar alguma coisa)



Quantas coisas as guerras podem destruir. Amizades, relacionamentos, amores. Quantos milhões de pessoas que poderiam estar vivas deixaram de maneira violenta e perversa, de existir. Quanta crueldade vem à tona. E sonhos que se frustraram... Bom, eu não dormi o filme todo. —(risos).



JAMIL

(mostrando-se cinéfilo)



Direção ANTHONY MINGHELLA... Vocês estão sabendo.



SABRINA

(como que querendo inserir-se na conversa)



Chorei o filme inteiro. — LISABETH sorri amarelo como quem diz: “você hem Sá? Cadê os neurônios?”.



LEANDRO

(olha para a filha, a voz em of.)



Você, hem, Sá? Chorar não é motivo para se achar um filme bom ou ruim. Se toca, minha filha. Vai ver esse rapaz gosta de você porque representa o arquétipo da mulher desprovida de QI. Mas que na cama compensa a falta de massa cinzenta.



LISABETH

(mudando de conversa)

Esse agora é um drama passado na III Guerra do Golfo. Li que o personagem principal também foi vítima de uma aterrissagem desastrada, provocada pelos ciúmes de um marido traído.



JAMIL

(confirmando)



Que também pilotava um monomotor... — Ao olhar para o relógio insinua que a sessão de cinema vai começar.





32) INT. CINEMA. SALA DE PROJEÇÃO. PESSOAS OCUPANDO POLTRONAS — NOITE



(Dentro da sala de cinema as pessoas curiosas uma das outras se olham dissimuladamente. Querem flagrar atitudes, gestos, murmúrios entre os cinéfilos antes da projeção do filme começar. Adolescentes rechonchudas aparecem a mastigar entusiasticamente pipoca com refrigerante. O filme começa).



(Na tela uma mulher pálida e apavorada contempla uma imagem que vai aos poucos se fundindo com ela. À proporção que seu reflexo no espelho desencana, assustada, vai se surpreendendo, aos poucos, com o poder de penetração da Outra. Uma tênue névoa alonga-se da superfície especular até suas pupilas indefesas).



(Uma mulher ao lado de LISABETH levanta o braço na altura dos olhos como a se defender da invasividade do olhar espectral mostrado na tela em 3ª dimensão).





33) INT./EXT. SALA DE ESTAR. RUAS DA CIDADE — NOITE



(A personagem do écran, numa aflição cada vez mais difícil de controlar, vivencia realidades paralelas. Ao mesmo tempo em que se encontra sentada na poltrona do cinema, surpreende-se na poltrona da sala de jantar. Ao sair de um cinema na Avenida Paulista, um helicóptero, incendiando-se, cai a poucos metros dela. A explosão provoca gritos surpresos e súbitos na plateia).



(SABRINA aperta mais os dedos de JAMIL entre os seus. Ela olha para ele que, virando o rosto sorri para ela, acalmando-a. A tensão arrefece entre os espectadores).



(No écran, a personagem parece-se cada vez mais intensamente com ela. A transferência de identidades se faz intensa e acontece também com relação a outras adolescentes e pessoas adultas na plateia).



(As luzes da sala clareiam o ambiente. O filme termina. As pessoas começam a se levantar para sair. SABRINA levanta-se e chama a mão de JAMIL para si).



(Ela caminha entre as fileiras de poltronas, a princípio sem notar que segura um pedaço do esqueleto da mão do namorado presa ao que restou de seu pulso. Olha apavorada para a imagem do RAPAZ que simplesmente se desfaz em cinzas frente à expressão facial estupefata da moça).



(Ela quer gritar e não consegue. Sua manifestação de pavor confunde-se com a da personagem do filme. Não consegue manter-se desperta e desmaia, caindo sobre as poltronas, despenca em direção ao chão. Seu braço ainda segura a mão descarnada de JAMIL).





34) INT. SALA. APARTAMENTO — NOITE



(ROSSI LEE aproxima-se da mesa central da sala, pega um pedaço de papel amarelo, tipo lembrete de agenda e lê o recado da filha JUSSARA):

"O caderno de assinaturas de presenças e opiniões das pessoas que frequentaram a primeira semana da exposição de fotografias das ruínas da cidade maia em meio à selva na Guatemala, foi substituído por outro”.



“Um segurança informou que roubaram o original. As câmeras de segurança não registraram o roubo devido a um curto circuito suspeito. O nome de ISAAC RONDON constava do livro, assim como seu e-mail. JL. VOLTAIRE utilizou as pesquisas de campo do fotógrafo enquanto reforço de sua tese de doutorado. Tenha paciência, em breve saberei o novo endereço dos pais dele. Beijo. JU”.





35) INT. SALA DE ESPERA. SETOR ADMINISTRATIVO. HOSPITAL DAS CLÍNICAS — DIA



(ROSSI LEE entra na sala do superintendente do HC, doutor ALBERTINOTH KARAMURINJA. O médico levanta-se e estende a mão cumprimentando o jornalista).



DR. KARAMURINJA

(mostra-se tenso)



Desculpe-me tê-lo feito esperar, em que posso ajudar?



ROSSI LEE

(contendo a curiosidade investigativa)



Não quero ocupar seu tempo, doutor. A “stripper” HALLMA, trazida hoje de madrugada. Que aconteceu? Mais uma vítima da Combustão Humana Espontânea? O que a medicina tem a dizer desse fenômeno?

DR. KARAMURINJA

(à menção do nome da “stripper” mostra-se ainda mais desconfortável).



ROSSI LEE

(pretende atenuar o desconforto do médico)



Acompanhei a ambulância. Estava na boate quando aconteceu o sinistro. Os jornais noticiam esses casos cada vez mais frequentemente. A síndrome de pânico que era forte, agora está se tornando simplesmente incontrolável. As pessoas precisam saber como isso ocorre. Para se sentirem menos desconfortáveis.



DR. KARAMURINJA

(disfarçando o embaraçado)



Esses casos de Combustão Humana Espontânea não fazem parte de nenhum estudo experimental acadêmico. Não há disciplina que se atenha à patologia dessas manifestações. Que posso dizer? Não há opinião científica conclusiva.



ROSSI LEE

(inquiridor)



CHE é uma manifestação patológica? Que patologia está mais próxima de explicar esse fenômeno?



DR. KARAMURINJA

(justificando-se)



Há poucas semanas não se tinha nem certeza de que essas manifestações..., digamos..., patológicas, existiam realmente. Considerava-se, nos meios acadêmicos, que fossem especulações de lunáticos.



ROSSI LEE

(surpreso)



CHE é um fenômeno universal... Como explicar o que aconteceu à “stripper” HALLMA? Não há uma área de internação para esse tipo de sinistro?



DR. KARAMURINJA

(cada vez mais desconfortável)



Não há especialização em medicina nem disciplina que estude esse fato. Talvez ele não possa ser explicado na área de saúde pública. Não há estudos que se confirmem pela ciência médica, que esse fenômeno CHE é algum tipo de doença ou patologia do sistema nervoso central.



ROSSI LEE

(insinuando a incompetência subtendida do médico)



O senhor quer dizer que não tem nada a dizer sobre as manifestações físicas da Combustão Humana Espontânea?



DR. KARAMURINJA

(sem conseguir disfarçar a irritação)



Quando a “stripper” chegou ao HC estava reduzida a pó. O médico que a atendeu, ao sentir o pulso da mulher, este se desfez num amontoado de cinzas. Assim como o restante do corpo. Não sobrou nada. Como internar uma paciente que virou cinzas? Ou estudar uma suposta patologia nessas condições?





36) INT. TEMPLO DA IGREJA DO SALVADOR DOS ÚLTIMOS DIAS — DIA



(A família de HELIO, SHEILA, a mulher, CARLA, a filha e EDU, o filho caçula, adentram a Igreja. O culto havia começado. Sentam-se num banco onde Outros fiéis estão atentos ao discurso dominical do Pastor MCKENZIE).



PASTOR MCKENZIE

(começa a preleção)



“Vocês estão aqui porque, de alguma forma, fazem parte dos escolhidos...”.



“Seus filhos mergulham nas drogas porque as instituições da sociedade são associadas aos grupos que mercantilizam essas mercadorias”.



“A juventude é orientada pelas mídias a comprar as mercadorias que estiverem à venda. O Legislativo, o Judiciário, o Executivo. Os poderes são por demais tolerantes com esses mercadores da morte. Por quê? Porque ganham milhões para manterem leis obsoletas, que beneficiam apenas a Nova Ordem Mundial. Essa Nova Ordem tem por objetivo manter as instituições a serviço da deterioração da sociedade...”.



“As mídias têm por finalidade domesticá-los com futebol, notícias e entretenimento barato...”.



“Os sinais estão presentes, o fruto está maduro. O tempo é chegado. O fim dos dias será mais simples e surpreendente do que a mais inusitada das ficções...”.



(Os fiéis passeiam seus olhares uns em direção aos outros. Parecem querer vislumbrar no outro a possibilidade de uma resposta aos acontecimentos noticiados pelas mídias. A maior parte da troca de olhares é interrogativa e medrosa).





37) EXT. ANOITECER, ESTACIONAMENTO — DIA



(HÉLIO após entrar no carro olha-se no espelho. Sentindo-se culpado fala consigo mesmo como se falasse com outro):



“Está aqui comigo. Vivendo de minhas células e fluidos. Compartilha minhas percepções. Existe simultaneamente comigo. Eu sou ele. ELE é EU, (consolando-se): a velhice é uma humilhação do corpo. Há mal que vem para bem”. — Murmura, consolando-se.





38) INT. CARRO. ESTACIONAMENTO — DIA/NOITE



(HELIO inclina-se no banco e abre a porta do passageiro para CARLA).

HELIO (fingindo tranquilidade) — Tudo bem, filha? CARLA (olhando para ele como quem sabe a resposta) — Tudo habitual contigo?



39) EXT. RUAS E AVENIDAS — DIA/NOITE



(Quilômetros de engarrafamento no trânsito são noticiados através de emissoras de rádio).





40) INT. CARRO. DIA/NOITE



CARLA

(de si para consigo)



“Todos vivem de aparências. Refugiados nelas. Nada vai bem, mas perguntamos e respondemos como se estivesse bem ou quiséssemos mesmo saber. Temos medo de pronunciar nossas verdades. Elas nos paralisariam. A todos”.





41) EXT. AVENIDA PAULISTA — DIA/NOITE



(O locutor da emissora de rádio continua a divulgar o aumento do engarrafamento gigantesco. Ouve-se os barulhos e ruídos intermitentes se reproduzirem às dezenas).



(Dezenas de milhares de vezes: buzinas, freadas bruscas, colisões, toques de celulares, sirenes de ambulâncias, helicópteros sobrevoam o trânsito, sirenes de bombeiros, carros de polícia, apitos de guardas de trânsito, despertadores de pulso, dezenas de rápidas colisões de motos nos espelhos retrovisores dos carros. Motores acelerando e em desaceleração. Dezenas de pequenos eventos “quânticos” contribuem para aumentar a irritação geral).



42) INT. CARRO. DIA/NOITE



(Um carro colide levemente no para-choque do outro parado em frente no engarrafamento. Os gases poluentes flutuam nas ruas, avenidas e praças da cidade. Nuvens urbanas de poeira ao modo de “Blade Runner” concentram-se, visíveis através das janelas dos vidros dos carros).



(Os motoristas se interrogam. Flagram os olhares, ora ansiosos, ora tensos. Condutores de veículos e passageiros no interior deles parecem conter os conflitos internos. Evitando exteriorizá-los. Há uma tensão que parece aumentar no espaço externo aos carros).



(As crianças e adolescentes mostram-se por demais concentrados. Um filete de sangue começa a escorrer da narina esquerda de CARLA).





43) EXT. ASFALTO DA AV. PAULISTA — NOITE



(CARLA de olhos fechados fixa a linha do olhar, encoberto pelas pálpebras, em direção ao motorista do carro abalroado. Descontrolado, ele provoca aos berros e xingamentos o Outro MOTORISTA que começa a ficar também irritado).



(Após rápida discussão o condutor do carro da frente saca de uma arma e atira várias vezes no desafeto. Ele cai sentado, a sangrar, na borda da porta do carro).





44) INT./EXT. CARRO. ASFALTO DA AVENIDA PAULISTA — NOITE



(Os olhos fechados de CARLA, como se em sono REM, movem-se rapidamente da direita para a esquerda e vice-versa).



(O MOTORISTA criminoso tenta fugir do local do flagrante. Inutilmente. Ele parece estar inserido num “campo de força” que o impede de sair do lugar. A sensação de que o asfalto desliza sob seus pés, em inúteis tentativas de sair do lugar).





45) EXT. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(A paisagem da principal via pública de São Paulo, centro financeiro do capitalismo selvagem, está cada vez mais conturbada. O equipamento receptor de frequências de alta sensibilidade, localizado no interior dos helicópteros negros, sem nenhuma identificação ou prefixo aeronáutico de números ou letras, está em frenética atividade).



(Esses equipamentos são operados por TÉCNICOS E CIENTISTAS estacionados nos heliportos por toda a extensão da Avenida Paulista. Eles captam as emissões de íons que provocam uma tonalidade acústica imperceptível ao ouvido humano. Uma névoa esverdeada permeia a Avenida Paulista e as ruas adjacentes).





46) INT. CARRO. AV. PAULISTA — NOITE

(O MOTORISTA fala com a MULHER ao lado. Ela saca o celular da bolsa e telefona supostamente para a polícia, denunciando o crime que acabou de presenciar).





47) INT. HELICÓPTERO POUSA EM HELIPORTO. AV. PAULISTA — NOITE



(Uma vibração de alta frequência está sendo registrada e analisada pelos equipamentos eletrônicos instalados no interior dos aparelhos de aviação nos heliportos no topo dos edifícios).





48) EXT. ASFALTO E CALÇADA. AV. PAULISTA — NOITE



(Viaturas policiais cercam o local onde se verificou o tiroteio e o crime. O assaltante, perplexo, parece desistir de compreender o que aconteceu. Por que não conseguiu sair do lugar quando tentava fugir do flagra? Ele é algemado e trancafiado no camburão).





49) INT./EXT. CARROS. AV. PAULISTA — NOITE



(Uma sonoridade tipo zumbido de alta frequência se faz ouvir: suave, harmoniosa e persistente, parece unir o inconsciente coletivo de crianças e adolescentes, de modo que ambas as categorias cronológicas não mais se sentem subordinadas nem INÚTEENS).



(PESSOAS que estão no interior dos prédios visualizam a confusão que está a se estabelecer no asfalto da Av. Paulista. A expressão de perplexidade e temor se faz perceber também na timidez dos gestos).





50) INT. CARRO. AV. PAULISTA — NOITE



(Uma SENHORA olha assustada para a menina ao lado. A garota parece superconcentrada. Olhos fechados. Como se em transe. A MULHER sacode o braço direito da garota, chamando-a com certa e insistente veemência):



MÃE DE MALY

(aflita)



Queridinha, fale com a mama. Responda! Acorde! Você dormiu a tarde inteira. Não pode estar com sono! Pare de fingir e eu te levo ao Mcdonald´s. O Mclanch Feliz. A torta de maçã. Essas delícias de que você gosta. Tudo que você quiser! Meu benzinho!



MÃE DE MALY

(quase histérica)



Como você consegue fazer isso? Isto não é normal. Quem ensinou você a fazer essas coisas diabólicas? — Ela ouve a menina falar com ela sem mover os lábios.



MALY

(emite sons fricativos)



Você não vê? Estou acima do peso. Preciso aprender a me controlar. Estou sem apetite. Pare com esse suborno! Você quer me fazer engordar ainda mais?



(O capô do carro começa a vibrar. Uma força estranha o impulsiona para cima. Os limpadores de para-brisa começam a se movimentar sem terem sido acionados. A MULHER agita-se ao vê que coisas estranhas estão acontecendo com outros carros).





51) INT. CARRO. AV. PAULISTA — NOITE



(Outra SENHORA, muito aflita, tenta inutilmente desligar a ventilação refrigerada interna do carro. Nervosa, os cabelos se despenteiam a cada gesto brusco. A ventilação aumentou muito a velocidade. O batom mancha os lados da boca na qual acabou de passar a mão esquerda).



(Súbito, gira o tronco em direção ao GAROTO sentado ao lado, tentando fazê-lo voltar à posição original, desde que seu corpo flutua um palmo acima do assento do passageiro).





52) INT. LIMUSINE AV. PAULISTA — NOITE



(Em seu histriônico desassossego, um EXECUTIVO olha de soslaio a GAROTA DE PROGRAMA que o acompanha. Seu sorriso condescendente e vulgar, de repente se transforma numa carranca regressiva pavorosa. Ele se esforça para sorrir em direção ao rosto dela, mas não consegue. O rosto deformado da MULHER o apavora).



GAROTA DE PROGRAMA

(com dificuldade de articular os sons das palavras)



Esse "AC" é muito louco, cara. Estou noutra dimensão.



EXECUTIVO

(encolhendo-se e fechando os olhos evita olhar outra vez para ela).



Está mesmo. Por deus. Você está mesmo. Não quero olhar para tua cara nunca mais. Fica quieta. Te controla!





53) INT. LIMUSINE. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(Entre dois EXECUTIVOS está sentada uma elegante MULHER de negócios americana. No banco defronte um casal “michê” sorri. O rapaz serve uma dose de whisky para o executivo em frente).



(Os passageiros da limusine estão isolados do ambiente externo da Avenida Paulista por proteção acústica, e vidros à prova de balas — entre os passageiros circula uma lâmina de vidro retangular, com carreirinhas de coca bem servidas).





54) INT./EXT. CARROS. ASFALTO. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(Um motorista de taxi consegue abrir a porta e sair apavorado do carro, enquanto as dobradiças das portas rangem e o capô e o porta-malas são vigorosamente impulsionados para cima por uma força estranha e extraordinária. Os PASSAGEIROS do taxi hesitam em sair do mesmo com medo do que está a acontecer do lado de fora).



(O motorista do taxi corre entre outros carros, alguns dos quais estão com seus componentes (capôs, porta-malas, tetos) sendo forçados para o alto. Alguns se desprendem de suas bases com grande estardalhaço).

55) EXT. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(O capuz de um carro em meio à neblina esverdeada, impelido por uma força sobre-humana, voa por sobre a cabeça do MOTORISTA que havia fugido do interior do veículo, por pouco não o atingindo).



(PESSOAS abrigadas numa galeria observam, estarrecidas, a trajetória da porta do porta-bagagem de um carro, a rolar veloz pelo asfalto, subindo, com velocidade, à calçada, e esbarrando com grande estrondo nos vidros de uma agência bancária, indo parar junto a um caixa eletrônico. No interior da agência).





56) INT. LIMUSINE PRATA. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(Uma mulher no interior da limusine começa a se despir. O EXECUTIVO louro, cabelos grandes, olhos azuis, seminu, as calças arriadas, um copo de whisky em mão, pega a mulata pelos cabelos e comprime sua cabeça em direção à genitália, enquanto encosta o pescoço na almofada e olha o “céu de estrelas” do carro. — Ouve-se em off a canção “Bad Romance” cantada por LADY GAGA).



57) EXT. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(Algumas luminárias da Avenida Paulista explodem e as luzes dos estabelecimentos comerciais estão a piscar-piscar. O espaço interno de muitos ambientes está à mercê de vândalos, desde que as paredes de vidro que protegiam lojas e outros estabelecimentos comerciais, estilhaçaram-se. Com grande estardalhaço).



(PESSOAS movimentam-se de um para outro lado em busca de abrigo. Tropeçam em corpos caídos. Os feridos buscam proteger as feridas abertas na pele pelos estilhaços, com guardanapos, lenços e pedaços de jornais. Por vezes com as mãos muitas vezes também feridas).





58) INT. CARRO. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(A MULHER que tentara subornar a CRIANÇA ao lado, prometendo uma ida ao McDonald´s, está com o rosto desfigurado. — A maquiagem dos olhos escorre pelas faces enrugadas. Histérica, descontrolada, berra, a voz entremeada de soluços):



MULHER

(claramente descontrolada)



Está possessa. Todos estão possuídos. Ela olha para fora do carro: a avenida está possuída, os carros, as pessoas. —Ela berra enquanto olha a CRIANÇA no banco de passageiro.



Acorda, FILHINHA, eu compro tudo o que você quiser. Aquele tênis da Nick. O “nicksuperplusultra”. Aquele que você viu na TV. Tudo! Faço tudo que você quiser, mas abra os olhos. Você precisa vê...



MENINA

(a emitir sons fricativos)

Não precisa, mãe, eu vejo tudo em todos os lugares. Não preciso de nada que você possa me dar.



MULHER

(horrorizada, leva as palmas das mãos comprimindo-as na cabeça à altura das orelhas)



Você também está possessa, endemoninhada. —Ela tenta abrir a porta do carro, mas não consegue. O vidro não quebra ao impacto de seus golpes. A CRIANÇA estende a mão esquerda para o lado e aperta a mão direita da MULHER. Ela tenta desvencilhar-se, mas não consegue. Aos poucos começa a recuperar a lucidez.





59) INT. LIMUSINE PRATA. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(A modelo MORENA que estava praticando um boquete no executivo louro, volta a sentar-se no banco em frente, enquanto engasga-se com o sêmen misturado à mistura catarrenta e escura, a escorrer da boca. O líquen arroxeado pinga sobre os seios dela. Os olhos escancaram-se).



(Apavorada, a MODELO berra, enquanto vê o olhar do cara dissolver-se em cinzas diante dela, como se tivesse, de repente, sido tostado. O que restava dele parecia carvão pulverizado. Os olhos azuis, fixos nela, desmoronaram sobre o que restou das cinzas no lugar em que estava sentado. Desolada, a MODELO contempla o pó enegrecido do que restou do pênis do cara, saindo de dentro da boca ao redor dos lábios. Por entre os dedos muito apressados em tentar inutilmente limpar a gosma escura que cobre sua cara).





60) EXT. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(As pessoas que olham das janelas dos edifícios estão cada vez mais apavoradas. O panorama é caótico. Em todos os lugares há PESSOAS em atitudes defensivas de medo. O berro aterrorizado da MORENA da limusine parece reverberar no grito coletivo de centenas de pessoas apavoradas, que não sabem ao certo o que está a acontecer).



(A ressonância do som do berro aterrorizado da MORENA, repercute em eco de dentro dos outros corpos, em várias frequências de vibração, outras bocas abrem-se semelhantes ao modo dela, e emitem sonoridade aterrorizada e semelhante. A quantificação espacial da emissão reflexa do timbre de voz ritmado da MODELO multiplica-se, proveniente do interior do campo magnético unificado em que se transformou a Avenida Paulista”).





61) INT./EXT. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(O MOTORISTA de um carro que conduz PESSOAS que não ousam sair do veículo, aponta para um modelo utilitário, cabine dupla, que está sendo suspenso no ar em sua parte frontal).



(Os faroletes de milha do veículo estão acesos e os faróis normais estão a piscar de modo intermitente. Os PASSAGEIROS deste e de outros veículos olham estarrecidos o fenômeno. A parte dianteira do carro apontada para as nuvens como se querendo acelerar em direção a elas).



(Ao voltar ao asfalto o carro impacta-se violentamente. A água do radiador transborda em jatos quentes projetados à distância. Reações barulhentas e extravagantes do motor se fazem ouvir. Assim como perturbações faiscantes no sistema elétrico).





62) INT. LIMUSINE. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(Um dos oito PASSAGEIRO, ocupantes iniciais da limusine agora são sete, instalado na poltrona amarela frente a um bar em madeira natural, iluminado à neon, aperta um botão e fala com o MOTORISTA, dá ordem para ele baixar um pouco o vidro da janela).



(A LOURA do lado, pernas e coxas à mostra, a calcinha vermelha esticada entre os joelhos, parece desacordada. A MORENA, ainda abalada, não se havia recuperado de todo da experiência visual traumática, ou “combustão humana espontânea” do PARCEIRO de programa).



(O MÚSICO que soprava uma gaita, como se querendo ausentar-se dos acontecimentos, sentou-se ao lado da LOURA e comenta com ela, ignorando que a mesma não pode ouvi-lo):



TOCADOR DE GAITA

(tentando ausentar-se dos acontecimentos estarrecedores)



“Essa pílula que ingeri é de urânio, mana. Tô vendo coisa que não pode está acontecendo”. — O cara está a olhar o amontoado de cinzas sobre a poltrona onde há poucos segundos estava o EXECUTIVO. Dele resta apenas as roupas e a gravata borboleta. Ele tenta fingir que está sob controle. Mas, realmente, está à beira de um colapso nervoso. Não sabe ao certo se ingeriu uma overdose de anfetaminas. Ou se cheirou demasiado — “aquela maldita coca misturada com pólvora”, balbucia.



(A LOURA enfia o dedo indicador no fundo da garganta, como se tentando provocar rapidamente o vômito, e diz: — CARA, eu também tomei uma cápsula — olhando temerosa para as vestes intactas da vítima de CHE — pensando que era “exctasy”).





63) INT./EXT. CARROS. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(O EXECUTIVO olha para fora da limusine, pisca-pisca os olhos. Depois os esfrega de modo veemente. Torna a olhar como quem custa a acreditar no que está vendo):



(Um MOTOQUEIRO alçado por uma força estranha arremessa-se para frente e para cima, juntamente com sua moto, elevando-se e rodopiando no ar, cai em cima de uma banca de revistas. A moto projeta-se para dentro de uma janela no 2° pavimento de um prédio de escritórios).



EXECUTIVO

(Apressadamente ele ordena ao MOTORISTA, via interfone)



Cara! Não acredito!! Suspende logo esse vidro!!!



TERCEIRA MULHER

(dirigindo-se ao EXECUTIVO com voz trêmula)

O que foi que houve? Você parece que viu um fantasma. Ou muitos.



EXECUTIVO

(apontando o dedo indicador para o vidro)



Lá fora o bicho está pegando. Tá estranho, brother... (após uma pausa, repete): soltaram todos os malucos de todos os hospícios... Com certeza.



TERCEIRA MULHER

(pegando a garrafa de champanha de um dos três recipientes porta-gelo. As mãos trêmulas denunciam certo descontrole)



Fica calmo, a fuselagem das portas desse “avião” e os vidros são a prova de bala. Até de bala de fuzil. Acho que essa coca está “pauleira” demais, não é natural é sintética.





64) EXT. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(Apesar da incomum e extraordinária batalha PSI acontecendo em derredor, o cantor e apresentador JOHN GROW, ao lado de LILIAN PETECA embarcam apressados na Van de uma emissora de TV).



(Enquanto técnicos carregando equipamentos de câmara e som, se instalam nos assentos. O motorista, apressado, dá a partida no carro).



JOHN GROW

(olhando para o rosto infantil e contido do MOTORISTA, cabelos louros e grandes, que lembra a cantora mencionada, apesar da penugem da barba)



Calma “LADY GAGA”, calma, essa coisa não vai durar um século. Apesar de estar acontecendo de ponta a ponta da Paulista.





65) INT./EXT. CARRO. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(Enquanto GROW senta-se pesadamente e sorri inquieto, LILIAN olha para os lados como quem delira. Centenas de imagens diversas passam na tela de sua mente consciente. Ela murmura de si para consigo, como se aprendendo a falar, palavras que aos poucos vão se transformando em zumbidos).



(Cada PESSOA dentro da Van da reportagem de TV está excessivamente atenta a seus próprios afazeres. Ninguém presta atenção no que está acontecendo com a repórter LILIAN).



(JOHN GROW olha para o lado de fora da Van, apontando a pressa das PESSOAS que passam pelas calçadas, como se fugindo de alguma coisa. Ele mantém uma atitude debochada com relação a elas. Ele nem nota que LILIAN está tentando dizer-lhe alguma coisa):



GROW

(surpreso por não conseguir falar)



......Qeumshaaaadayh...Yhnnnewwwaaaahhhhhhhhhaly...



LILIAN

(irritada)



Fala, porra! Tu tá só zumbindo.





66) INT./EXT. AVENIDA PAULISTA (BRASIL). AV. CHAMPS-ÉLYSÉES (PARIS), FIFTY AVENUE (NEW YORK), AV. CHANG YAN (CHINA), AV. OMOTESANDO-DORI (TOKYO) — NOITE



(Capôs de carros içados por força não identificada, porta-malas puxados para o alto desprendem-se de uns e outros carros. Os vidros de um ônibus estilhaçam-se em direção a viaturas da PM paradas na esquina da Alameda Campinas).



(Na Av. Champs-Élysées, Paris, PASSAGEIROS do metrô, nas proximidades das estações Concorde e Charles de Gaulle, surpreendem-se com a paisagem urbana da cidade, como se estivessem próximos às estações Trianon-Masp e Consolação. Na Avenida Paulista em São Paulo).



(PASSAGEIROS de táxi que circulavam na Fifty Avenue, próximos ao Central Park, em New York City, onde eventos semelhantes aos verificados na Avenida Paulista, nos Champs-Élysées, e em outras capitais globalizadas do planeta, sentiram-se, por momentos, segundo depoimentos nos principais jornais noturnos TVvisivos de seus países, como se estivessem em Outro lugar. Em Outro país).



(JAPONESES E CHINESES que circulavam de carros e ficaram parados no trânsito em decorrência dos estranhos eventos verificados nas Avenidas Chang Yan e Omotesando-Dori, disseram ter tido a nítida impressão de terem sido teletransportados para lugares onde haviam estado quando fizeram turismo naqueles países).





67) EXT. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(A parte dianteira de um carro desloca-se para cima e logo depois desaba por sobre o porta-malas do veículo em frente. Um POLICIAL agacha-se ao vê, atônito, aproximar-se dele o capuz de um carro que se havia desligado de um veículo nas proximidades. Ele deita-se apressadamente no asfalto da rua, assim como outros POLICIAIS que estão próximos. Eles são atingidos apenas pelos estilhaços dos vidros quebrados dos carros policiais que foram impactados pelo capuz, que agora se arrasta a poucos metros, na calçada defronte, após causar estragos no teto de duas viaturas).



(Algumas luminárias que permeiam a Avenida Paulista esfacelam-se em milhares de pedaços, após explodirem, projetam seus fragmentos para todos os lados. Alarmes contra roubos aumentam muito a poluição sonora. Tornando-a insuportável nas imediações das ocorrências).





68) EXT. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(As sirenes das ambulâncias fazem-se ouvir. Assim como as sirenas dos carros de bombeiros e das viaturas policiais que vão chegando ao lugar, ocupando espaços nas calçadas e nas ruas transversais. Somando-se às viaturas que nelas já estavam).



(Focos de incêndio pipocam em toda extensão da Avenida. Barricadas policiais são erguidas. Fitas de plástico amarelo foram estendidas em redor das áreas consideradas de risco).



(Cavaletes traçam os limites de circulação dos pedestres, ciclistas, motoqueiros e motoristas. Grandes áreas adjacentes, nas ruas paralelas estão sendo interditadas).



(Motores de explosão alternada explodem. Pegam fogo. Literalmente. À fumaça resultante soma-se à névoa esverdeada que permeia o lugar. O combustível e o ar dos cilindros inflamam-se. As labaredas sobem de debaixo dos capuzes que ainda permanecem parcialmente fechados. PORTEIROS, SEGURANÇAS, POLICIAIS, PROPRIETÁRIOS de veículos, tentam apagar com extintores de incêndio os focos de fogo surgidos em vários locais. Há grande azáfama nesses lugares globalizados pelo mesmo modelo de eventos coletivamente mórbidos: Brasil, Estados Unidos, China, Reino Unido, França, Roma e muitos Outros).





69) INT./EXT. FIFTY AVENUE. ESTADOS UNIDOS — NOITE



(PESSOAS que dirigiam seus carros contemplam os estragos ao redor. Algumas comentam entre si que os Estados Unidos talvez estejam novamente sob ataque terrorista. A situação semelhante à da Avenida Paulista. Focos de incêndio pipocam em toda a extensão da Fifty Avenue. Cavaletes policiais traçam os limites de circulação. Luminárias pipocam. Focos de incêndio em vários lugares. Os sinais de trânsito pendem dos gonzos e fios de sustentação. Os sinais de trânsito que permanecem no lugar piscam do vermelho para o verde e amarelo sem interrupção. Janelas de vidro dos edifícios estilhaçam-se com grande estardalhaço).





70) INT./EXT. AV. CHANG´AN. CHINA — NOITE



(PESSOAS agachadas tentam não ser atingidas por estilhaços de vidro. Muitas correm em direção a abrigos improvisados. Veículos são puxados para o alto por força ascensional inexplicável. O espetáculo aterroriza e alucina. Os celulares soam sem cessar. A sonoridade patológica da cidade está multiplicada por dez).





71) INT./EXT. AVENIDA PAULISTA — NOITE.

(O cenário do conflito impressiona. Os contendores parecem ser todos contra todos. Como se o ódio sempre tivesse marcado presença no psiquismo coletivo das PESSOAS e, de repente, não menos que de repente, tivesse aflorado de maneira incontrolável).

(As PESSOAS dentro dos prédios estão apavoradas. Movimentam os olhos, interrogativas querem saber o porquê de todos esses estranhamentos. Não sabem o que fazer).



(PESSOAS tentam desamarrar os cintos de segurança nos bancos dos carros e correr. Algumas conseguem, outras, logo preferem voltar para a insegurança no interior dos automóveis).



(HELIO, do banco do motorista sintoniza o rádio. Há muito estática. Ele não consegue sintonizar nenhuma emissora. Exceto de outras capitais do planeta. Quando ouve locutores falando o que presume ser japonês ou mandarim).



(CARLA permanece de olhos fechados, como se ausente, enquanto o PAI acelera suavemente o veículo, buscando sair de fininho dentre os escombros. Desviando-se das faíscas que proliferam no asfalto, provenientes dos pedaços de materiais elétricos de luminárias, sistema elétrico dos carros, fiação em curto-circuito. Ele dirige devagar temendo ser parado pelos POLICIAIS. Entre a fumaça de motores fumegantes e a névoa esverdeada misturada aos poluentes que saem dos veículos automotores, consegue sair da proximidade do local dos enigmáticos eventos).





72) INT./EXT. CARRO. AV. PAULISTA — NOITE



(HELIO consegue se afastar do cenário de sucata ao ar livre em que se transformou o asfalto, as calçadas e as imediações da Avenida Paulista. Em pânico, não consegue articular as palavras. De quando em vez olha para CARLA. E se pergunta):



HELIO

(desconfiado e interrogativo)



Ela contribuiu para que meu carro fosse poupado da violência inaudita que presenciara há pouco?.





73) EXT. AVENIDA PAULISTA — NOITE



(A suposta calmaria do cenário é perturbada por uma série de POLICIAIS que apontam para uma camioneta impulsionada em arco por uma força tipo catapulta, invisível, nas proximidades do Museu de Arte de São Paulo — MASP).



(Os POLICIAIS correm apressadamente das proximidades do evento. A caminhonete descreve uma trajetória muito alta, em meio arco de círculo, indo cair sobre duas viaturas policiais estacionadas no asfalto em frente ao prédio da Justiça Federal).



(A gasolina se espalha e uma faísca faz explodir os carros próximos à explosão do veículo catapultado na Avenida. Outros carros são igualmente impulsionados por uma violência ascensional que os impacta quando se chocam com outros carros, bancas de revistas e vitrines na Avenida, devido à velocidade de atrito. Calculada posteriormente em mais de 150 km/h).





74) INT. SALA DE APARTAMENTOS — DIA/NOITE

(As salas de jantar de alguns apartamentos são mostradas rapidamente pelas câmeras, a partir dos noticiários TVvisivos. As PESSOAS do sofá da sala de jantar assistem a tudo com perplexa aflição e ansiedade).



(Os repórteres dos jornais impressos e TVvisivos entrevistam PESSOAS envolvidas indiretamente nos eventos por terem sofrido algum tipo de ferimento ou prejuízos. CIVIS e MILITARES fornecem opiniões pessoais).



(Depoimentos de autoridades científicas de outros países são traduzidos nas reportagens dos jornais nacionais. Outros países, onde ocorrências semelhantes aconteceram simultaneamente nas principais avenidas do planeta da informação globalizada, aparecem com imagens semelhantes às captadas pelos telejornais na Av. Paulista e imediações).





75) INT. APARTAMENTO. DIA SEGUINTE — DIA



JUSSARA

(contida e compassiva atende telefonema da mãe, LIGIA, de JL. VOLTAIRE)



Não é incômodo. É um prazer.



LIGIA

(com simpatia)



VOLTAIRE tinha muito carinho por você. Ontem achei um envelope com um bilhete e um DVD para serem entregues a ti. Se algo acontecesse com ele (choramingando) — Aconteceu.



JUSSARA

(com muito jeito)



Nenhuma de nós estava preparada para isso.

LIGIA

(conformando-se)



Não percebi nenhuma apreensão especial nele. Não falava nadica de nada comigo.



JUSSARA

(explicativa)



Quem poderia se dá conta dessas coisas tão incomuns? Inesperadas! Nem as autoridades ditas competentes conseguem explicá-las.





76) INT. SALÃO DE EXPOSIÇÃO. USP. EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIAS — DIA



(JUSSARA imagina imagens memoráveis do evento CHE que vitimou VOLTAIRE).





75) INT. APARTAMENTO. CONTINUAÇÃO DO DIÁLOGO — DIA



JUSSARA

(aflita, levando uma mão à cabeça)



O Jornal Nacional está se tornando mais Fantástico do que o programa Fantástico do domingo.



LIGIA

(afirmativa)



Li sobre uma teoria. A mente inconsciente, diante de tantos eventos sociais mórbidos, está provocando reações inusitadas de catarse coletiva.



JUSSARA

(de acordo)



Sei! “A Teoria Done”! A imensa energia coletiva PSI recalcada, encontra nesses eventos uma maneira de extravasar-se. Milhões de PESSOAS em todo o planeta, sentindo-se violentadas por uma realidade social superlativamente sádica, sem condições de reagir de outra forma, provocam essas mostras de violência. Inconsciente. Catarse!



LIGIA

(questionando)



Mas..., isso faz sentido? Há outras explicações. Um Portal para outra dimensão da matéria teria sido aberto por uma Experiência da Marinha dos Estados Unidos na IIª Grande Guerra.



JUSSARA

(supostamente em dúvida)



Talvez. Os desarranjos físicos e mentais de milhões de pessoas premidas por circunstâncias adversas, usadas por políticos impunes, pessoas vítimas de gerações e gerações de poder econômico abusivo, talvez estejam a encontrar, inconscientemente, uma maneira de dizer BASTA! Essas autoridades não se importariam se os corpos dessas pessoas fossem invadidos por entidades de outra dimensão, desde que elas gerassem lucros para suas empresas.



LIGIA

(conformando-se)



Muita exclusão social! Muito abuso de poder econômico e político. Muita impunidade. Muita concentração de renda. Muita corrupção. Muita mentira. Talvez essa “Teoria Done” faça mesmo sentido.



JUSSARA

(afirmativamente contida)



Todas essas coisas criam um “Horizonte de Eventos” coletivo, quando buscam uma válvula de escape que não é permitida pelos poderes corporativos.



LIGIA

(crédula)



Excesso de violência institucional gera violência real. A “lei de Jersey” ou “lei de Gerson”, dos Conselhos de “Etitica” dos políticos, suas maracutaias secretas...



JUSSARA

(enfática)



Soberba concentração de corrupção gera muita concentração de renda. E de revolta popular contida.



76. INT. PRÉDIO DE APARTAMENTOS. SALÃO DE EVENTOS. ELEVADOR. QUARTO — DIA/NOITE



BETHBRONCA

(Síndica do prédio onde mora SABRINA)



Vou mostrar a esses pentelhos quem é quem aqui. Vou fechar o pátio interno no andar térreo. Eles vão ficar sem onde patinar. — Pátio fechado é uma indicação de que BETHBRONCA está mal humorada.



CRIANÇAS

(seis meninas e seis meninos “conversam” em silêncio. O uso de telepatia pelas crianças tornou-se rotineiro)



(As crianças que chegam ao salão de eventos próximo ao pátio do playground leem o aviso afixado na porta: “Hoje o pátio vai ficar fechado”. A porta do salão de festas está entreaberta. As crianças entram e ficam contemplando a reprodução da pintura de TARSILA DO AMARAL, ABAPORU).



CRIANÇAS

(pronunciam palavras entre si enquanto contemplam ABAPORU)



Granãoaoehelevhtti! (Após o zunido a tradução): Canibal... Homem...Gente...Comer...Antropofagia...Demens...Pessoas... Devorar.



(No elevador BETHBRONCA, mulher robusta, austera, com porte e sobrenome germânicos nota uma estranha coincidência: ao descer ou subir para seu apartamento no 13° andar, está sempre acompanhada por CRIANÇAS sempre a fixá-la. Em silêncio).

BETHBRONCA

(confortando-se em seus pensamentos)



“Será apenas uma coincidência? Por que me olham dessa forma ostensiva, calada, intermitente? Crianças inconvenientes, mal educadas”! — BETHBRONCA não sabe explicar porque uma certa apreensão começa a tomar conta dela quando ela percebe uma proposital intencionalidade da parte das CRIANÇAS”.



(BETHBRONCA odeia a sensação de ficar sendo observada pelos baixinhos. Aceita a companhia dos mesmos como um incômodo que precisa tolerar. As razões dessas coincidências a perturbam cada vez mais).



BETHBRONCA

(olhando-se no espelho da porta do guarda-roupa)



Ridícula! Cabeças não diminuem de tamanho. — Mas BETHBRONCA não sai mais do apartamento. Confina-se por mera vergonha de mostrar-se. Sua vaidade não permite o ridículo de se apresentar como se fosse a personagem da pintura de TARCILA DO AMARAL, ABAPORU: um corpo enorme, a cabecinha reduzida e desproporcional.



(BETHBRONCA pensa de si para consigo, lembrando-se das vezes que, por cisma, mero autoritarismo e extrapolação de sua autoridade enquanto síndica do prédio, proibiu as CRIANÇAS de usufruir do espaço reservado ao divertimento delas).



BETHBRONCA

(a expressão facial no rosto mínimo, irritada e deformada pela ira que estava a sentir das CRIANÇAS)

Pestinhas! Como conseguiram? “Fick dich”, pestinhas vingativas, “rachsüchtig kleinen bastarde!”: por vezes, os proibi de entrar no playground, agora, como posso sair do apartamento com essa aparência ridícula?





77) INT./EXT. SÍTIO EM SÃO TOMÉ DAS LETRAS. QUARTO. RUAS DA CIDADE



CARLA

(apreensiva)



A realidade transformou-se num “horizonte de eventos”. Estranhos fenômenos inusitados. De uma violência inaudita. Que é isso em que estamos vivendo?



VERA

(reforçando a argumentação de CARLA)

Quem ou o quê está por trás disso? A literatura de ficção está menos surpreendente que a realidade. As crianças falam numa linguagem de outra dimensão. Evadiram-se de nossa companhia. É como se estivesse preste a acontecer o final do livro “O Fim Da Infância” de Clarke.



CARLA

(sai do quarto em companhia da amiga. Ao chegarem na sala veem a propaganda de um produto clonado da indústria ascendente da “New World Order” na TV)



SHOW-GIRL XUXUCA

(apresentando o produto em mão com soberba simpatia)



OLÁ PESSOAL esse é o nutrifoods para seu animal/vegetal clone de estimação. Aquela pessoinha que você gosta como se fosse um membro irmão da família.



SHOW-GIRL XUXUCA

(aproximando o produto do nicho de vidro em que se encontra a criatura mista de animal/vegetal)



Não é uma gracinha? É a sua melhor companhia na intimidade da sala de jantar, aí, pertinho de você, meu amigo da poltrona.



CLONE ANIMAL/VEGETAL

(a fala infantilizada confunde-se com a tonalidade vocal da show-girl XUXUCA)



Made, mama, magi, magi, bhoum, bhom: quelo madi.



SHOW-GIRL XUXUCA

(com a característica vozinha infantilizada ela aproxima a embalagem de “cornflakes” nutriente do clone animal/vegetal em direção ao primeiro plano do TVespectador)



Este é seu amigo, seu filho, seu companheiro ambiental e ao mesmo tempo planta ornamental “sui generis”. Cultive sua saúde, física e o colorido das folhas e frutos ao longo do tronco com essa cabecinha linda. Essa gracinha configura uma peça ambiental com propriedades decorativas incomuns.



SHOW-GIRL XUXUCA

(com o dedo indicador da destra ela aponta o logotipo indicativo do nome do produto “XURXUX PARK” na parte superior frontal da embalagem)

Este produto contém todos os nutrientes necessários à alimentação e recomposição homóloga de seres simbióticos criados a partir de genomas vegetais e animais nano selecionados. Clonados por “cultura in vitro” multiespécie.



SHOW-GIRL XUXUCA

(despedindo-se com beijinhos e dizendo “tchau-tchau”. No monitor de TV aparece nitidamente a assinatura do fabricante e do órgão governamental que chancela a qualidade do produto: BIOCHIPS COMPANY — INSTITUTO DE BIOLOGIA HEREDITÁRIA & IDENTIFICAÇÃO INDIVIDUAL GENÉTICA).



CARLA

(saindo com VERA para a calçada na rua, comenta):



Na sexta década do século XXI essas aberrações estão inseridas na normalidade. A “New World Order” afirmando-se aos olhos pasmos e escancaradamente fechados dos seres formatados para a aceitação de tudo e qualquer coisa a serviço dos interesses das novas corporações industriais.





78) INT. RESTAURANTE DO JORNAL — DIA



ROSSI LEE

(aponta a imagem na tela do DVD)



Veja as PESSOAS desta foto. A “Experiência de Filadélfia” teve tudo com as experiências americanas de eugenia em conluio com a ciência genética nazista. Seus principais cientistas não sabiam disto. Inclusive Einstein.



CHEFE DE REDAÇÃO

(mostrando desinteresse)



Quem garante que essas informações possuem alguma autenticidade?



ROSSI LEE

(calmo e imperturbável)



Os arquivos das fundações americanas envolvidas com pesquisa genética e eugenia, desde antes da crise de 1929. Os “Eugenical News” datam de 1924. A teoria, a prática e a legislação eugenista americana serviram de modelo para as aplicações desses princípios na Alemanha nazista.



CHEFE DE REDAÇÃO

(insistente)



O oficial de comando do pelotão da Gestapo, seus superiores na Alemanha, os próprios cientistas, ninguém estava sabendo das implicações científicas contidas na expedição que saiu da Amazônia em direção ao Reichstag. Naquele 21 de abril de 1944.



ROSSI LEE

(calmamente enfático)



A Experiência no Estaleiro Naval da Filadélfia, em 28 de outubro de 1943, seis meses antes dos 25 soldados do Reich embarcarem no avião da Gestapo em direção à Amazônia, está de acordo com os desdobramentos pós-guerra das pesquisas sobre o Campo Unificado de Einstein. A marinha norte-americana ainda hoje nega. Mas... Contra evidências inexistem argumentos.

CHEFE DE REDAÇÃO

(decisivamente negativo)



O que tenho em mãos ainda é insuficiente para tentar convencer o Conselho Deliberativo do jornal a investir numa expedição em direção a esse subterrâneo na Amazônia. E o confronto destas datas não ajuda em nada.



ROSSI LEE

(interrogativo)



E a quantidade de helicópteros pousados nos heliportos da Avenida Paulista não são indicações suficientes de que estavam realmente equipados com tecnologia avançada de atualização da “Experiência Rainbow de Teletransporte”? E os depoimentos de pessoas de várias países que se disseram presentes em locais distantes de seus países de origem?



CHEFE DE REDAÇÃO

(mostrando mais interesse no prato de feijoada)



Ponha mais realidade nesse cardápio de ficção científica. E verei o que posso fazer.





79) INT. APARTAMENTO DO JORNALISTA ROSSI LEE — NOITE



(ROSSI LEE senta-se na poltrona em frente à TV ligada num canal de notícias americano. O Âncora do Jornal Nacional mostra entrevistas gravadas com PESSOAS das mais diferentes nacionalidades. As entrevistas com legendas indicam):



(TURISTAS que haviam anteriormente visitado diferentes cidades de outros países, tiveram a mesma sensação de terem sido teletransportados para lugares que haviam visitado quando em viagem de negócio ou recreação):



SR. YOU NA

(chinês)

Estive em Rio de Janeiro ano passado. E voltei lá no dia que o trânsito ficou muito estanho. Não sei como...



SRA. YI NEI SI

(esposa do sr. YOU AN)



Não sei como aconteceu. Ainda bem que não fiquei por lá. Duas vezes fomos vítimas de assaltos — O senhor YOU AN bateu com o cotovelo na parte lombar esquerda da mulher, insinuando claramente que ela estava falando demais.



WA LON DING YONG

(filho do casal)



Está certo. Eu e Sài Mã, levamos nossas câmeras digitais. Cristo Redentor, paisagem bonito, mas não quero voltar. —Ele movimentou negativamente o braço direito e o dedo indicador. Perigoso. Muito assalto. Violência demais. Mas não sei explicar de que modo fomos levados de volta para lá.





80) INT. APARTAMENTO. QUARTO DA FILHA DE ROSSI LEE — NOITE



(Em frente à TV, JUSSARA vê a continuidade da reportagem da rede CNN americana, traduzidas via legendas eletrônicas. No programa “King Larry Live” da CNN, uma repórter de rua mostra flagrantes de entrevistas após os acontecimentos coletivamente traumáticos verificados também na Fifty Avenue):



MR. OLIVIER JACKSON

(meio trêmulo)



Não consigo explicar como fui parar em Paris. Durante toda aquela confusão, não estávamos mais na Fifty Avenue, mas na Av. Champs-Élysées. Ainda agora não me recuperei daquela situação absolutamente inusitada. Inexplicável!



MISS DAYSE KRISTAL

(exaltada)



Como aconteceu? Num instante e eu estava na “Via del Corso” em Roma. No Outro momento estava de volta à Quinta Avenida...



KING LARRY LIVE

(sem conter a perplexidade)



(A reportagem da CNN diretamente de Paris entrevista “on line” o casal Angeline Carole e Jean-Luc Alain.Ele e Ela garantem ter estado, quase que simultaneamente, em dois lugares diversos, New York-Paris-New-York, separados pelo oceano Atlântico, em questão de segundos. — Jocosamente ele desafia: “Acredite se quiser”!



ANGELINE CAROLE

(pouco à vontade)



Muito ridículo dizer isso. Mas aconteceu comigo e o Alain. O automóvel estava parado na Champs-Élysée, próximo ao Arco do Triunfo, durante aquela terrível série de acontecimentos inacreditáveis que paralisou o trânsito da cidade. No momento seguinte estávamos em frente ao The Metropolitan Museum of Art em New York que havíamos visitado ao fazer turismo em NY. Impressionante. Foi impressionante.



JEAN-LUC ALAIN

(hesitante)



Não acredito que isso aconteceu mesmo. Havíamos estado no Metropolitan no verão passado. Não foi nada agradável ter estado lá outra vez nessas condições inexplicáveis. Quem vai explicar essa coisa estranha? Mas que aconteceu mesmo. Com muitas outras pessoas com quem conversamos.





81) INT. RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA DE VOLTAIRE — DIA



VOLTAIRE

(falando em sonho para a mãe, LIGIA)



Se algo me acontecer, entregue este envelope para a JUSSARA...



LIGIA

(virando-se para JUSSARA)



Não faço a menor ideia do por que estava sentindo-se ameaçado.



LIGIA

(inquieta, mostra uma foto)



Veja. Há uma dúzia de PESSOAS, você reconhece alguém?



JUSSARA

(apontando o dedo)



AGASSIZ. Um cara vidrado nos mistérios da floresta. E em história. PhD em Antropologia. Na USP.



LIGIA

(introspectiva)



Ouvi uma conversa deles em que falavam de uma cidade indígena. Perdida na floresta... Manoa. AGASSIZ dizia: “Muitas pessoas que buscaram por cidades ditas desaparecidas na selva Amazônica, desapareceram. Manoa é uma delas”.



JUSSARA

(mostrando-se imediatamente constrangida)



Aconteceu sobrar uma mão, ou um pé de VOLTAIRE?



(Subitamente JUSSARA, assustada, desperta, sentando-se na cama, como se estivesse saindo de um pesadelo).

82) INT. QUARTO DE JUSSARA — DIA



(Jussara ausenta-se do quarto. Ele está vazio, mas o DVD do “Arquivo Jângal” continua no monitor do notebook).





83) EXT. “BUNKER”. ALEMANHA. II GUERRA MUNDIAL — NOITE



(JUSSARA digita o teclado. Em seguida levanta-se e caminha em direção à porta do quarto. No monitor do micro fixa-se uma imagem do interior do “bunker” do Führer. — Na legenda eletrônica lê-se: Alemanha, final Da IIª Grande Guerra).



(HITLER e EVA BRAUN são escoltados por oficiais da Gestapo em direção à saída do “bunker”. Do lado de fora um casal de atores, sósia de HITLER e EVA BRAUN, estão à espera de ser sacrificados em nome do Reich alemão).



(Os casais sósias se cumprimentam. HITLER e EVA BRAUN dirigem-se para um aeroporto além da entrada do “bunker”. O Führer alemão volta-se para olhar o SOLDADO SS com uma pistola lugher engatilhada, à espera da ordem de execução).



(Galões de gasolina permanecem ao lado. O casal de atores, sósia de HITLER, EVA BRAUN, ajoelhado, à espera dos tiros, olha orgulhosamente o ditador que, antes de distanciar-se e entrar num carro da SS a saudação nazi em direção a ele. Ouve-se disparos).





84) INT./EXT. “BUNKER”. AEROPORTO NA ALEMANHA — NOITE



(Um veículo negro da Gestapo para próximo a uma aeronave. A comitiva de oficiais SS embarca no avião, enquanto HITLER e a MULHER saem do carro e dirigem-se à escada de embarque da aeronave. Após tomarem assento, as hélices do avião começam a girar).



(O piloto acerta as coordenadas. HITLER olha pela janela como se estivesse a ver os corpos do casal sósia em chamas próximo ao local de entrada do “bunker”. As chamas sobem incinerando os corpos, enquanto o exército aliado invade Berlin).





85) INT. APARTAMENTO DE ROSSI LEE — NOITE



(JUSSARA aciona o ponteiro do mouse no ícone “impressora”. E começa a editar a primeira cópia do “Arquivo Jângal”).



(Antes de sair do apartamento, ela escreve um bilhete para o pai, o jornalista ROSSI LEE, prende com um clipe de papel a folha na primeira página da primeira cópia do “Arquivo Jângal”, subscrevendo-o):



“O arquivo começa com a narração do assassinato do jornalista alemão KARL ALBERT BRUGGER numa calçada da praia de Ipanema em 1984. Ele fazia reportagens para a revista “Der Spiegel” sobre um mosteiro subterrâneo na Amazônia para onde se dirigiam contingentes de soldados da Wermacht em busca de adquirir e transferir tecnologia extraterrestre avançada para uso do exército alemão do III° Reich".



"Esses contingentes sob comando, comunicação e controle de oficiais da Gestapo, desembarcavam num aeroporto ultrassecreto na selva Amazônica. Anos antes de ser detonado o II° Conflito Mundial”.

“Leia e segure a onda. Não se surpreenda. Se for capaz.” — Beijos, JU.





86) INT. SALA. APARTAMENTO — DIA



FRED

(a criança chama a atenção do coleguinha BETO para o programa de TV. Nele, a galeguinha começa a se despedir das crianças jogando beijinhos e dizendo “tchau-tchau”. Pela boca da MULHER começa a sair uma enxurrada de produtos comestíveis e brinquedos que se acumulam no interior da sala onde se encontram as crianças)



(As CRIANÇAS correm em direção ao quarto onde a BABÁ vê TV com outras CRIANÇAS. A MULHER do “talk-show” infantil estica o pescoço (como se fosse de borracha) em direção a elas e, abrindo a bocarra risonha vomita fartamente, enchendo o ambiente de uma gosma colorida da onde se sobressaem bonecas e bonecos semoventes).



(Assustados e chamuscados pela gosma a cores eles correm em direção à porta de saída do apartamento. Várias crianças em suas camas despertam do pesadelo comum).





87) EXT. PLAY-GROUND DO PRÉDIO. ÁREA DE RECREIO — DIA



(MÃES conversam enquanto seus FILHOS e FILHAS brincam na área).



1ª MULHER

(mostrando-se surpresa)

Está acontecendo com o Jr. também?



2ª MULHER

(afirmativa)

É sintoma de que estão ficando mais exigentes.



3ª MULHER

(introspectiva)



Toda aquela festividade fabricada não estava mais do agrado de ninguém.



1ª MULHER

(confirmando)



Há muito não faz mais sentido para elas aquelas pantomimas para crianças retardadas.



4ª MULHER

(opinativa)

A CECI e o LULU, filhos da LUIZA estão ali (aponta) trocando ideias sobre personagens de contos de fadas. Pode? Na idade deles? Não é muita precocidade?



2ª MULHER

(em tom de censura velada)



Mal acreditei quando vi o KIKO e a PRATA trocando ideias sobre “O Conde de Monte Cristo”. E a MARY LUCY pondo fogo na conversa. Nem pareciam CRIANÇAS.

5ª MULHER

(entrando na conversa)

Donos de TV não têm o menor interesse em fornecer uma programação que acompanhe a evolução da cabeça delas. Elas estão percebendo o mundo de maneira mais inteligente.



3ª MULHER

(parecendo pensativa)



O mundo deles parece outro. Assim como suas necessidades. Esses novos heróis tipo Wolverine e os X-Men estão tornando esses meninos muito agressivos demais. E eles não gostam de todo esse besteirol. Mas são obrigados a engolir como u purgante obrigatório da programação de Hollywood.



1ª MULHER

(em dúvida)



Alienação e agressividade não são condicionamentos adequados à educação deles. Os desenhos animados estão cheios disso. E os jogos ultraviolentos na internet, nos micros.



2ª MULHER

(conformada)



De qualquer forma é o que eles têm. Distrai.



4ª MULHER

(concordando)



Essas influências educam mais do que os professores mal pagos das escolas. Pelos quais as CRIANÇAS não têm o menor respeito.



5ª MULHER

(“não tô nem aí”)



A mente deles está em franca ebulição. Nossa proximidade parece incômoda. Quando conversam não querem adultos por perto. Desenvolveram uma linguagem que apenas eles se compreendem. Já ouvi a Julhinha falando ao telefone por meio de chiados e zumbidos. Si não. Pode ter sido impressão minha.





88) INT. QUARTOS. SALAS. APARTAMENTOS... DIA/NOITE



(Carla aciona algumas vezes o controle remoto da TV. Em vários canais estão presentes imagens e comentários sobre os acontecimentos de estranhas e virulentas superviolências na Avenida Paulista e adjacências).



(Muitas pessoas estão, simultaneamente, a acionar em salas, quartos de hotéis, apartamentos, bares, restaurantes e residências, via controle remoto, imagens de comentários TVvisivos sobre os inexplicáveis acontecimentos nas principais avenidas de grandes cidades globalizadas por eventos semelhantes).





89) INT. QUARTO — NOITE



(CARLA contempla-se no espelho da parede ao lado da cama. À direita deste, um grande calendário pôster, propaganda da livraria Cultura. Os cabelos ainda úmidos. Ela passa o secador enquanto os penteia).



(CARLA percebe mudanças quânticas, mínimas, que parecem estar reconfigurando seu rosto, transfigurando-o em personas de PESSOAS que ela conhece. Com quem convive e trabalha).



(CARLA sente-se curiosa e intranquila. Fixa-se nas mínimas mudanças que, de modo muito tênue estão a se processar na aparência de seu corpo. De suas faces).





90) INT./EXT. QUARTO. RUAS DA CIDADE — DIA



(CARLA desperta com o secador ainda ligado. Percebe mechas do cabelo chamuscadas. Parte do rosto mostra sinais de queimadura. Aplica-se um unguento de picrato de butambeno. Rabisca um bilhete para o pai, HELIO).



(Escreve que vai chegar na firma fora do horário. Ela sai a caminhar nas ruas da cidade que amanhece. A sensação de que está vendo tudo pela primeira vez: PESSOAS, prédios, movimentação de carros, ruas).





91) INT. REDAÇÃO DO JORNAL — DIA



(ROSSI LEE chega à redação. Posiciona cópia do “Arquivo Jângal” na mesa do chefe de redação. Na mesa redonda onde vai haver uma reunião do Conselho Deliberativo e Editorial do Jornal, ele deposita cópias do mesmo “Arquivo Jângal” frente aos assentos, sobre a mesa. ROSSI LEE atende ao telefone celular, enquanto sai apressado da sala de reunião ainda vazia):





ROSSI LEE

(falando no celular)



Isso mesmo. Esta é a notícia que eu queria ouvir. Então há uma possibilidade?





92) INT./EXT. GRANDE SALÃO CENTRAL (ÁTRIO) DA IGREJA — DIA



(Os fiéis no Templo estão atentos às palavras do discurso do Pastor MCKENZIE):



PASTOR MCKENZIE

(narrativo)



Desde tempos antigos Ele livra seu povo da ameaça de inimigos cheios de recursos. Exerce a misericórdia entre os que se mantêm no caminho.



PASTOR MACKENZIE

(expositivo)



STO. AGOSTINHO dizia que o Novo Testamento está contido no Velho Testamento. Cada profeta e cerimônia anunciam CRISTO no pai ADÃO, progenitor dos santos. No mártir ABEL. Em ENOCH e NOÉ, renovadores do Verbo. Em MELQUISEDEQUE, ISAAC, em JOSÉ, tradutor dos sonhos do FARAÓ.



PASTOR MCKENZIE

(professoral)



Um doador de leis em MOISÉS. Sofredor e abandonado em JÓ. Odiado e torturado na maioria dos profetas...





93) INT. ÁTRIO DO TEMPLO. — DIA



(A FAMÍLIA DE HELIO: SHEILA, CARLA E EDUARDO. A ansiedade deles estampada nos rostos e também na expressão facial destes e daqueles ouvintes. E logo o discurso começa a justificar a atenção geral dos fiéis).



PASTOR MCKENZIE

(compassivo)



Quem é joio? Quem é trigo? Os corações e as mentes estão assimilados, globalizados. Fixados pelo consumismo. A alma coletiva satanizada pela ganância. Pelo querer ter. Ter mais. E mais. Sempre.





94) INT./EXT. HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS. SALAS DE PARTO. BERÇÁRIO — DIA



(Enquanto o pastor destila as palavras do sermão, nas enfermarias de gestantes dos hospitais há muita movimentação de médicos e enfermeiras).

PASTOR MCKENZIE

(explicativo)



Quem não quer mais dinheiro? Quantas mulheres não desejam parir apenas para usar o filho enquanto instrumento de exploração do pai? A pensão do filho é uma forma de salário. Ou não?



PASTOR MCKENZIE

(incisivo)



A concentração de renda aumenta cada dia mais. E mais. À proporção que aumentam os escravos, os necessitados, os candidatos a pagodeiros, as “bad-girls” e as galeras estão sempre dispostas a topar tudo por dinheiro. É a cultura da TV sempre muito mais influente do que a cultura das escolas e universidades.



PASTOR MCKENZIE

(acusador)



O poder das multinacionais é totalitário. Os esquemas de corrupção e impunidade funcionam apenas para os muito ricos. Os que têm condições de pagar bons advogados e comprar os juízes dos supremos tribunais. Quem não está disponível para ser cooptado?





95) INT. HOSPITAL. BERÇÁRIO — DIA



(Nos berçários dos hospitais a grande maioria dos leitos de recém-nascidos está vazia).

PASTOR MCKENZIE

(profético)



Feliz o ouvinte se observar as coisas que estão sendo ditas. Porque o tempo, este, está chegado. A “amblose disforme” não é para ser temida. Ao contrário, é a maneira da sabedoria divina dizer: BASTA!



PASTOR MCKENZIE

(faz uma solicitação)



Levantem-se as MULHERES presentes ao culto, as que abortaram em decorrência do vírus da “amblose disforme”. — Dezenas de mulheres ficaram em pé, atendendo a solicitação do pastor.



PASTOR MCKENZIE

(interpretativo)



A ciência a quase tudo explica. Mas, mesmo no atual estágio de seu desenvolvimento, não há explicação para muitas coisas que aconteceram, acontecem e, principalmente, para as que estão em vias de acontecer. Porque cada ente consciente, desde o nascimento, é mais cinzas do que chamas. Para os olhos Dele (apontando para o alto) a raça humana atingiu o merecimento da inexistência pela exacerbada imperfeição.



PASTOR MCKENZIE

(didático)



Como não pode ser conduzida à ordem, resta-lhe a extinção. A fêmea humana não mais possui o dote natural de gerar descendência.





96) INT./EXT. ÁTRIO E SAÍDA DA IGREJA — DIA



(Os fiéis saem do culto dominical. Mas a voz do pastor MCKENZIE continua ecoando no subconsciente deles):



PASTOR MCKENZIE

(persuasivo)



Os interesses dos mortos administram o planeta. A mesma compulsão pré-histórica que dominava a mente reptílica, o sistema límbico, hoje exerce comando, comunicação, controle sobre o neo-córtex. Os seres ditos humanos estão sob a dominação da compulsão do complexo reptílico industrial-militar, da demagogia e da ambição luciferina do REICH DOS MIL ANOS. Do REICH DOS MIL BANQUEIROS...



97. INT. AUDITÓRIO DO PROGRAMA VESPERAL DA SILVIANA. SÃO PAULO — DIA



SILVIANA DE BAND

(apresenta um programa de entrevistas vespertino num canal tradicional de TV)



Sabemos que coisas estranhas estão acontecendo. A realidade se mistura com a ficção. Combustão Humana Espontânea, levitação, “amblose disforme”, crianças e adolescentes que falam através de zumbidos que só elas compreendem, a “TV-Ghost do Canal-10”, eventos de rua de violência inusitada. Todas essas coisas têm uma causa única?

SILVIANA DE BAND

(chama a atenção da plateia para alguns detalhes técnicos de produção assim como para um único evento que estará em debate no programa)



O programa de hoje vai debater apenas um desses fenômenos estranhos. Estamos a falar da “amblose disforme”. De todos os eventos que estão a causar esses estranhamentos, esse vírus ameaça a continuidade da raça humana neste planeta.



(Olhando para o lado ela fala “cruz credo” e, sorrindo afetadamente, bate três vezes na prancheta que segura em mãos).



SILVIANA DE BAND

(dirigindo-se a um dos participantes)



A vida humana está ameaçada de extinção? Por que continuar trabalhando, PASTOR MCKENZIE?



PASTOR MCKENZIE

(citando as Escrituras ele responde afirmativo)



“Porque o homem foi feito para o trabalho como o pássaro para voar...”



SILVIANA DE BAND

(interrompendo o PASTOR MCKENZIE)



Desculpe pastor, eu queria lembrar a todos os participantes, à plateia também, que o tempo em TVvisão é contadinho no relógio — (ela olha e bate no relógio de pulso). Vamos conter as prolixidades, quer dizer, vamos falar de menos, não demais. Ser o mais breve possível. De modo que esse debate não fique devendo em informações ao espectador de casa. Nem a ninguém que estiver vendo este programa. Está certo pessoal? Todo mundo compreende, não é?



SILVIANA DE BAND

(dirigindo-se a outro sacerdote)



PASTOR TIBOR, por favor, é esse mesmo seu nome, não? Pode falar, por favor!



PASTOR TIBOR

(incrédulo)



As mulheres vão ficar incapazes de gerar descendência? Minha mulher está grávida de quatro meses. Outras mulheres de outros pastores também estão. Isto não é bobagem? O “Crescei e multiplicai-vos” bíblico não está mais a valer? Não dá para acreditar nessa mistificação da medicina.



SILVIANA DE BAND

(repreensiva)



Êpa, êpa, vamos com calma! Também não é assim, Pastor, uma década de estudos de instituições da medicina supervisionadas pela Organização Mundial de Saúde confirmaram essa trágica realidade divulgada pelas agências internacionais. A Organização Mundial de Saúde é uma instituição séria, não ia querer causar pânico na população mundial. Não é verdade doutor ROMMEL?







DR. ROMMEL

(afirmativo)



Uma grande quantidade de mulheres grávidas participou das pesquisas biológicas e médicas nesse período. A busca de uma explicação racional que viesse a desvendar a origem orgânica desse vírus da “amblose disforme” não produziu nenhum resultado em medicação efetiva contra o aborto prematuro ou a expulsão do feto do útero, no Brasil conhecido popularmente por “miolo de pão”.



SILVIANA DE BAND

(informativa)



Na América Latina a morte dos fetos por abortamento espontâneo (“amblose disforme”) aumentou em 145 milhões de casos em cinco anos. A tendência é continuar aumentando? Dr. TARQUESH LAIRMONEY, por favor, você tem outros números para responder melhor a essa questão?



DR. TARQUESHI LAIRMONEY

(professoral)



No Brasil, esse número, em seis anos, cresceu para 60 milhões de abortamentos. Em todo o mundo está em torno de 1.950 milhões de “miolos de pão” como se diz no Brasil. Essa manifestação abortiva corresponde, hoje, à quase a totalidade das mulheres em condições de gestação. Mulheres que hoje se dizem grávidas, provavelmente estão em estado de “gravidez pseudociese...”



PASTOR ÁLVARO DOGON

(defensivo, e “cheio de razão”)



Isso é um absurdo, como disse o PASTOR TIBOR, algumas de nossas mulheres estão grávidas e passando bem...



SILVIANA DE BAND

(interrompendo a fala do PASTOR DOGON)



Por favor, só um momento, para que não se perca tempo em discussões que não levam a nada, me desculpe Pastor, mas tenho de interromper seu discurso, preciso fazer as apresentações do doutor LAIRMONEY (em off ela fala: “que nome, meu Deus). Ele é pediatra e ginecologista especialista em Neonatologismo com mestrado em Obstetrícia pela Universidade de Harvard.



SILVIANA DE BAND

(consultando a agenda do programa)



Deixa ver aqui: a Obstetrícia estuda a reprodução humana, não é doutor? Explique um pouco o que essas pesquisas revelam. É uma ciência que investiga a gestação, o parto, o pós-parto em seus aspectos fisiológicos e patológicos. Pelo andor da procissão de infectadas por esse vírus, em breve não mais vai haver parto e pós-parto, não é mesmo? Explica para nós doutor. — Olhando para o PASTOR ÁLVARO DOGON ela fala: desculpe, pastor, daqui a pouco volta a palavra para o senhor. Está bem assim?



DR. TARQUESHI LAIRMONEY

(explicativo)



Obstetrícia vem da palavra latina “obstetrix” derivada do verbo “obstare” (ficar ao lado). Alguém que assiste à parturiente, ou a ela presta auxílio. Um especialista em Ginecologia e Obstetrícia precisa frequentar um programa de residência médica de no mínimo três anos. Infelizmente esta especialidade na medicina está obsoleta com o advento da “amblose disforme”. Se não haverá mais gravidez a longo prazo, a Ginecologia e a Obstetrícia perdem sua razão de ser...



SILVIANA DE BAND

(Passando a palavra para o PASTOR DOGON)



Pode falar, pastor.



PASTOR ÁLVARO DOGON

(parecendo irado)



Como se explica a gravidez dessas mulheres? Se esse vírus não mais permite que desenvolvam a gestação por mais de sete semanas? Como explicar uma gravidez de quatro,cinco, seis meses? Porque a barriga de minha mulher é de seis meses!



SILVIANA DE BAND



Essa é uma pergunta meio embaraçosa, não é DR. TARQUESH?



DR. TARQUESH

(concordando aparentemente com a apresentadora)



Sem dúvida há muitas manifestações de casos de gravidez “pseudociese”. Essa gravidez consequência de transtorno psicológico, afeta mulheres e animais, principalmente cadelas. As mais afetadas são mulheres que desejam muito engravidar e não podem. As que possuem medo de engravidar também costumam ser afetadas pela “pseudociese”.

Essas mulheres apresentam todos os sintomas de uma gravidez normal: enjoos matinais, desejos alimentares, ausência de menstruação, crescimento da barriga e das mamas. Pode até haver produção de leite materno... Na verdade não há nenhum bebê dentro do útero...



SILVIANA DE BAND

(provocativa)



Como é mesmo esse negócio, doutor TARQUESH? Explica isso direito senão a gente vai ficar sem saber ao certo (olhando para a plateia) não é mesmo pessoal? Quem está em casa também quer saber!



DR. TARQUESH

(explicativo)



Os sintomas da gravidez pelo estímulo psicológico do hipotálamo e da hipófise. Eles geram aumento da prolactina no sistema endócrino. Isto gera sintomas de gravidez devido a fatores hormonais. O organismo acredita que a mulher está grávida e prepara o corpo dela para alimentar e aconchegar o bebê. Por trás dessa falsa gestação há um desejo grande de ser mãe.



As mulheres que mais desenvolvem a gravidez psicológica são casadas, não poucas vezes com problemas conjugais. Passaram por experiências amorosas mal sucedidas envolvendo abandono, separação, desequilíbrio emocional, rivalidade, baixa autoestima, infertilidade, entre outros sintomas.



SILVIANA DE BAND

(mostrando querer apaziguar os ânimos)



PASTOR DOGON, eu sei que o senhor não vai nem suspeitar de que essas coisas que foram ditas da mulher com gravidez psicológica tenham a ver diretamente com a condição de sua mulher. Esse é o quadro geral, não é mesmo doutor TARQUESH?



Gente, eu não vou nem falar mais nas atribuições e títulos de pós-graduação dele (olhando para o médico) porque senão eu ia ter de passar todo o programa só fazendo isso. O homem é autoridade médica com chancela das principais organizações mundiais em saúde pública agregadas à ONU.



Continue, por favor, doutor TARQUESH.



DR. TARQUESH

(expressa certa apreensão)



As causas da “amblose disforme” são conjunturais, presume-se, e desconhecidas. A ciência médica não sabe como combater a “peste papa-feto” como é dito nos Estados Unidos. Nem como estabelecer uma política de prevenção da doença pela Organização Mundial de Saúde. Fica difícil prevenir se a causa não pode ser objeto de estudos por ser desconhecida. É uma situação muito embaraçosa. Nossa ciência projeta artefatos astronômicos para além do sistema solar, mas não descobre a causa de uma infecção orgânica nociva, que ameaça o futuro da espécie.



SILVIANA DE BAND

(conclusiva)



Tem razão doutor, se as mulheres estão sujeitas a esse vírus... Maldito, sei lá como dizer, se não vai mais ser possível engravidar, como pode haver futuro sem que não nasçam crianças para povoar a Terra?



DR. TARQUESH

(justificando-se)



É embaraçoso para as pesquisas científicas que não tenham chegado a lugar algum. A “amblose disforme” ou “miolo de pão” se manifesta através de um vírus posicionado nas trompas de falópio. Ele simplesmente está lá, antes mesmo do processo evolutivo do feto começar. Permanece indetectável até o dia da última menstruação...



SILVIANA DE BAND

(mostrando-se surpresa)



Gente! Estão me informando aqui pelo ponto (ela conduz um dedo ao ouvido direito) que nosso tempo estourou. O intervalo já deveria ter sido chamado a mais de cinco minutos. Vocês sabem como é o tempo em TVvisão. Nosso papo está muito bom, mas sou obrigada a chamar os comerciais. Até daqui a pouco, gente. Fiquem aí que voltamos já após nossos inteligentes comerciais.



(O programa “Vesperal da Silviana” atingiu índices de audiência inesperados, anunciam as legendas eletrônicas: 72% na região sudeste, 75% na região sul, 81% nas regiões norte e nordeste. Milhões de espectadores estão a gravar o programa de entrevistas da BAND simultaneamente ao “Cult-Movie do dia no Canal-10 TV-Virtual”).



SILVIANA DE BAND

(ao voltar ao palco após intervalo comercial, o clima no auditório é de ansiedade geral e incontida. A apresentadora anuncia que milhares de telefonemas estão congestionando as linhas com perguntas dos espectadores ao doutor TARQUESH)



Gente, vamos se acalmar. Com essa ansiedade toda pulsando de cada um de vocês fica difícil continuar. Vamos acabar com essa barulheira de mercado persa ou o debate não vai poder continuar.



(O ambiente do auditório indomado e incontido voltou a ficar silencioso e atento. A mediadora SILVIANA solicita, quase aos berros, silêncio e atenção da plateia).



Pessoal, só fala quem visualizar a luzinha vermelha acender no painel frontal da poltrona, está certo? Vamos aproveitar a presença desse luminar da medicina que no momento representa a palavra da Organização Mundial de Saúde. Ele é difícil de conceder entrevista. Nesse momento, em todos os lugares do planeta, têm pessoas ligadas no que ele está dizendo. E nós aqui ao vivo com ele. Não é um privilégio? Vamos aproveitar esse privilégio da melhor maneira possível.



DR. LAIRMONEY, por favor, prossiga.



DR. TARQUESH LAIRMONEY

(didático)



No momento da concepção, quando a célula do óvulo fertilizado se divide em duas, quatro, oito, dezesseis, trinta e duas, até que haja milhares, esse grupo de células desce ao útero e no quarto dia acorrem 12 a 16 blastômeros. Um blastômero é uma célula não diferenciada originária da segmentação do ovo fecundado.

Está formada a mórula. Ela é uma bola maciça com células circulares semelhantes entre si. Dentro dela forma-se uma pequena cavidade com células que se dividem em dois grupos, uma camada superficial chamada trofoblasto que irá nutri-la e uma massa celular interna.



No décimo dia o ovo se aninha na parede do útero aonde é acolhido e permanece nove meses num ambiente confortável onde não faltarão aquecimento, água e alimento. É possível que seja neste momento crucial da fecundação que se instala o vírus “miolo de pão” quando o trofoblasto começa a crescer e emitir tentáculos para os tecidos uterinos circundantes.

Os trofoblastos destroem tecidos e abrem mais vasos. Nesse momento o útero constrói uma barreira de tecidos reforçados que formam o órgão definitivo para a nutrição do embrião em crescimento. O vírus da “amblose disforme” impede a nutrição do embrião e consequentemente seu crescimento. A placenta perde a função metabólica de transferência de substâncias e da secreção endócrina. E a massa discoide presa ao embrião torna-se aquela pasta uterina conhecida popularmente no Brasil pelo nome de “miolo de pão”.

(Toda essa explanação didática é acompanhada de projeção de vídeos e slides).



SILVIANA DE BAND

(claramente apreensiva)



Esse vírus maldito se manifesta de repente? Por que não é anteriormente detectado? Com tantos estudos feitos sobre ele, como pode os troplofastos, tro, tro o quê? O que mesmo, doutor..?



DR. TARQUESH LAIRMONEY

(corrigindo-a)



Trofoblastos. Na terceira semana após o espermatozoide ter penetrado e fertilizado o óvulo, quando o embrião dobra-se para formar um “C” (ele faz um “C” com o indicador e o polegar da mão esquerda), nesse momento a cabeça e as pequenas protuberâncias que logo se transformariam nos braços, pernas e olhos, pasteurizam-se. Em apenas noventa segundos o embrião vira “miolo de pão”.



(Um murmúrio de estupefação surge da garganta da maior parte das pessoas presentes no auditório).



SILVIANA DE BAND

(mostrando muita inquietação)



Então é verdade?! Nossa Terra estará praticamente despovoada até meados do próximo milênio.



DR. TARQUESH LAIRMONEY

(corrigindo-a)



Até o final do próximo século.



SILVIANA DE BAND

(desculpando-se)



Me perdoe, do próximo século. É que não estou no meu melhor momento. Com todas essas inquietações sendo jogadas assim na cara da gente sem mais nem menos ficamos sabendo que não haverá mais crianças para alegrar as festas de aniversário e fazer traquinagens nos casamentos... É triste. Inacreditável... É muito triste mesmo...



DR. TARQUESH LAIRMONEY

(a voz um tanto quanto embargada por uma emoção inevitável)



Em uma semana a gestante apresentará sangramento nasal e vaginal como se não estivesse grávida. Então aborta a massa esponjosa cinzenta que na Europa é chamada de “berluskone”.



(Neste momento do debate todos querem fazer perguntas ao mesmo tempo. SILVIANA lembra novamente a importância desse encontro com essa sumidade da medicina).



SILVIANA DE BAND

(repreensiva e docemente autoritária)



Pessoal, vamos manter o controle emocional, senão não vai dá pra continuar a entrevista. — SILVIANA chama a atenção para o novo intervalo comercial e promete que na volta as pessoas vão ver no telão, ao vivo, entrevistas feitas por Paulo Chenko, repórter de rua com perguntas de espectadores nas calçadas do centro da cidade.





98. EXT. CALÇADA FRENTE À FUNDAÇÃO CÁSPER LÍBERO. AV. PAULISTA — DIA



PAULO CHENKO

(fazendo entrevistas de rua)



Você seria candidata à mãe mesmo com a ameaça da “amblose disforme”?



INÚTEEN

(sentindo-se provocada)



Ainda nem cortei meu cordão umbilical, cara... E você quer saber se eu quero ser mãe... dá um tempo... Mal me sustento, financeira e emocionalmente, como vou sustentar uma terceira pessoa se não dou conta nem de minha dependência em relação a mim mesma?

PAULO CHENKO

(provocativo)



Você tá vendo aí, SIVIANA? Ela não quer conversa, não. Vai logo para os finalmentes! Ser mãe não é com ela, de jeito nenhum.



PAULO CHENKO

(aproximando-se de outra pessoa em frente à Fundação Cásper Líbero)



Você se candidataria a ser pai mesmo sabendo o que poderia acontecer com sua mulher e ao embrião com a “amblose disforme”?



PROFESSOR

(após se identificar)



Veja, sem a peste “miolo de pão” ter um filho era um problemão. Minha mulher não dá conta nem das responsabilidades do apartamento. Lavar louças, arrumar a casa, essas coisas. Com uma criança aí é que o bicho ia pegar.



PAULO CHENKO

(indagativo)



Ela não gosta de criança, é isso? Não tem pendor materno!



PROFESSOR

(didático)



Eu penso que o cordão umbilical que liga as pessoas à mãe não tem apenas 50 a 60 centímetros. Ele é um cabresto sem medida certa. A ligação da criança, do adolescente, do adulto e até mesmo do idoso com o DNA da mãe, da família, dos antepassados, com o passar do tempo fica mais sutil, mas não desaparece. A gente não é a gente, compreende, tem sempre um ancestral querendo viver através de você, de mim...



PAULO CHENKO

(ironicamente investigativo)



Cara, isso é sério, você está dizendo que somos cavalos de fantasmas? Que dividimos nosso corpo com os interesses de outros parentes que já morreram?



PROFESSOR

(afirmativo)



Não apenas de parentes, com outros seres, de outras dimensões que tentam inserir-se na realidade da nossa vida por serem energias emocionais querendo uma base para participar da nossa realidade. Uma interação carnal interdimensional, você compreende? Acredito que foi aberto um portal interdimensional com outras realidades, de outros lugares que querem agora se inserir na nossa realidade. Fazer parte dela...



PAULO CHENKO

(diligente)



Essa coisa da “Experiência de Filadélfia”? Um portal dimensional que não pode ser fechado?

PROFESSOR

(assertivo)

Você compreende, há cientistas que acham que a abertura desse portal facilitou a entrada nessa dimensão da matéria, não apenas de seres interdimensionais, mas de seres ancestrais, parentes que já morreram... Todos eles disputando um lugar para ficar, um corpo para se instalar, mesmo que provisoriamente.



PAULO CHENKO

(admirado)



É muito louco isso, não é mesmo? Pessoas se surpreendem em locais outros onde já estiveram anteriormente...



PROFESSOR

(saindo da proximidade do repórter)



Nessas condições a “amblose disforme” talvez seja um vírus que está aí para dá um fim nesse caos!



PAULO CHENKO

(em direção a outro entrevistado)



Por favor, você aí garota do “piercing” no nariz. Você pretende ser mãe?



GAROTA DO PIERCING

(aparentando segurança)



Sadomasoquismo tem limite, não é cara? O meu está sob controle. Criança é dose. E essa realidade é dose letal para qualquer criança. Eu nem dou conta do que está acontecendo comigo, esses estranhamentos. Parir um criança num mundo desse? Você tá doido? Ou de brincadeira!



PAULO CHENKO

(provocativo)



Você tem medo do vírus da “amblose disforme”, do embrião virar “miolo de pão”?



GAROTA DO PIERCING

(explicativa)



Não é isso! O feto ouve as batidas do coração da mãe, não é? Se o embrião crescesse e chegasse ao estado fetal ele ia participar de muita adrenalina sobrando na minha corrente sanguínea. Esta semana fui assaltada duas vezes, somando-se às outras, perdi a conta. As leis estão caducas e os políticos não fazem nada, exceto favorecer os bandidos! Esses legisladores perderam a noção de sociedade. Para eles, quanto pior as condições de vida das pessoas, melhor. Facilita a eleição deles. Acho que eles pensam assim. Um filho já nasceria traumatizado num mundo desequilibrado por todo tipo de trauma. Há marginais demais dividindo o espaço das ruas com pessoas que trabalham duro. Talvez até foras da lei de outras dimensões, participando dessa confusão, desse caos.



PAULO CHENKO

(passando a palavra a SILVIANA no estúdio do programa)



Você está vendo, a garota não quer ser mãe de jeito nenhum. Pelo visto está coberta de razões. Que é que você acha, SILVIANA. Contigo a palavra. A bola está com você.



99. INT. ESTÚDIO DE GRAVAÇÃO DO PROGRAMA. AUDITÓRIO — DIA



SILVIANA DE BAND

(em atitude de contestação)



Eu não acho nada! A opinião é dela!! Mas, pensando bem, uma senhora aqui acabou de informar que, quando estava vindo para o programa, desceu o vidro do carro e espirrou para fora. Um garoto de 14 anos que estava no carro parado a uns dois metros ao lado, no congestionamento da Paulista, olhou para ela do banco do carona e ameaçou: “e aí coroa, tá me cuspindo? Tá maluca, é?” Mostrou uma arma, uma pistola, e disse: “Oh aí maluca! Te controla ou eu vou apagar contigo! Bang, te encher de azeitona! Eu sou de menor, tá sabendo? Posso te matar agora que não acontece nada comigo, sacou? Sou de menor!”. No banco de trás do carro tinha um garoto de uns 12 anos apontando outra arma em direção dela e fazendo que estava atirando: “bang-bang coroa, quer morrer? Eu mato você e comigo não vai acontecer nada. Ééééé! É isso mesmo! É a lei, tá sabendo”? O adulto que estava na direção do carro olhou para ela e disse: “A lei é dura, mas é lei”.

(Apontando em direção ao auditório SILVIANA autoriza uma senhora a fazer pergunta).



EXPECTADOR DO AUDITÓRIO

(dirigindo-se à DRA. IVONETE K. DOUGH)



DRA. DOUGH (a pronúncia é corrigida por SILVIANA), minha filha está noiva e vai casar em breve. Ao engravidar ela vai ser vítima do vírus “miolo de pão”?



DRA. IVONETE K. DOUGH

(ginecologista especialista em aleitamento materno)



O vírus molesta a mãe com sangramento nasal e vaginal na 4ª e 5ª semanas, quando o feto, ou melhor, a pasta virótica cinza é expelida. Pelas novas evidências que estão sendo divulgadas é difícil dizer que sua filha vai ter um bebê.



SILVIANA DE BAND

(parecendo tensa)



DR. LAIRMOONEY, a espectadora TMARA WAYNER, do Jardim América aqui em São Paulo pergunta se o vírus está presente inicialmente nos espermatozoides ou nas trompas de falópio.



DR. LAIRMOONEY

(didático)



As tubas uterinas antigamente chamadas trompas de falópio, têm sete a catorze centímetros e estão na cavidade peritonial no interior do abdômen ligadas ao exterior do corpo pela vagina. As tubas uterinas são células ricas em cílios. Estes, impulsionam as células do ovário em direção ao útero. Esses cílios dificultam a chegada dos espermatozoides vindos do útero, ao interior do óvulo. Mas não impedem a fecundação, devido à grande quantidade de gametas que o macho lança na fêmea em uma única ejaculação. Presume-se que o vírus da “amblose disforme” que invade o óvulo prepara as células receptoras uterinas, no momento da nidação, da descida do feto das tubas ao útero, e em poucos dias impede que o processo de desenvolvimento do embrião se torne um indivíduo completo.



DR. LOCK SPENCE

(tomando a palavra)



Os estudos, baseando-se em certas possibilidades, supõem que o vírus da “amblose disforme” possui a mesma “diagramação” do espermatozoide. Pode ou não está presente nele ou simplesmente se manifesta em interação com o ambiente quente, uterino, após a primeira semana de fertilização.

A teoria do DR. PATHON GADOTTI da Universidade de Chicago é que esses fragmentos do vírus, presume-se provenientes dos espermatozóides, vão interagir com outras frações complementares dele presentes do óvulo no momento da fecundação. Mas isso é apenas uma teoria.

(A platéia volta a ficar rumorosa e SILVIANA chama outra vez a atenção de todos para a necessidade de organizar as perguntas que serão feitas, sob pena da suspenção das entrevistas).



SILVIANA DE BAND

(dirigindo-se ao PASTOR MCKENZIE)



PASTOR, o senhor foi acusado de charlatanismo por bispos de outras igrejas. Eles acreditavam que o senhor estava se promovendo com a peste do vírus “miolo de pão” para proclamar o fim do mundo. Pelo menos do mundo tal como conhecemos agora. Como o senhor explica a coincidência entre seu discurso e o advento da epidemia — não sei se posso chamar de doença infecciosa, “amblose disforme”? E por que Salvador no nome de sua Igreja, se ninguém vai se salvar de não ter mais descendência?



PASTOR MCKENZIE

(explicativo)



A Igreja do Salvador dos Últimos Dias é muito anterior a esses acontecimentos. Ela surgiu no primeiro quartel do século XIX. O sacerdócio é um dom divino: a inspiração profética vem do Espírito Santo. Muito anteriormente à pesquisa científica associada ao advento do vírus da “amblose disforme” eu dizia que, em futuro próximo pessoas vão pensar que a vida neste planeta poderá ter continuidade através da inseminação artificial. O sêmen colhido em laboratório uma vez inseminado em mulheres, não vai permitir ao embrião seu desenvolvimento em feto.

Por que Salvador dos Últimos Dias? Porque esse vírus vai impedir que se instale e propague a ferocidade da dominação alienígena em conluio com os principais governos da Terra. A escravização do Homo sapiens/demens pela New World Order...

A salvação é a do espírito: “Conhecei a verdade e ela vos libertará”. Em João, 17/14-17, lemos: “Eu lhes tenho dado a tua palavra e o mundo os odiou, porque eles não são do mundo, como também eu não sou. Não peço que os tire do mundo mas que os guarde do mal. Não são do mundo, como eu também não sou. Santifica-os na tua verdade. A tua palavra é a verdade”. Em nenhum momento usei a Igreja para promoção pessoal. Ou fazer discursos que não se confirmassem na realidade dos fatos.



SILVIANA DE BAND

(firme e decidida)



Agora vamos fazer um intervalo para a chamada de nossos incríveis e criativos comerciais. Fique aí atento na poltrona. Voltamos já-já!





100. INT.EXT. PRAÇA DA SÉ. ESTÚDIO DE GRAVAÇÃO DO PROGRAMA. AUDITÓRIO — DIA



REPÓRTER DE RUA PAULO CHENKO

(ouvindo uma entrevistada)

Se o vírus “miolo de pão“ vai diminuir a quantidade de predadores dos recursos naturais do planeta, então só pode ser uma boa coisa que vai acontecer. Viva o Vírus!



PRIMEIRO ANÔNIMO

(entusiasmado)



É isso aí. É isso mesmo. Viva o Vírus!



SEGUNDO ANÔNIMO

(ponderativo)



Não sei não! Tio Sam não vai gostar! O mercado de comedores de hambúrgueres vai diminuir muito.



TERCEIRO ANÔNIMO

(fazendo piada)



E o mercado de quem faz boquete em Coca-Cola!



REPÓRTER PAULO CHENKO

(provocando respostas)



Você tá vendo aí, SILVIANA, as opiniões espontâneas também valem. — Aproximando-se de uma jovem que se diz professora, ele pergunta: “Você pretende ter filhos”?



JOVEM PROFESSORA

(parecendo irritada)

Filho? De jeito algum. Nem com, nem sem “miolo de pão”. Não quero uma criança comigo passando necessidade, com o salário que eu ganho e meu marido, que também é professor, parir uma criança nesse mundo é botar peixe miúdo na boca do tubarão.



REPÓRTER PAULO CHENKO

(ironizando a situação)



A maré não está para peixe miúdo, você está vendo aí, SILVIANA, e a senhor aqui, por favor, dê sua opinião para o programa Vesperal da SILVIANA. O senhor está sendo visto no país inteiro, os índices de audiência superam os 70%.



SENHOR ENTREVISTADO

(um pouco tímido)



Meu nome é Carlos Causo Simão Regina, tenho dois filhos de 17 e 19 e uma menina de 15, eu queria saber o que é que causa o “efeito pum” nas mulheres vitimadas pelo vírus da “amblose disforme”.



REPÓRTER PAULO CHENKO

(surpreso)



Essa nem eu sei a resposta, SILVIANA, me socorre, há entre seus entrevistados quem possa explicar esse “efeito pum” do vírus nas mulheres infectadas? Se é que existe mesmo!? “Efeito Pum” que eu conheço são os 1.500 ml de pum que cada pessoa solta por dia e contribui para a deterioração da camada de ozônio. E o aquecimento global. Gases do efeito estufa. Eles têm a propriedade de absorver a radiação infravermelha do dióxido de carbono (CO2) e do metano (CH4) mantendo a temperatura média da Terra em alta. No mínimo uns 15 trilhões de litros de pum por dia. Eu não sei a quantidade de metano que tem um pum, será que alguém aí sabe, SILVIANA?



SILVIANA DE BAND

(meio constrangida)



Eu acho que esse assunto sai da pauta do programa. Ninguém vai parar de soltar pum, disso eu tenho certeza, para diminuir a quantidade de metano na camada de ozônio. Alguém aí dentre os entrevistados se habilita a responder o que é o “efeito pum” causado pelo vírus da “amblose disforme”? DR. TARQUESH, o senhor quer explicar esse efeito?



DR. TARQUESH LAIRMOONEY

(explicativo)



Normalmente o sangue materno e o fetal não se misturam. O sangue fetal, conduzido por duas artérias e uma veia pelo cordão umbilical, fica no interior dos vasos de córion. Ele favorece a passagem de substâncias e gases. A placenta ocorre apenas em mamíferos, é considerada um órgão e não apenas um anexo embrionário. Ela permite a fixação do embrião na parede do útero e realiza trocas gasosas ente o feto e o sangue materno. O vírus da “amblose disforme” impede essas trocas gasosas e os gases são excretados pelo reto sob a forma de bolhas ou glóbulos gasosos.



Essas bolinhas, “pimba”, se dissolvem no ar logo depois de uma ventosidade... Vocês sabem, um pum!



REPÓRTER PAULO CHENKO

(simplificando)

Todo mundo já soltou um pum na vida e sabe como é que é isso. Agora vamos falar com a Lindalva. Ela não é nem linda nem alva. É uma bela morena que estuda administração. Quando terminar a faculdade você e seu namorado estão pensando em casar, ter filhos, é isso?



LINDALVA

(corrigindo o repórter)



Namorada, cara! Sou epilética e lésbica, uso uma droga anticonvulsivante. Minha namorada e eu já somos casadas. Mesmo se eu fosse heterossexual imagina uma criança gestada e criada nessas condições. Sou chegada a um sadomasoquismo, mas não sou fanática.



REPÓRTER PAULO CHENKO

(chegando-se a outra entrevistada)



Dona JULIANA, aqui, por favor, pode pegar o microfone... Ela é mãe de três filhos, ninguém diz, não é SILVIANA? A aparência de garota que vai debutar ano que vem. A senhora ficaria grávida outra vez?



DONA JULIANA

(sem muito entusiasmo)



Moro no conjunto habitacional desses com nome moderno, ter mais um filho pra quê, mesmo que pudesse, pra polícia matar? Dois a polícia matou, o outro está paraplégico. Não estou de miolo mole, já tem muita criança queimando o filme nesse mundo. Com a “amblose disforme” parece que isso vai acabar.





PAULO CHENKO

(ponderativo)



O pessoal de rua hoje está injuriado, SILVIANA, você está vendo aí. Vamos falar com a KÁTIA ANTONELLE, ela é modelo e já desfilou em muitas passarelas mundo afora, não é KÁTY? Vais investir em mais um filho?



KÁTIA ANTONELLE

(cheia de charme)



Deus me livre e guarde! Para ele nascer viciado com o nariz entupido de farinha? Benza Deus!





101. INT. AUDITÓRIO DO PROGRAMA VESPERAL DA SILVIANA — DIA



SILVIANA DE BAND

(conduz um dedo ao ouvido apurando a atenção no ponto eletrônico na cavidade da audição esquerda)



Pelo que estou ouvindo aqui no ponto de escuta eletrônica, há uma “sugestão” para que hoje não haja mais entrevistas de rua. Agora o programa vai seguir daqui tão somente do auditório. A rua está suspensa, pessoal, até segunda ordem. É isso, gente, fazer o quê? Estava divertido. Mas tem gente aí com poder de decisão que não gosta. De patrão, não se pode reclamar. Pessoal (falando com a plateia) estamos por nossa conta.



Vamos torcer para que não terminem com o programa antes das conclusões finais dos entrevistados. Eu não vou falar em censura, por que essa coisa de censura, dizem que já acabou. Estamos vendo que não é bem assim. Não é mesmo?



DR. LAIRMOONEY, o senhor acredita que há uma chance, ainda que remota, de ser descoberta uma vacina contra o vírus da “amblose disforme”? Isso ainda pode acontecer? Ou esse vírus saiu vencedor na luta contra a espécie humana? Crianças não vão mais nascer, ou pode ser apenas uma epidemia de passagem?



DR. TARQUESH LAIRMOONEY

(em tom sincero e definitivo)



Veja você, o HIV original surgiu na década de 30 do século passado, foi descoberto décadas depois. E a vacina contra ele originou algumas mutações ainda mais mortais do mesmo no século XXI. Uma vacina não seria descoberta a tempo de sustar o surto da epidemia do vírus da “amblose disforme”. Seria necessário muito mais tempo de pesquisa. E nós não temos esse tempo.



(Houve um murmúrio de desesperança que surgiu na plateia e ecoou em todos os corações. O constrangimento foi geral e avassalador. Os espectadores de casa somaram-se à intensa comoção que essas palavras foram capazes de gerar).



SILVIANA DE BAND

(voz embargada, pronúncia hesitante)



Quem nanasceu, nanasceu, quem não nasceu não nasce mais! É isso o que o sensenhor quer dizer, nãnanão é mesmo?



DR. TARQUESH LAIRMOONEY

(convincente e peremptório)

Acredito que por volta do ano 2200, se tanto, não haverá mais nenhum ser da espécie Homo sapiens/demens sobrevivente sobre a superfície do planeta. Incluindo aqueles de prolongada longevidade.



(Após calar por alguns momentos, causando intenso suspense na plateia traumatizada pela revelação impressionante, DR. LAIRMOONEY, como que pesando bem as palavras, continuou).



DR. TARQUESH LAIRMOONEY

(numa tonalidade compassiva, carregada, talvez, de inusitada ternura)



Vamos ter de nos habituar a essa ideia. Conviver com ela. Redirecionar os objetivos de nossa espécie para adaptá-la às consequências desse trágico evento. Utilizar os recursos que nossa espécie acumulou, riquezas e bens materiais, conquistas tecnológicas e serviços para que possamos conviver pacificamente, além dos paradigmas dos conflitos políticos, sociais e econômicos através dos quais cresceu a nossa espécie.



SILVIANA DE BAND

(inconformada e contida)



A humanidade vai mesmo acabar por falta de descendência? — a pergunta de SILVIANA gerou uma ansiedade ainda mais superlativa.



DR. TARQUESH LAIRMOONEY

(com voz absorvente, impetuosa e veemente)



Sou um homem de ciência..! Mas tenho de reconhecer que a “amblose disforme” é um fenômeno bioquímico absolutamente estranho, beirando o sobrenatural... Para o qual a pesquisa científica não teve resposta adequada. Não há esperança de cura. Não que não pudesse ser, um dia, curado, mas porque não há tempo para levar adiante as pesquisas laboratoriais. Mesmo considerando a imensa gama de recursos tecnológicos de que atualmente dispomos.

Considerando-se o ritmo de desdobramento da epidemia, é possível que em 2090 não haja uma única mulher em condição gestante.



(Um silêncio intenso ecoou num oceano de impressionante pasmo, mistura de êxtase e sentimento do mundo profundo e indizível. Perplexidade!).



SILVIANA DE BAND

(reunindo forças para parecer adaptada à nova situação planetária. Desejando parecer verossímil em uma postura de aceitação dessa realidade assombrosa, com certa mínima dignidade).



Desculpem se eu não posso parecer normal como gostaria. Mas DR. TARQUESH, o senhor está autorizado a falar essas coisas? Fazer essas revelações. As agências governamentais que o senhor representa lhe deram autorização para isso?



DR. TARQUESH LAIRMOONEY

(peremptório)



Nenhuma agência governamental tem jurisdição sobre a verdade! O sol continua a brilhar, mesmo quando encoberto pelo eclipse. Por que eu haveria de sonegar essas informações de vocês? Vocês são mais importantes do que as vontades e os interesses de meia dúzia de cafajestes cheios de poder econômico e político, que sempre lhes sonegaram investimentos e informações. Nesse momento crítico, por que eu haveria de continuar fazendo esse jogo de cartas marcadas? Vocês não merecem saber o quanto antes o que vai lhes acontecer enquanto espécie?



(Emocionados, os participantes de auditório do programa Vesperal da SILVIANA aplaudem as palavras do “DR. T” como passou a ser conhecido mundialmente o DR. TARQUESH).



DR. TARQUESH LAIR MOONEY

(despedindo-se da plateia e do público brasileiro e globalizado pela necessidade de informações pertinentes à nova condição da espécie humana).



Denis Diderot, enciclopedista francês e filósofo iluminista, dizia que “nascemos todos de uma descendência sempre disposta a nos prejudicar e nos fazer mal”. Com o advento da “amblose disforme” acredito que essa descendência atingiu sua finalidade limite. Sinto-me motivado a afirmar que ele tinha razão, hoje, mais do que no século XVIII, quando mencionou essas palavras. Muito obrigado pela oportunidade de estar aqui com vocês despido de toda pompa que esses títulos de pós-graduação aparentemente sinônimos de saber superior, mas, realmente, metáfora de um conhecimento sem nenhum valor pertinente que pudesse superar essa condição de impotência e impostura de nossa tecnologia que se quer tão avançada.



Mito obrigado pela oportunidade de dizer essas coisas de livre e espontânea vontade, sem ter de botar panos quentes na verdade.



102) INT./EXT. CARROS. RUAS, PRAIAS. AVENIDAS — DIA



(A família de HELIO entra no carro. Eles estão sob o efeito hipnótico do discurso profético, religioso, do Pastor MCKENZIE).

CARLA

(em off)



As PESSOAS, todas as PESSOAS, transformadas em tropas de choque de SATÃ. Em todos os lugares do planeta. Milhares de milênios de suposta evolução e o Homo sapiens/demens continua pastando no mesmo lugar mental primitivo. Neolítico.



(Os pensamentos de CARLA parecem ecoar nas mentes de seus familiares PAI, MÃE, IRMÃO. Eles olham-se de soslaio. Faz-se presente certo ressentimento. Mútuo).





103) INT. QUARTO. APARTAMENTO — DIA



As DOMÉSTICAS que fazem a limpeza no quarto de SABRINA levam as mãos aos ouvidos. Ato contínuo: saem do quarto apressadamente.





104) INT. APARTAMENTO. SALA DE JANTAR — DIA



(Crianças sintonizam a TV no “Canal-10”. A BABÁ reclama, amuada, de que estava a assistir a programação da Record, onde um trio de apresentadores troca prosa e banalidades sobre amenidades de personagens famosos, tipo: “FULANA foi vista com BELTRANO na festa de casamento do casal SICRANO”).



(A DOMÉSTICA que havia saído do quarto de SABRINA estranha a mudança de canal para o Canal-10 sem que o controle remoto fosse acionado).

(As crianças parecem conversar entre si sem pronunciar uma única palavra. Elas esboçam apenas um quase imperceptível mover de cantos das bocas, enquanto olham o “filme do dia” na “TV-Ghost”).





105) INT. SALAS DE ESTAR. QUARTOS DE MOTEIS, PADARIAS, BARES. LOCAIS ONDE HÁ UMA TV PÚBLICA OU PRIVADA — DIA/NOITE



(A câmera focaliza a decepção das PESSOAS. Elas tentam inutilmente mudar de canal, sintonizar em programas que costumam visualizar. Não conseguem. Nos monitores de TV aparecem apenas os chuviscos eletrônicos. O único canal de TV que conseguem sintonizar, por vezes, é o canal-10. E seus filmes “full-time”).



(PESSOAS leem os jornais impressos que noticiam o impasse dos departamentos de propaganda e publicidade que somam altos prejuízos por não conseguirem posicionar nos monitores das telinhas suas programações. Consequentemente, não estão faturando os comerciais. As empresas de PP&RP sentem-se ameaçadas. A beira da falência).



(A imprensa impressa denomina o único canal de TV que os espectadores conseguem sintonizar de “Ghost-TV”. A TV-Fantasma está impedindo os outros canais de serem sintonizados? Há um grande clima de apreensão por parte dos diretores e acionistas dos grandes conglomerados de TV).





106) INT. CONVENÇÃO DE AGÊNCIAS DE PP&RP. RESTAURANTE DO HOTEL MAKSOUD PLAZA. SÃO PAULO — DIA



DIANE

(uma funcionária, comenta)



Ninguém parece estar mais interessado nos outros canais de TV.



CARLA

(fazendo anotações)



Sim, os filmes fantasmas. A TV “full-time”...





RICARDO

(executivo cheio de razão)



Estou dizendo, há excesso de explosões solares. Elas estão causando esses problemas de sintonia. Tudo está voltando à normalidade. Todos os canais voltarão em breve à sintonia normal.



RUBENS

(executivo apreensivo)



Pensei em mudar de profissão. Ser técnico em eletrônica. Todos os aparelhos de TV da cidade parecem estar entrando em pane.



RAQUEL

(confirmando)



A Associação das Senhoras Plugadas Em Novelas superlotaram os ramais de reclamação dos conglomerados de TV.

CARLA

(introspectiva)



Os barões dos conglomerados de TV estão apavorados. Muitos foram internados. No Brasil, três deles foram internados com problemas de AVC.



RUBENS

(relaxando)



Isso é que é “Pânico na TV”. E o bicho ainda está pegando. E parece que vai pegar ainda mais.



RAQUEL

(intrigada)



Crianças e adolescentes parecem saber o que está acontecendo. Há teorias, adolescentes e crianças participaram, de algum modo, das interferências. E dos eventos fenomênicos de inusitada superviolência no trânsito.



RICARDO

(irritado)

Isso é bobagem. Não acredito. Conta outra. Essa história de entidades de outra dimensão ocupando corpos e mentes de CRIANÇAS e ADOLESCENTES...Conta outra.



CARLA

(conciliativa)



Verdade! Todos pareceram, uns mais, outros menos, estar participando dessa espécie de empatia globalizada pelas ondas emitidas pelas transmissões da TV-Ghost. E quase todos somente veem a TV-Fantasma. É uma espécie de preferência universal. As estatísticas não mentem.



RUBENS

(interrogativo)



É complicado. Sei não! Ninguém parece saber o que está acontecendo na realidade. É tudo palpite. A “TV-Virtual” é como o satélite artificial invisível, ela existe, mais ninguém sabe explicá-lo.



(As PESSOAS saem de reuniões e bate-papos parecendo indiferentes. Sem saber o que fazer. Algumas PESSOAS passam a sensação de que estão muito distanciadas de qualquer atitude que possa mudar o curso dos acontecimentos. Como se sujeitadas a eles).





107) INT. SALA DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS. SÃO PAULO — NOITE



(A reportagem do JN prepara-se para entrevistar o doutor TROJAN, infectologista, chefe do plantão noturno do Hospital das Clínicas).



REPÓRTER

(tenta parecer o mais sem emoção possível)



Dr. TROJAN, qual a explicação científica para essa nova série de infecções motivadas por mutações do vírus H3V?





108) INT. SALAS DE JANTAR E OUTROS AMBIENTES PÚBLICOS E PRIVADOS ONDE PESSOAS ESTÃO A ASSISTIR O JORNAL NACIONAL — NOITE



(A câmera mostra o doutor TROJAN nos monitores de TV).



DR. TROJAN

(com franqueza)



Não apenas do H3V. As mutações estão ocorrendo com outros segmentos viróticos tipo a modalidade do vírus LULFHC.



REPORTER

(curioso)



Há realmente um campo magnético nas mutações viróticas? Propício à somatização e a indução dos infectados à aceitação da doença? E às mudanças drásticas de comportamento agressivo?



DR. TROJAN

(com convicção)



Ainda não é uma teoria reconhecida pela ciência médica. As variantes PT e PMDB do vírus H3V ferra os infectados com manchas na pele de coloração rosácea e avermelhada.



(As crianças e adolescentes observam os adultos com leves, quase imperceptíveis, movimentos nos cantos das bocas. As expressões faciais são de nítido distanciamento).

109) INT. LUXUOSO SALÃO DE BELEZA NO JARDIM AMÉRICA. SÃO PAULO — NOITE



(A clínica de beleza é especializada em usar cosméticos especiais para camuflar cada tipo de mutação virótica do H3V: tipo PMDB, PUF. COLL, e outras).





110) INT. SALA DE ESTAR — NOITE



(Na TV uma família está a assistir no Jornal da Globo, a continuação da entrevista com o DR. TROJAN).



REPÓRTER

(intrigado)



É como se cada infectado estivesse sendo marcado como gado? Os novos medicamentos em processo de pesquisa e fabricação são os mesmos para todas as variantes?



DR. TROJAN

(explicativo)



As vítimas passam entre doze e quinze meses perdendo a noção do tempo. E a competência orgânica. Cada marca de infecção difere nos efeitos. Há um “coquetel” para cada variante virótica.





111) INT. SALA DE REUNIÃO. JORNAL — DIA



(Ao redor da mesa, alguns JORNALISTAS do Conselho Executivo do jornal, debatem a participação do mesmo na “Expedição Norton”. Uma tela de TV transmite o “ghost-movie” do dia).



1° JORNALISTA

(persuasivo)



Vale o esforço de buscar respostas quando mais ninguém parece ter uma resposta coerente. (Virando-se para a REPÓRTER ao lado de NORTON) — Essa é a fotógrafa ADRIANE TATUIL. ROSSI LEE e ela representam o jornal na “Expedição”.



2° JORNALISTA

(questionador)



No momento não há consenso. Ninguém sabe ao certo de onde provêm as imagens da “TV-Full-Time”. Mas há fortes indícios de que este jornal participará da Expedição investigativa à Amazônia.



ADRIANE

(a defender a participação)



O mundo globalizado está uma babel. Todos opinam. Mas não há consenso sobre os eventos em lugar algum. Estaremos a caminho de chegar a uma resposta.



ROSSI LEE

(aperta um botão no controle remoto)

Mesmo nos meios científicos não há consenso. — Este é um trecho do “filme do dia” de ontem, da TV-Virtual.



112) INT. SALA DE REUNIÃO DO JORNAL — DIA



(O canal da “TV-Virtual” mostra acontecimentos que indicam que há uma central de retransmissão de imagens da “TV-Ghost” na Amazônia).



ROSSI LEE

(reafirma sua opinião)



Um crítico dos “Cahiers du Cinéma” divulgou ontem num canal de televisão francesa, que a “TV-Fantasma” divulga em seus filmes estilos de cineastas europeus do século passado.



2° JORNALISTA

(acompanhando o raciocínio)



Fellini, Antonioni, Chabrol, Visconti, Fassbinder, Pasolini, Greenaway, Rosseline, Lang, Truffaut, Godard, Losey, Rivette, Resnais, Wenders, Buñuel...



ADRIANE

(questionando a ideia)



As opiniões divergem. Um ex-cineasta e crítico de amenidades da política nacional, no JN de ontem afirmou que os últimos cult-movies da “TV-Ghost” reproduzem o estilo, “desse gênio maior de Hollywood que foi Samuel Fuller”.

ROSSI LEE

(irônico)



Muita areia demais para meu caminhãozinho...



1° JORNALISTA

(muito afirmativo)



Esses filmes têm duração de um dia. Todo dia um filme diferente. Nem todos os banqueiros associados a diretores europeus e hollywoodianos poderiam estar por trás dessas produções. Não há grana em estúdio nenhum do mundo que possa bancar produções de filmes de 24 horas. Sem intervalo comercial.



ROSSI LEE

(argumentativo)



Não vamos chegar a lugar nenhum reproduzindo opiniões, as mais diversas, sobre o que é e de onde vêm as produções de imagens da “TV-Fantasma”. Daí o investimento deste jornal na investigação dos indícios de que há uma central de transmissão eletromagnética proveniente da Amazônia. De acordo com o “Arquivo Jângal”.





113) INT. SALA DE REUNIÃO. BOURBON SÃO PAULO BUSINESS HOTEL. SÃO PAULO — DIA



(Executivos de vários países associados via interesses de conglomerados de TV em todo o mundo globalizado, estão reunidos numa sala com seus “lap-tops”, “iPods”, “net-books”, “not-books”, equipamentos eletrônicos de vídeo-transmissão de última geração, comunicam-se entre si via “translators”, secretárias-acompanhantes, equipagem de videoconferências).



(Vários idiomas estão sendo falados e traduzidos simultaneamente. A Babel de línguas tenta traduzir a diversidades de interesses semelhantes e se faz ver e ouvir como se a representação de um grande e impertinente zumbido eletrônico que a todos envolve. Via satélite).





114) INT./EXT. LOCAIS PÚBLICOS E PRIVADOS. SALAS DE ESTAR DE APARTAMENTOS. VITRINES DE LOJAS EM SHOPPINGS — NOITE



(As PESSOAS que assistem aos programas de TV mostram uma curiosidade inusitada, como se estivessem hipnotizadas, os olhos vidrados nos monitores das TVs. Alguns ESPECTADORES se olham ao mesmo tempo em que afagam braços, pernas ou põem as mãos abertas sobre as faces. Os gestos denotam uma perplexidade constante. Como se desconfiassem que estão todos a participar de fenômenos os quais desconhecem a origem).





115) INT./EXT. LOCAIS PÚBLICOS E PRIVADOS. SALAS DE ESTAR DE APARTAMENTOS. VITRINES DE LOJAS EM SHOPPINGS — NOITE



(Os ESPECTADORES de TV por vezes parecem não se dar conta de que seus rostos estão a olhar de dentro do monitor para a cara deles. A cabeça balança ou pende de cima para baixo ou para os lados, como se estivessem tentando encontrar uma explicação para esse fenômeno TVvisivo).



APRESENTADOR DE PROGRAMA

(anuncia um furo de reportagem)

A nossa reportagem entrevistou em Londres, o físico STEVE TALKING.



REPÓRTER JG

(de Londres)



O senhor teria uma explicação científica para a realidade inusitada da TV-Virtual?



STEVE TALKING

(professoral)



A transmissão da TV-Virtual parece estar de acordo com padrões de transmissão a partir de raios lasers gravitacionais. A única parte da teoria da relatividade de Einstein que ainda não havia sido testada. É um fenômeno similar aos efeitos mal-sucedidos da Experiência de Filadélfia, quando a marinha americana tornou invisível um destróier durante a II Guerra Mundial.



REPÓRTER

(na expectativa de uma resposta original)



Há uma estação orbital a partir da qual esses raios estão sendo emitidos?



STEVE TALKING

(ponderativo)



Se for comprovada a existência dessa estação orbital, ela possivelmente é monitorada por uma civilização que domina tecnologias de controle de energias gigantescas. Tipo as emitidas por buracos negros e estrelas de nêutrons.





REPÓRTER

(provocativo)



A “Experiência de Filadélfia” atraiu essa civilização para a Terra?



STEVE TALKING

(especulativo)



É possível que haja sido aberto um portal interdimensional através do qual seres de outras dimensões estejam tentando inserirem-se nos corpos dos habitantes deste planeta. Há certa incompatibilidade quântica que provocaria os eventos de Combustão Humana Espontânea...





116) INT./EXT. ANOITECER. LOCAIS PÚBLICOS E PRIVADOS. SALAS DE ESTAR DE APARTAMENTOS. VITRINES DE LOJAS EM SHOPPINGS — NOITE



(A atenção de outros espectadores está fixada no retransmitir de Londres uma entrevista, em inglês, traduzida via legenda eletrônica, do cientista chinês prêmio Nobel de Física, CHARLES KRAHO, que em entrevista à BBC, disse):



REPORTER DA TV-BBC OUVE RESPOSTA DE CHARLES KRAHO

(mostrando grande expectativa)

Os raios gravitacionais geram efeitos interdimencionais de deslocamento da luz atmosférica ionizada.



REPÓRTER

(mostrando certa ansiedade)



De que modo a transmissão da TVvirtual é efetuada?



CHARLES KRAHO

(peremptório)



Talvez a TV-Virtual seja uma estação de retransmissão em sintonia quântica direcionada via raios laser. Muito além da compreensão no atual estágio de desenvolvimento científico da ciência neste planeta.





117) INT./EXT. ANOITECER. LOCAIS PÚBLICOS E PRIVADOS. SALAS DE ESTAR DE APARTAMENTOS. VITRINES DE LOJAS EM SHOPPINGS — NOITE



(Nas ruas e shoppings as PESSOAS contemplam as vitrines que mostram os últimos modelos de TV que a propaganda anuncia como sendo de 4ª dimensão. A expressão nos rostos dos TVespectadores, sem que estes percebam, por vezes reproduz a expressão facial de personagens que estão presentes no monitor).



ANDRES GEHIM

(físico Nobel russo)



Toda a realidade existente em qualquer lugar depende de uma série de combinações entre matéria e energia. Em diferentes graus de densidade e complexidade. Para cada manifestação, em cada dimensão (existem, possivelmente, 27 dimensões no continuum espaçotempo) há um certo conjunto de princípios quânticos envolvendo cada manifestação fenomênica...



REPÓRTER

(em outro canal de TV)



A teoria de que os casos de Combustão Humana Espontânea (CHE) são ocasionados por seres de outra dimensão querendo se instalar em corpos humanos... Há algo de verdade, ou é apenas especulação científica?



SERGIO HAROCHET

(Físico Nobel francês)



“A Experiência de Filadélfia” abriu um portal para outra dimensão. Seres que migram dessa outra dimensão talvez estejam querendo estabelecer contato físico, mas não têm corpos humanos perfeitamente compatíveis com suas intenções. Não há congruência quântico-molecular. A radiação resultante dessas tentativas de interação eletromagnética entre esses seres de outra dimensão e os seres humanos resulta numa espécie de encontro quântico entre átomos de matéria em condições dimensionais diversas. Talvez isso provoque mútua desintegração.



REPÓRTER

(curioso)



É científico? Ou ficção científica?



SERGIO HAROCHET

(justificativo)

Essa, uma possibilidade de interpretar de forma coerente o fenômeno CHE. Sem comprovação experimental. Sem verificação do fenômeno físico não há evidência científica.



118) INT. APARTAMENTO. SALA DE JANTAR — NOITE



(Um casal de ADOLESCENTES entra na sala de estar onde um casal de adultos está a dormir no sofá. O monitor da TV está sintonizado no Canal-Virtual, “Efeito 10”).



1ª ADOLESCENTE

(misto de oralidade normal e zumbidos)



(A moça emite um código de sons. Sons que imitam os zumbidos de abelhas. Enquanto fixa o olhar em direção ao namorado. Os cantos da boca levemente se contraem. Há silêncio, porém ele ouve nitidamente as palavras na mente, como se estivessem sendo verbalizadas) — “Você também lê os sonhos deles? São permeados de imagens de medo e horror”.



2° ADOLESCENTE

(misto de fala e zumbido)



(O rapaz responde, o olhar fixo, os cantos da boca se contraem de modo quase imperceptível, enquanto emite os zumbidos de resposta) — “Mediados por sentimentos de culpa. Eles não sabem nem podem interferir nessa realidade. Vão aceitando tudo e todas as coisas como se fossem seres virtuais, sem nenhum mínimo controle sobre os fatos”.



1ª ADOLESCENTE

(zumbidos)



Os culpados por esse descontrole são os “Outros”. Sempre são os “Outros”. “Eles” nunca percebem isso.

2° ADOLESCENTE

(zumbidos)



Os “Outros” são eles. Cada um deles. Eles convivem com os “Outros”. Milhares deles. São as personagens dos múltiplos filmes e novelas da TV. E seus conflitos emocionais em ebulição quântica.



1ª ADOLESCENTE

(zumbidos)



A mesma patologia coletiva manifesta nos “outros” de outras dimensões.





119) INT. SALA DE JANTAR. APARTAMENTO — NOITE



(O CASAL de adultos ameaça despertar, mas os zunidos em suas mentes parecem fazê-los adormecer sob o fluxo sussurrante do ruído sibilante da nova patologia).



(PESSOAS FOCALIZAM o monitor da TV que transmite as notícias do JG):



ÂNCORA DO JG

(tentando parecer isento de emoção)



“Há poucos minutos a NASA divulgou a notícia de que há indícios de uma estação receptora subterrânea de sinais da Estação Orbital Interdimensional na Amazônia...”).





120) EXT. PÁTIO DE PLAY-GROUND — DIA



(Grupo de PESSOAS focaliza grupo de CRIANÇAS que se comunicam através de uma linguagem de pronúncia muito rápida das palavras. A articulação de sons das letras, sílabas e palavras soa semelhante a zumbidos. Quatro delas se destacam dos grupos que brincam no play-ground e se dirigem ao elevador social, após saírem do pátio).





121) INT. SALA DE TRABALHO. ESCRITORIO — DIA

(HELIO aproxima-se da sala onde trabalha CARLA. Senta-se frente a ela e começa um diálogo que resvala para uma tonalidade pouco amigável).



CARLA

(com certo menosprezo)



Dá um tempo, pai. Não vou vender minha alma para esses reacionários satanizados em troca de favores para sua aposentadoria aumentar de valor.



HELIO

("cheio de razão")

Aumentar? Duplicar! Você quer dizer. Ética não dá camisa a ninguém, Carla. O sistema capitalista é selvagem e corrupto por natureza. Nele o que conta é o fator econômico. O fator econômico está acima de tudo e de todas as regras, princípios, ética, religião, o que for. Você se lembra do ex-presidente Analfabeto?



CARLA

(afirmativa)



Ele se notabilizou pela capacidade discursiva elogiosa a todos os esquemas de corrupção no país. E saiu da presidência com um índice recorde de apoio popular. Não vou impedir que seus interesses mantenham-se vivos na empresa. A Adélia vai me substituir.



HELIO

(querendo negociar)

Você saindo da firma minha posição administrativa fica desfalcada. Reconsidere, por favor. Mesmo porque o mercado está escasso de ofertas de trabalho.



CARLA

(decisiva)



Minha decisão é irreversível. Por favor, não insista. (HELIO levanta-se e sai da sala sob o olhar da filha, CARLA).



CARLA

(olhando o pai afastar-se comenta de si para consigo):



“Agente familiar típico de uma educação e de uma cultura voltadas para a diluição de qualquer princípio ético... Que tipo de sociedade poderá estar em gestação no inconsciente familiar e social voltados para o incremento implacável de interesses coletivos os mais escusos?".





122) EXT. RIO E PÂNTANO. ILHA — NOITE

(Uma JOVEM no dorso de um crocodilo atravessa a margem de um rio de águas escuras em direção a uma ilha. Um eclipse lunar se desenha no alto. O réptil de grande porte com oitenta dentes e de enorme força mandibular, poderia simplesmente esmagar o corpo de CARLA com sua mordida de uma tonelada. Mas ela simplesmente salta de seu perigoso lombo às margens do rio e dirige-se ao interior da ilha).





123) EXT. LUAR. ILHA — NOITE



(CARLA observa em meio à grama numa clareira um estranho e belo animal a pastar. Os pelos brancos brilham ao luar. A sombra do eclipse começa a escurecer o ambiente selvático. CARLA olha o pai, HELIO, do outro lado do rio. Ela insiste em chamá-lo, suplica que não tenha medo, que monte no lombo de um dos inúmeros crocodilos que parecem estacionados à beira da outra margem do rio à espera de fornecer uma carona até a ilha, do outro lado).



(HELIO está em dúvida, tanto hesita que fica, de uma vez por todas, paralisado pelo temor. Ele ignora a oportunidade que esse momento mágico oferece. Ele tem olhos apenas para a aparência hostil e inóspita do réptil. HELIO não sente o momento enquanto uma oportunidade. E o crocodilo aproxima-se veloz em sua direção com a bocarra aberta. Apavorado ele desperta do pesadelo).





124) EXT. RUAS. CALÇADAS. PRAIAS. AVENIDAS — NOITE



(PESSOAS estão sendo assaltadas enquanto veem mercadorias em exposição nas ofertas das vitrines das lojas de varejo com produtos eletrodomésticos. Um assaltante ataca a coronhadas um transeunte, enquanto lhe subtrai violentamente o “blazer” com alguns de seus pertences pessoais. No monitor de várias TVs sintonizadas no “Canal-10”, vê-se cena semelhante no “full-time-movie” do dia).





125) INT. APARTAMENTOS. SALAS DE ESTAR — NOITE



(PESSOAS veem nos monitores de TVs ligados no (Canal-10) (“Effect-TV”) cenas que são reproduções de acontecimentos violentos de rua. Causa impressão nos espectadores, que as cenas dos filmes da “TV-fantasma”, estão a reproduzir as situações cotidianas da violência de rua de que são vítimas as pessoas, cada vez mais amiúde).



(Outras PESSOAS comentam que a “TV-Ghost” antecipa tais acontecimentos).





126) EXT. “POINT” NOTURNO NO BAIRRO DO BROOKLIN SÃO PAULO — NOITE



(As PESSOAS migram a subjetividade pessoal de cada uma delas para outras PESSOAS. Essa migração cria um efeito ambiental de estranhamento entre elas. Esse fenômeno acontece em bares e restaurantes do momento. Local de badalação social noturna: “points”).



(Uma longa série de acontecimentos onde se acha presente à manifestação da violência urbana, cada vez mais gratuita, são objetos de observação pela programação TVvisiva).



(Em off ouve-se locutores de rádio e jornais TVvisivos narrando acontecimentos policiais promovidos pela gang do marginal conhecido popularmente pela alcunha de “A FÚRIA”).



(PESSOAS são vistas nas mesas de calçadas dos bares noturnos e flagradas em conversas nas quais trocam impressões sobre os acontecimentos):



1° FREGUÊS HABITUAL DO BAR

(ironicamente interroga)



Por que a polícia nunca consegue prender “A FÚRIA”?



2° FREGUÊS HABITUAL DO BAR

(expressão e fala depreciativa)

A FERA poderia falar demais. Revelar os esquemas policiais nos quais está inserido. Muitos oficiais da polícia, civil e militar, estariam comprometidos.



1° CLIENTE HABITUAL DO BAR

(argumentativo)



A FERA estaria infectada pela variante mais letal do H3V, à PUF.



2° CLIENTE HABITUAL DO BAR

(afirmativo)

É certa, a infecção das manchas pretas petróleo.



3° CLIENTE HABITUAL DO BAR

(mostrando-se conhecedor da matéria)



Possui efeito semelhante da versão LBF: aumenta a ira e o furor dos infectados. As políticas estão à espera que ele morra, sem que se arrisquem a caçá-lo.



2° CLIENTE HABITUAL DO BAR

(tentando um diálogo sério)



Eles não são páreo para “A FERA”. O filme de hoje da “TV-Full-Time” mostrou a violência incontrolável dos infectados pertencentes à gang da FERA. E as tentativas inúteis dos esquemas policiais em prendê-los.



1° CLIENTE HABITUAL DO BAR

(ampliando as informações sobre o bando)



Todos os membros do bando estão infectados pelo vírus PUF ou pelo vírus LBF, das manchas cor laranja. Os sintomas são semelhantes: patologia comportamental neura, com tendência a surtos psicóticos com grandes manifestações de violência.





127) INT. SALÃO DE BELEZA NO BAIRRO DOS JARDINS — DIA/NOITE



RODRIGO, VULGO “A FERA”

(fala com seu sócio no salão NANDO´S. Dois de seus comparsas estão como seguranças na porta interna do salão e outros três na calçada da Oscar Freire)



NANDO KAMURAÍ

(cuida do cabelo de RODRIGO enquanto uma manicure cuida das mãos, uma pedicura faz as unhas de seus pés)



Sabe o Lewandówsky da Lamborghini? Que carrão, meu deus! Seis meses depois de aparecer com aquelas manchas... Pra mim não eram laranjas, eram amarelas, juro que eram amarelas... Parecia uma múmia sem as gazes...



RODRIGO

(faz cara de poucos amigos)



NANDO KAMURAÍ

(sem desconfiar do incômodo que está causando)



Essa gente querido, é cheia dos exageros, como é que um cara que saiu de Parelheiros morou em Gauianases, era chefe do tráfico em Capão Redondo... Precisava se exibir num dos carros mais caros do mundo? Quando a Polícia Federal chegou na cobertura dele no Jardim América ele já estava vestido no paletó de madeira. Só depois do Lewan ter virado poeira a polícia foi bater na porta do apartamento dele...



RODRIGO

(veramente enfurecido)



NANDO KAMURAÍ

(crente que está abafando!)

Cinzas, queridinho, cinzas. Quando o cana levantou a mão do Lewan no meio do velório “chic”, cheio dos canapés e whisky´s, os dedos, os braços, a careta virou carcaça, cinzas, quridinho, tudo CINZAS! Que horror...



RODRIGO

(sem esconder a irritação olha com iminente ímpeto de cometer um malefício contra seu sócio e cabeleireiro)

NANDO KAMURAÍ

(mostrando-se demasiadamente serelepe)



Você devia de estar lá, meu bem. Foi um espetáculo digno de uma ópera no Municipal... Horrível, horrível, você ia querer ver o corpo da bicha se desfazendo na frente dos olhos. Isso é muito mais engraçado do que as fanfarras do Ratito, as molecagens do Paniquitos na TV, as gracinhas da Galeguinha, ou esses programas de humor tipo o Esquadrão da Morte dos polícias do Tomy Cavalcântico.



RODRIGO

(faz uma careta de ódio, a pele da face treme incontrolável, os olhos saltam das órbitas)



NANDO KAMURAÍ

(quer continuar, mas é interrompido bruscamente)



O “Boletim Científico” do Programa da Helleana, o besteirol do “Matinê da Tarde” do Danigentílico...



RODRIGO

(o sangue subiu às faces, a careta vermelha de ódio, as mãos fechadas com extrema afetação nos gestos. Controlando-se ele fala):



Pára com essa merda pôrra! Tá tirando sarro com minha cara? Vai buscar um Logan`s com bastante gelo, malamada, ON THE ROCKS, bastante rocks de gelo, entende? Duplo, no copo de papai Noel.





128. INT. SALÃO DE BELEZA NO BAIRRO DOS JARDINS — DIA/NOITE



NANDO KAMURAÍ

(apressando-se aflito)



Calminha bem! Com tanta sede assim? Credo! Tem feito jejum de fermentados? — Afastando-se com afetação, NANDO KAMURAÍ dirige-se à copa-cozinha do salão.



RODRIGO

(RODRIGO avalia no dedo polegar da mão esquerda se o fio da navalha está afiado. Está doidão, e não é de batida de limão. Aperta a lâmina na ponta do dedo e desce o fio afiado da navalha em direção transversal às linhas da palma. A lâmina abre um rego da ponta do polegar à base do dedo mindinho. O sangue jorra abundante).



(Ele envolve a mão numa toalha após apertar a fivela do cinto no pulso. O vermelho do sangue brota dos cortes abertos em três prolongamentos articulados das fibras nervosas. A FÚRIA atinge o carpo, o metacarpo e as falanges da própria mão).





129. INT. SALÃO DE BELEZA NO BAIRRO DOS JARDINS — DIA/NOITE



NANDO KAMURAÍ

(gracioso e irrequieto ainda pensa estar agradando)



(RODRIGO lança NANDO KAMURAÍ sobre a cadeira de barbeiro enquanto enfia garganta abaixo o polegar molhado de sangue. As axilas da vítima se abrem sob a pressão da mão direita de RODRIGO entre os maxilares de NANDO KAMURAÍ).



(O sabor salmoura do plasma sanguíneo frio e travoso provoca exaustivo e exasperado esforço do cabeleireiro de tirar o dedão do furioso antagonista das profundezas de sua garganta. O céu da boca ferido e as bochechas, pelas unhas compridas do agressor. A contaminação viral provavelmente vai acontecer).



RODRIGO

(em dissoluto surto psicótico provocado por doses excessivas de ingestão na veia de injeções de cocaína pura, RODRIGO provoca o afastamento das pessoas em redor. O medo e a curiosidade delas as fazem querer sair do salão e ao mesmo tempo ficar olhando os desdobramentos da agressão covarde. Dois seguranças de RODRIGO impedem que saiam do salão)



NANDO KAMURAÍ

(desesperado tenta desvencilhar-se da disposição destrutiva da FERA)



Socorro, socorro! Alguém me ajude! — Mas, quem poderia ajudá-lo? Todos transformados em cordeiros balindo pela boca berros de temor!



(A confusão se estabelece. Os clientes correm e gritam enquanto são esbofeteados pelos seguranças de RODRIGO que os incita a calar as bocas).



(A garota de short ao lado, modelo do “Studio Twin WW”, cliente contumaz do salão e atriz de uma famosa emissora de TVvisão, morde o polegar de RODRIGO enquanto ele puxa o dedão para fora dos dentes cerrados da moça).



RODRIGO

(sorridente e exultante)

Filha da puta! Gostei disso! Potranquinha geniosa, hein? Vamos lá! Reage! Esperneia. — Enquanto puxa em direção aos pés o short da moda da moça, ele canta uma musiquinha que voltou às paradas de sucesso no rádio: “bom-bom-bom-shi-bom-bom-bom... “Fazer amor de madrugada... Amor com jeito de virada...”.



RAQUEL, MÃE DA MOÇA

(desesperada, ela tenta impedir o estupro, mas os seguranças a impedem)



RODRIGO

(muda de tom, do pop afetado para o ritmo de bolero)



Cêcibom! Lárálálárálá! Laralalaralá! — Ao virar a garota pelos avesso, os glúteos da bunda aparecem, assim como os pentelhos da púbis da modelito. O pênis busca penetrá-la por trás, enquanto RODRIGO, outra vez muda o tom da canção:





130. INT. SALÃO DE BELEZA NO BAIRRO DOS JARDINS — NOITE



GAROTA MODELO

(a mocinha debate-se inutilmente enquanto é violentada pelo marginal. A mãe vai acudi-la mas leva um sopapo no rosto e cai estrepitosamente a derrubar cosméticos e cadeiras, indo bater com a cabeça num espelho de parede quebrando-o)



RODRIGO

(cantando em tom de bolero)

Alguém como tu, assim como tu, eu preciso encontrar... Alguém sempre meu, de bumbum como o teu, que me faça sonhar... Em seguida volta ao ritmo frenético da musiquinha: “shshshisisihshs bom-bom-bom, meu bombomzinho”!



SEGURANÇAS DE RODRIGO

(eles fazem um rapa nas bolsas, relógios e demais pertences dos clientes. As armas assustam a todos que preferem ficar à mercê dos bandidos)



(RODRIGO olha em redor do salão com o rosto transtornado pelo delírio e a sensação enganosa de poder de vida e morte que exercita para com os clientes do salão de beleza. Seu olhar fixa-se numa atriz que fez sucesso como a estrela de novela da Globo quando essa emissora tinha audiência no chamado “horário nobre”. Anteriormente ao advento da “TV-Ghost”).



RODRIGO

(pressiona a cabeça da ATRIZ contra um pôster de um roqueiro que maneja a guitarra para a frente e para cima como se estivesse realmente tirando sons do instrumento. No pôster o roqueiro abre bocarra permitindo que seus fãs visualizem pronunciados caninos dos quais pingam sangue. O cartaz faz propaganda de um evento de música pop/rock)



(O salão de beleza virou um pandemônio. Os seguranças de RODRIGO, ajudados por cabeleireiras coagidas a cheirar e fazer acontecer uma ao lado da outra, carreirinhas de coca por sobre a superfície espelhada do peitoril que circunda toda a extensão das poltronas de atendimento individual aos clientes, forçava todas as pessoas a aspirar a droga sob ameaça de agressão).



ATRIZ DE NOVELA

(desafia o olhar do agressor encarando-o)



(O sangue havia se distribuído por todas as partes da roupa de RODRIGO. A mão talhada pressionava o queixo da mulher que se mostrava excitada com o movimento pendular da cabeça acompanhado, lado a lado do rosto por extensas lambidas com a parte dorsal bastante desenvolvida da língua. A ATRIZ exultava em êxtase carnal. Seu dorso sobre uma mesa molhado por cosméticos espalhados pelo corpo, permitia a visualização das manchas amareladas dos infectados pelo vírus LBF).



131. INT. SALÃO DE BELEZA NO BAIRRO DOS JARDINS — NOITE



(Uma das pedicuras pressionada pelas pessoas que tentam sair do salão de beleza aproxima-se de RODRIGO e consegue tirar do bolso da jaqueta dele o controle remoto que abre a porta de ferro trancada em meio à escada que dá acesso à grande sala do salão. RODRIGO, ocupado em transar de modo possesso com a ATRIZ, nem se importa ao ver o controle sendo subtraído do bolso).



(Após acionado o controle remoto, a lingueta da fechadura automática salta do nicho. A porta se abre e as pessoas próximas correm para fora do salão. Os seguranças sobem a correr a escadaria avisando a RODRIGO que as viaturas da polícia estão prestes a chegar).





132. INT. SALÃO DE BELEZA NO BAIRRO DOS JARDINS — NOITE



(Os policiais tomam de assalto o salão de beleza quando não há mais ninguém nele, exceto algumas pessoas intensamente perturbadas, feridas, algumas a chorar, outras seminuas. Os policiais fazem o trabalho de coleta de indícios e digitais).





133. INT. APARTAMENTO. QUARTO DE ADOLESCENTE — DIA



(A garota de shortinho que havia sido violentada por RODRIGO, meio atordoada pelos analgésicos encontra-se em seu quarto de dormir semidesperta. Os olhos estão meio intumescidos. Ela fixa o monitor sintonizado no filme do dia da “TV-Full-Time”. Nele aparecem os policiais fazendo seus trabalhos no ambiente devastado do salão de beleza).





134. INT. QUARTO DA ADOLESCENTE VIOLENTADA — DIA



ADOLESCENTE VIOLENTADA

(ela observa no monitor da TV o filme “full-time” do dia no Canal-Virtual da “TV-Ghost”)



1ª CRIANÇA NA TELINHA DA TV

(como se estivesse falando apenas para ela)



ELES fazem de conta que não sabem que essa ficção que ELES vivem é a realidade que ELES estão a perpetuar desde os tempos das tribos paleolíticas.



2ª CRIANÇA NO MONITOR DA TV

(ampliando o diálogo com ela)



Amanhã os jornais vão noticiar a realidade dos paradigmas comportamentais que se prolongam desde a idade da pedra lascada. ELES continuam a fazer de conta que não sabem ser os responsáveis por essa realidade troglodita.



3ª CRIANÇA

(buscando compreensão)



ELES dramatizam a pulsão de morte em tudo que fazem: nos filmes, nas novelas, nos jogos, nas igrejas, nos clubes, nos vários tipos de entretenimento. O desejo DELES é fazer com que a pulsão de morte se estabeleça. Dessa forma justificam a dominação, a invasão de países, o terrorismo, as guerras, a violência urbana diária.



1ª CRIANÇA

(continuando o diálogo com ela)



Horror! O horror de Rama!! Horror e medo!!!: ira, raiva, agressão, mentiras, ressentimentos... Raquel chora seus filhos, nada a consola porque já não existem. São apenas as consequências nefastas de seus atos.





135. INT. QUARTO DA ADOLESCENTE VIOLENTADA — DIA



ADOLESCENTE VIOLENTADA

(ela, curiosa, senta-se na cama, não tira os olhos do monitor no canal da TV-Ghost)



(Na telinha aparece no salão de beleza os policiais dando sequência aos procedimentos técnicos da perícia).



4ª CRIANÇA

(como se a conversar com ela)



Repetem como robôs as mesmas pulsões geradas nas cavernas do convívio emocional da pré-história. Fazem a pulsão de morte acontecer porque pensam levar vantagem, ter lucros. ELES realmente não sabem o que fazem. Nem querem saber que não sabem.



(As imagens da perícia policial no salão de beleza aparecem na telinha enquanto pano de fundo do discurso das crianças).



1ª CRIANÇA

(mais íntima dela, adolescente violentada. A garota presta atenção nas CRIANÇAS e um laivo de esperança parece brotar de seus olhos, de suas faces tungadas)



Estão sabendo de tudo todo tempo. O paradigma emocional do mundo é a ignorância camuflada de saber ególatra. Cada qual supostamente sabe mais do que o outro e quer aparecer a esconder sua intenção egoísta.



5ª CRIANÇA

(a empatia se faz total, e a garota violentada é, ao mesmo tempo, a 5ª CRIANÇA a falar no monitor da “TV-Ghost” traduzindo-se telepaticamente)



Omemenenusuinxastthhkenicansjsh...



(“ELES são os anjos do inferno do caos e da indiferença. Quem se importa? — Nenhum deles”).





136) INT. SALA DE REUNIÃO DE EMPRESA — DIA



(HELIO e a filha CARLA estão sozinhos na sala de reunião. Ele deseja convidá-la a almoçar. Mas, ao contrário de dizer isto a ela, entra sempre em outros assuntos. Ele quer dizer que deseja diminuir a distância entre pai e filha, mas não consegue):



(HELIO vê a filha sair da sala de reunião e, de coração aflito, comenta de si para consigo: “Eu queria apenas almoçar com ela”).





137) EXT./INT. PATIO INTERNO DO COLEGIO DANTE ALIGHERI EM SÃO PAULO — DIA



(Um zelador de disciplina (monitor) do colégio Dante está, furtivamente, gravando a conversa de um grupo de adolescentes).



(Observado por uma jovem que, ao passar por ele, nota a intenção do mesmo na proximidade do grupo. E avisa os colegas de que estão sendo gravados).





138) INT./EXT. PATIO INTERNO DO COLEGIO DANTE ALIGHERI E SALA DO DIRETOR — DIA



(O monitor entrega um aluno a outro diretor de disciplina que o conduz à sala do diretor onde começa a ser pressionado a falar sobre algo).





139) INT./EXT. PATIO INTERNO DO COLEGIO DANTE ALIGHERI E SALA DO DIRETOR

JOVEM ESTUDANTE

(que há poucos momentos se aproximara do grupo de colegas, diz):



A conversa está sendo gravada. Vocês estão falando em linguagem comum, zeenoshri, pelllinngfressshhhisthoTHnn.



ALUNOS

(Através de sibilos começam a se comunicar)



Hossshissthillhunddss. Zhonsnsnsnkhissyt.



(As faces transmitem aquela mesma expressão de absoluta isenção sensitiva. Os cantos das bocas movem-se quase que imperceptivelmente).





140. INT. SALA DO DIRETOR DO COLÉGIO DANTE ALIGHERI — DIA



(A CRIANÇA na sala é pressionada a falar sob ameaça do DIRETOR de chamar seus PAIS. As ameaças vão num crescendo até dizer que pode ser expulsa do colégio. A CRIANÇA concentra-se fixando os olhos no olhar ameaçador do adulto. A MENINA emite um zunido quase inaudível).



(O DIRETOR leva as mãos aos ouvidos. Protege-se de algo que não vê, mas causa grande incômodo mental. O nariz do HOMEM começa a sangrar, e a poltrona de rodas desliza em direção à janela. Seus olhos estão excessivamente irritados e vermelhos. Os cantos da boca da MENINA se deslocam levemente para os lados).





141. EXT. AEROPORTO DE GUARULHOS — NOITE



(ROSSI LEE e ADRIANE aguardam o voo para Cuiabá conversando na mesa da lanchonete):



ADRIANE

(indagativa)



Esse NORTON, qual é a dele? Sinto que ele não é nem um pouco confiável. Apesar da aparência em contrário.



ROSSI LEE

(reservado)



O cara é aventureiro. Por trás dele há, talvez, a CIA, o Departamento de Estado americano. Vai saber? Aparentemente deseja explorar uma cidade dita subterrânea. E voltar para contar a proeza. Há mais coisa por trás desse “véu de Maia”.



ADRIANE

(sorrindo)



Você acredita mesmo nesse folclore de cidade perdida? Expedições que sumiram na selva?



ROSSI LEE

(sorri também)



Vai saber ao certo?! Sair da rotina do jornal para mim já é motivação considerável. Mas, para onde foram os soldados nazistas que desembarcaram na Amazônia antes do começo da II Grande Guerra?



ADRIANE

(curiosa)



Por que um jornalista, uma fotógrafa brasileira? Que garantia temos de voltar? Nessa Expedição há algo muito nebuloso!



ROSSI LEE

(irônico)



Você tem algo melhor para fazer? Montanhismo também não tem garantias. Que alpinista sabe ao certo se vai voltar numa excursão pelo K2, ou em direção ao cimo do Everest? Que tempo vai fazer? Haverá avalanches? A vida é incerta. Você gosta de uma aventurazinha, não é?





142. EXT. ESTADO DE MATO GROSSO. ÁREA LIMITE ENTRE CUIABÁ E A CHAPADA DOS GUIMARÃES — DIA



(ADRIANE fotografa as belezas naturais da área conhecida por “Portal do Inferno” na paisagem limite dos municípios de Cuiabá e da Chapada dos Guimarães. Ela conversa com ROSSI LEE sobre o “corredor eletromagnético BIVAC”. A câmera acompanha a incursão aérea da fotógrafa pelo Mirante Geodésico, de dentro de um bimotor com capacidade para 4 passageiros).



ROSSI LEE

(enquanto filma ADRIANE)



Essas fotos da Lagoa Azul, a caverna “Aroe Jari” (“Morada das Almas”) documentam a primeira etapa da “Expedição Norton”. Até aqui tudo bem. E a proibição dos estrangeiros em terras indígenas?



ADRIANE

(sem parar de fotografar)



A Expedição obteve autorização do Ministério da Justiça, e deferimento do Ministério da Defesa. O NORTON se associou ao jornal para facilitar os trâmites burocráticos e jurídicos. Abrir as portas do Xingu para a Expedição, sem muitas delongas.



ROSSI LEE

(afirmativo)



O cara é “milongueiro”. Muita manha na lábia.





143. INT. DO AEROPLANO. EXT. PAISAGEM. MORRO DE SÃO JERÔNIMO — DIA



(ADRIANE pede ao piloto que volte. Ela quer fotografar um cara que está posicionando-se numa borda de pedra no Morro de São Jerônimo. O avião aderna para a esquerda e refaz o trajeto em meio às serras, a tempo de flagrar o homem lançar-se no espaço a 900 metros de altitude. ADRIANE observa o “paraglider” precipitar-se no espaço. E planar em direção ao solo).





144. EXT. PAISAGEM/INT. CARRO. ESTRADA — DIA



(A picape Xavante roda em direção à cidade de Paratinga. Nela estão ADRIANE, ROSSI LEE e o índio guia UIRÊ. E um carona, XAMÃ KAPOGI).



UIRÊ

(advertindo)



Estrada não muito boa. Viagem longa. Até lá, Igapi (chuva miúda).



KAPOGI

(cantando a bola)



Posto Simão Lopes não muito longe. Chegar tarde da noite em hotel Paranatinga.



ADRIANE

(dirigindo-se a ROSSI LEE)



As reservas estão valendo no Danúbio Palace.

ROSSI LEE

(supostamente cochilando)



Isso mesmo. Norte do Mato Grosso. — Esse “clima tropical” a 460 metros acima do nível do mar.



ADRIANE

(absorta)



A turma do NORTON deve estar por lá.



ROSSI LEE

(entreabrindo os olhos vê raposas pretas e malhadas que cruzam a estrada em frente ao carro).





145. INT. RESTAURANTE DO HOTEL — DIA



KAPOGI

(aproximando-se da mesa onde se encontra NORTON)



Expedição não pode seguir. Caciques não querer. Senhor precisa falar com Brasília. Indio YURUQUÁ muito influente no Xingu. Ele está em Brasília. E é o diretor geral do Parque. Sem ele tudo parou. Não há Expedição!





NORTON

(falando pelo videofone)



Senhor YURUQUÁ, temos um trabalho a fazer dentro de um prazo. A Expedição não tem propósitos comerciais.



YURUQUÁ

(no videofone)



Os caciques do Xingu sempre temos propósitos comerciais, sr. NORTON. Reuni-los leva tempo...



NORTON

(contendo a irritação)



Essa Expedição inclui interesses dos povos da Floresta.



NORTON

(de si para consigo)



“A verdadeira natureza dessa Expedição nenhum de vocês nunca vai saber. Nunca mesmo! O fato de direito vai para os arquivos secretos do governo”.

YURUQUÁ

(irredutível)



Interesses da Floresta sabemos defender, senhor NORTON. Os seus interesses certamente não são os nossos. Mas isso o senhor nunca vai dizer.





146. INT. QUARTO DE HOTEL — DIA

(O casal de jornalistas brinda em homenagem à continuidade da Expedição. ADRIANA mostra-se sedutora. O corpo sob o jeans ginga sensual sob a atração do olhar atento de ROSSI LEE).



ROSSI LEE

(confiante na Expedição)



Chegamos até aqui. Certamente não vamos morrer na praia.



ADRIANE

(no mesmo tom atrevido)



Os gringos com certeza têm como resolver o impasse. Qualquer contratempo deve está na agenda do NORTON.



ROSSI LEE

(determinado)



Grana! Índio quer grana. Índio não quer apenas apito, espelhinhos, colares de vidro. Índio quer mais que bugigangas.

ADRIANE

(afirmativa)

Sem verdinhas o Portal do Xingu vai se fechar para NORTON. Algo me diz que a Casa da Moeda vai estar aberta para os caciques. E o Portal do Xingu vai se abrir de novo.



(A bunda e os gestos de ADRIANE ganham um molejo voluptuoso aos olhos seduzidos de ROSSI LEE. De repente os seios e a cintura dela assim como os gestos e a tonalidade da voz, ficam cheios de graça. Provocantes!).



ROSSI LEE

(aproximando-se dela acaricia os glúteos)



(Os dedos dele passeiam suaves, mas decididamente, por sobre as linhas laterais das coxas. Continuam a descer em direção à parte posterior da fossa ilíaca esquerda, acompanhando com a ponta dos dedos o vinco entrevisto no interior da calcinha de rendinha amarela transparente).



(ADRIANE realça os seios frente às faces excitadas de ROSSI LEE. Ele logo mergulha a língua na greta entre eles, concentrando-se a ponta da língua na curvatura que separa os mesmos. Estica os lábios em direção à rosácea da mama esquerda e começa a sugar de uma forma ao mesmo tempo delicada e selvagem).



(O casal mergulhado nos lençóis intensifica a malhação erótica no vai-e-vem dos quadris. A câmera afasta-se aos poucos enquanto se intensificam os gemidos e sussurros da mulher sob a influência de um longo e gradativo orgasmo).



147. EXT. INT. HELICÓPTERO — DIA



YURUQUÁ

(entrando no helicóptero, enquanto conversa com NORTON)



Reuni-los, leva tempo. E dinheiro. O senhor manda buscar caciques para a reunião no Posto Leonardo. ARITANA influente. Ele vai fazer sair a permissão de entrada nas terras Kalapalo.



NORTON

(põe uma pasta de mão sobre os joelhos)

A autorização precisa sair amanhã. Os recursos dessa Expedição são limitados. Há um cronograma a cumprir.



YURUQUÁ

(confiante e persuasivo)



ARITANA lidera outros caciques. O que conseguir com ele vale para LOKAJARA e AFUKARAN, líder dos Kuicuros. Eles decidem descida pelo rio, passando pelas aldeias. Assembleia dos caciques fácil de reunir com helicóptero trazendo todos para o local da reunião.





148. INT. QUARTO DE HOTEL — DIA.



(O casal serve-se do café da manhã).



ROSSI LEE

(desconfiado e curioso)



Por que realmente essa incursão pelos subterrâneos da Serra do Roncador? ANIBAL NORTON é muito determinado para ser apenas um aventureiro em busca de emoções tropicais.



ADRIANE

(a confirmar suas dúvidas)



Certamente esse grupo não tem a performance de malucos em busca do tesouro dos incas.



ROSSI LEE

(explorando possibilidades)



Diz o folclore que os sacerdotes incas mantinham contato com a tribo subterrânea dos “muito antigos”. E os 110 lhamas carregados de ouro inca sumiram, como por mágica, da vista dos olheiros de Cortez.



ADRIANE

(estalando a língua em muxoxos interrogativos)



Em 12/09/63, nas encostas orientais dos Andes, a 2440 metros, foram encontrados ossadas não humanas na cidade de Gran Pajaten.



ADRIANE

(após fazer uma pausa)



As ossadas revelaram vestígios de Entidades Biológicas Extraterrenas. “EBEs”. Eu também li uma cópia do “Arquivo Jângal”.



149. INT. RESTAURANTE DO HOTEL — NOITE



HERMANN

(falando em iídiche)



Os impasses estão solucionados? A cronologia vai estar nos prazos?



VASSARI

(em língua germânica)



NORTON é um negociador nato. Esses caciques como passarinhos vão comer alpiste na mão dele?



HERMANN

(a expressar aprovação)



Comendo verdinhas na mão dele. Com esse tipo de comida de passarinho tudo se resolve. De avião ou helicóptero, ele vai reunir os caciques. Buscá-los onde estiverem. O cronograma não pode sofrer atrasos.



VASSARI

(em concordância)



Toda aldeia tem uma pista de pouso bem conservada. As tribos não permitem a entrada de ninguém no Xingu sem acompanhamento. NORTON vai se descartar da comitiva nativa.



HERMANN

(exultante)



Mais grana em troca de nenhuma companhia indesejável.



VASSARI

(esboçando um sorriso na carranca)



O que eu quero dizer é que é sempre um erro agir fora de seu próprio padrão. Ele vai sempre saber como levar vantagem.





150. EXT. CLAREIRA NA SELVA — NOITE



(Numa clareira aberta na selva um Xamã dança e canta num ritual mágico solitário).





151. EXT. HELICÓPTERO SOBREVOA A LAGOA DO BURITI NO ALTO XINGU. POSTO LEONARDO — DIA SOLAR



(NORTON olha para baixo. Vê o grande pântano de águas cristalinas, cheias de palmeiras buritis e peixes, dos quais se destaca o tucunaré. A vegetação do fundo do lago (pântano) se revela claramente, como se não houvesse água na superfície. O calor levou alguns membros da tribo kuicuros a banharem-se nas águas).



YURUQUA

(dirigindo-se a NORTON)



Há índios kalapalos armados com carabinas e espingardas. Eles querem pagamento igual ao que você pagou aos kuikuros para obter autorização de entrar no Xingu.



(Enquanto o helicóptero desce YURUQUA aponta um barco próximo à margem da lagoa, onde estariam índios com revólveres calibre 38 nos coldres cheios de balas).



YURUQUA

(advertindo)



A situação é grave. Vai haver conflito. ARARAPAN, chefe do Posto Leonardo, comanda os índios nos barcos que fechavam as saídas ao longo do rio, enquanto outros grupos, também armados, ocuparam a fazenda Sayonara (“flashback” das ocorrências).



NORTON

(a simular apreensão)



O pessoal da Expedição vai descer de barco...



YURUQUA

(realmente apreensivo)



Eles vão estar de tocaia em trechos dos rios Buriti, Culuene e Curisevo. Por onde quer que venham estarão sendo vigiados por índios bem armados.



NORTON

(decidido)



ARARAPAN quer reunir todos os caciques no Posto Leonardo. Diga que estarei lá para resolvermos os conflitos de interesses.





152. ALDEIA KUICURO. ALTO XINGU — DIA/NOITE.



(No Posto Leonardo NORTON olha um monomotor aproximar-se da pista de pouso).



NORTON

(falando com YURUQUA)



ARITANA vai resolver todos esses problemas.



(O avião pousa. A porta do monomotor abre e o primeiro a sair é JACALO. Ele está nu e pintado com tintura vermelha de urucu).



JACALO

(aflito, dirige-se ao grupo à margem do rio)



Muita confusão. Muito problema. Ele monta numa bicicleta e começa a pedalar muito depressa, seguido pelos demais índios CONCA, GALVÃO, MURICY, BATISTA e NEYMAR.



MURICY

(exercendo liderança)



Vocês não têm em que pensar. Pensar nada. Vamos sair daqui imediatamente. Entrar no avião. Sem mais nem menos.



NEYMAR

(como quem incita conflito)



O contrato está desfeito. Kalapalos não de acordo com Expedição. Assembleia não mais acontecer. Acabou Expedição.



(Ao chegarem ao agrupamento MUNHOZ E RENÊ vêm ao encontro deles. Após rápida troca de palavras, acenam para ARARAPAN).



ARARAPAN

(armado e muito agitado)



(Ele atrai a atenção dos outros índios que começam a caminhar rápido em direção ao avião)



ARARAPAN

(grita, dirigindo-se aos demais)



Estou cumprindo ordens. Vou levar todo mundo de volta.



(O PILOTO do monomotor prevendo um sequestro começa a taxiar. Índios surgem de todos os lados e seguram as asas do avião, alguns sobem nelas, impedindo o piloto de fazer a aeronave alçar voo).





153. ALDEIA KUICURO. ALTO XINGU — NOITE



IURUQUÁ

(para NORTON)



Acerte as coisas com ARITANA. O convite dos kuicuros e a autorização da Funai vão manter a Assembleia valendo e resolver esse mal-entendido.



NORTON

(a manipular o iPad)



IANACOLA está vindo de Brasília. A Assembleia estará reunida amanhã ao entardecer.



IURUQUÁ

(otimista)



Para tudo tem solução. Só não para a morte. A Expedição vai descer o rio de barco. Depois de amanhã estará aqui. Em tempo de assistir ao ensaio do Kuarup na aldeia dos kuicuros.



NORTON

(falando para IURUQUÁ)



Autorize o PILOTO a distribuir as bagatelas e os presentes para os nativos.



IURUQUÁ

(falando aos nativos das nações aueti, iaualapití, mehinaco e trumaí):



Barco vai vir com muitos presentes. E alimentos para todos. Vai haver fartura quando a Expedição chegar. Só mais um dia. Vai ficar tudo bem.



(Os índios em pé de guerra se acalmam. Os contatos de NORTON com a burocracia da Funai em Brasília estão em andamento).

154. EXT. CLAREIRA NA SELVA — NOITE



(ADRIANE e ROSSI LEE visualizam o ritual de xamanismo. O casal de jornalistas e os homens de NORTON não conseguem se enturmar).



NORTON

(aproximando-se de HERMANN E VASSARI)



Amanhã estaremos chegando ao Posto Leonardo pelo rio Tuatuari.



ROSSI LEE

(espreitando-os de longe)



A grana está atuando. — (fixando o grupo de NORTON) — Ele já deve ter solucionado os impasses.



TACUMÃ

(cacique kalapalo, apontando o dedo em direção aos homens de NORTON)



Vocês não deviam ter vindo até aqui. EKEWAKA dizer não boa presença de vocês. Vocês têm que ir embora e deixar tudo que trouxeram: motor, roupas, relógios, gasolina, barco. Carro. Tudo... (ele falava em dialeto).



KOTOK

(filho de TACUMÃ chefe dos kamaiurás aproxima-se, conciliador)



Tudo vai se resolver. Ônibus saiu de Brasília para Canarana com pessoal que vai apaziguar tudo. Essa Expedição tem boas intenções. Documento da Funai logo vai chegar. Presença de Expedição no Parque está consentida.



TUCUMÃ

(ameaçador)



Se não deixarem todos os pertences serão despidos e surrados de borduna.



KOTOK

(dirigindo-se ao pai que incitava dezenas de índios à agressão)



Vamos ganhar muito mais se esperar a chegada do bimotor vindo de Brasília.



ROSSI LEE

(à certa distância comenta)



A política dos índios não difere da política dos brancos de Brasília.



ADRIANE

(vendo que a pressão diminuíra)



O poder de barganha do filho do cacique parece ter funcionado. Pelo menos até amanhã.



ROSSI LEE

(em tom sarcástico)

NORTON deve ter apresentado Benjamin Franklin aos caciques (fazendo alusão às notas de cem dólares).





155. EXT. TRAJETO DE LANCHA ATÉ PORTO LEONARDO — DIA/NOITE



(HERMANN BREED mostra uma habilidade incomum na direção de proa do barco. A paisagem Amazônica em todas as direções revela uma beleza selvagem, dinâmica, impressionante).



(ADRIANE olha extasiada para o fundo das águas por sobre as quais a lancha avança. A limpidez delas permite a visualização de exemplares da flora e da fauna desse fantástico labirinto fluvial selvático e pantanoso).



(Ao percorrer paisagens de uma beleza inusitada a lancha aproxima-se veloz do píer de Porto Leonardo. Atraca. Nativos aproximam-se curiosos em busca ávida de presentes).



ADRIANE

(para ROSSI LEE)



NORTON abriu o portal do Parque. A força do “Arquivo Jângal” de VOLTAIRE está aqui. Posso sentir que há mais do que ficção nas revelações do “Arquivo”.



ROSSI LEE

(gesticulando braços e mãos para os lados)



O que há de realidade nesse texto se poderá comprovar em breve. É para isso que estamos aqui. A cidade subterrânea existe mesmo? Ou é apenas folclore?



(ROSSI visualiza na parte posterior da mochila de ADRIANE a ilustração de capa do livro HOLOCAUSTO NUNCA MAIS (PSI CITY) que se faz presente por sob a tela transparente que cobre o nicho externo da mochila).



(ROSSI ouve nitidamente uma voz que segreda, como se articulada somente para seus ouvidos (“voice over”): “Você não teria a quem dizer estar a fazer parte do grupo terminal do último casal habitante da Terra”).



(ROSSI LEE olha para os lados, para cima, para baixo, como se buscando o lugar de onde pudesse identificar ter vindo a estranha mensagem auditiva).





156. EXT. TRILHAS NA SELVA. DIA



(A Expedição NORTON progride em seus caminhos selva Amazônica adentro. A progressão dos personagens rumo ao objetivo de achar a entrada desconhecida para a cidade subterrânea dos Anciãos lemurianos).



(As imagens mágicas da dança solitária do xamã EKEWAKA, presenciada por ADRIANE e ROSSI LEE nas proximidades do Posto Leonardo se misturam à subjetividade excitada dos mesmos, enquanto vencem as trilhas na selva, estimulados pelo contato próximo com os ruídos, os sons, as metáforas plásticas e telúricas do vento nas árvores, rugidos das onças, o voo das aves noturnas. A lascívia estimulante do ambiente selvagem. Amazônico).



157. EXT. ACAMPAMENTO NA SELVA AMAZÔNICA — NOITE



(Após horas de intensa e por vezes incômoda romaria, as mochilas descem dos troncos. Arranjos estão sendo feitos. Rapidamente o acampamento é montado. HERMANN e VASSARI armam armadilhas em volta. Uma fogueira arde escavada sob a superfície. ADRIANE E ROSSI LEE estão ao lado nas tendas improvisadas. NORTON espia os arredores do “camping”).





158. EXT. ACAMPAMENTO NA SELVA AMAZÔNICA — NOITE



ADRIANE TAUIL

(olhando em volta)



Percebe? Há uma energia estranha permeando esse lugar.



ROSSI LEE

(questionando a opinião da fotógrafa)



Cansaço, tensão, ansiedade, devem ser a causa dessa sensação. Realmente estranha! Não se permita acalentar por ela.

ADRIANE

(admirando-se)



(Ela vê um menino, uma criança enorme entre a folhagem na mata, observando-a).



ROSSI LEE

(circunspecto)



Esses subterrâneos Amazônicos mencionados no Arquivo Jângal fazem parte da mesma cultura que construiu a necrópole do sítio arqueológico em Gran Pajaten... Terão terraços, escadarias e dezenas de hectares com decoração de seres e animais incomuns?



ADRIANE

(afirma e contesta a fala de ROSSI)



Gran Pajaten está a 2.440 metros de altitude andina. Há menção de quantos metros estão os mosteiros subterrâneos? Quem os construiria? Com que finalidade?



(A conversa do casal de jornalistas de quando em vez se esquiva em súbitas observações em direção aos arredores. A atenção dirige-se, subitamente, a ruídos rumorosos e muito apressados na mata em volta).





159. EXT. PATAS SE AGITAM EM DIREÇÃO DO ACAMPAMENTO — NOITE.



(A vegetação a apenas um quilômetro próxima a eles está sendo pisoteada pelo tropear de animais raivosos. Os sons ofegantes, saídos de gargantas e bocas ansiosas. Não são exatamente nem bramidos, nem uivos nem latidos, emitidos por animais coléricos que, rapidamente parecem dirigir-se ao local onde a Expedição está acampada).





160. EXT. CLAREIRA. PROXIMIDADE DAS TENDAS — NOITE



ROSSI LEE

(nota a inquietação da fotógrafa)



É normal. Roedores, predadores noturnos de pequeno porte. Fugindo de um predador maior.



ADRIANE

(com justificada apreensão, fala)



Sei! Não poucos Ph.Ds em arqueologia afirmaram a nítida presença de uma cultura de “EBEs” de “gigantes ancestrais” em sociedades remotas. Nesses e em muitos outros locais.



ROSSI LEE

(olhando para a selva um tanto quanto cismado)



No “sítio das casas redondas” de Chachapoyas, dos “guerreiros das nuvens” a 2990 metros acima do nível do mar foram encontradas entradas subterrâneas. Longas escadarias. Acredita-se que ninguém nunca desceu até seus últimos degraus.

ROSSI LEE

(os músculos tensionados)



(Interrompendo a narrativa ele olha fixo e atônito em direção a um lugar na selva onde, o que lhe pareceu uma enorme criança, movimentou-se entre a folhagem)



ADRIANE

(ainda apreensiva, ouve outros ruídos na mata)



Esses lugares costumam abrigar os restos mortais da existência fóssil de seres com uma anatomia “EBE”.



ADRIANE

(reportando-se à dança do Xamã quando um menino nativo traduziu as palavras do Pajé quando este, braços e pernas tencionados parou os movimentos e, olhando para o alto exclamou palavras ditas com grande convicção, mas ao mesmo tempo sussurradas)



(A criança nativa traduziu, naquela ocasião, a fala em dialeto havaiano: “EKEWAKA saúda o novo nascimento do bem-aventurado menino guardião dos tempos. Os dias da ilusão findam quando ele vem”).





161. EXT. LUA CHEIA. CLAREIRA NA SELVA — NOITE



(O casal de jornalistas troca olhares desconfiados e apreensivos. Sombras rapidamente saltam de um para outro lugar entre a vegetação mais fechada da floresta. Os membros da Expedição Norton estão sob o olhar selvagem de animais que os fixam sem que eles percebam sua proximidade. Têm a boca entreaberta, os dentes à mostra, a língua para fora e a expressão ofegante. Parecem lobos. A distância os mantêm ocultos. Saem de suas gargantas um ruído feroz e ameaçador. Ao longe se faz ouvir uma espécie de uivo. Alguns desses animais cercam o acampamento de maneira veloz e inquieta).





162. EXT. FOGO CREPITANDO NA CLAREIRA, PRÓXIMO ÀS TENDAS — NOITE

ROSSI LEE

(ele vê que o grupo de NORTON está em prontidão, pegando em armas. Sua voz é um alerta quando se aproxima de ADRIANE)



O “Arquivo Jângal” menciona a semelhança entre esses monastérios e as Viharas, ou monastérios, construídos esculpidos na rocha em Ajanta, Índia, com pinturas de mais de 1.500 anos. Cavernas construídas no século II a.C.



ADRIANE

(apavorada com as armas à mostra pelo grupo de NORTON, ela fala):



Voltaire indicou no “Arquivo Jângal” o site de Thomas Lennon e Jane Weele no Google.





163. EXT. APROXIMAÇÃO DAS FERAS — NOITE



(Os ruídos ao redor voltam outra vez a ser ouvidos. Desta vez mais agressivos, próximos e em maior intensidade).



ROSSI LEE



(olhando, interrogativo, em direção aos ruídos ameaçadores que se aproximam. Ainda distantes)



No Arquivo Jângal os “Anciões” lemurianos são portadores de uma anatomia diferente da humana. Suas cidades subterrâneas seriam iluminadas por fótons à base de oxigênio, nitrogênio, dióxido de carbono e argônio...





164. EXT. AS FERAS INVADEM O ACAMPAMENTO — NOITE



(VASSARI E NORTON empunham fuzis de assalto israelense tipo Tavor-21).



HERMANN

(olha e alisa o fuzil enquanto comenta desafiador)



Lentes de aproximação, visor noturno e designador laser. Vamos! Apareçam!



(Finalmente as feras se permitem ser visualizadas. Elas mostram os caninos lupinos. O olhar de aço e o pelo fino evocam imediatamente antigas memórias aos membros da Expedição).



HERMANN BREED

(apavorado)



Ele berra desafios enquanto aperta o gatilho da metralhadora. As rajadas se fazem ouvir. Atingem a terra próxima ao lugar onde se encontram as feras da alcateia.



(ADRIANE E ROSSI LEE agacham-se, como a se protegerem dos disparos e do ataque das feras. Mas estão atentos, olhando para todos os lados)



VASSARI



(Ele mira uma pistola PT 809 calibre 9 mm apoiada numa das mãos. As mãos são atingidas pela investida selvagem de caninos que ferem seus pulsos devido ao impacto dos sucessivos botes das feras. A arma cai e ele tenta recuperá-la, desistindo de fazê-lo, acuado pela ameaça das gengivas salivantes das quais se sobressaem os dentes mostrando uma ferocidade inusitada. Irreversivelmente ameaçadora).



(As patas pisoteiam as armas e a terra em volta. Outras feras não permitem que as automáticas menores e os fuzis sejam recuperados. Apesar da leveza dos fuzis calibre 5,56 de 3,5 kg e da cadência de 900 disparos por minuto, nenhuma das feras humanas do grupo de NORTON resiste ao cerco dos lobos com dorsos de felinos e seus caninos assassinos que os impede de recuperá-las).





165. EXT. NA SELVA DO ACAMPAMENTO — NOITE



(A “hybris” da irracionalidade dita humana do grupo de NORTON, rendeu-se à “hybris” de uma irracionalidade animal típica de predadores quadrúpedes de impetuosidade pré-histórica: portadores de temível e irresistível inteligência selvática. A alcateia invadiu o acampamento não para lutar e morrer, mas para lutar e matar. Se preciso fosse).



(As feras pareciam saber do potencial mortífero, da paixão pelo aniquilamento do inimigo que dominava suas presas humanas, armadas pela tecnologia mortífera mais moderna. O antagonismo conflituoso do combate foi rápido e decisivo. As feras invasoras venceram. Contra todo presságio das táticas de combate do animal humano. Bravio e cruel).





166. EXT. NA TERRA DEVASTADA DO ACAMPAMENTO — NOITE.

(Os membros da Expedição ameaçam reagir, mas já estão dominados. As feras muito rápidas, com reflexos arcaicos estimulados por qualquer mínima gestual humano, levantam as patas dianteiras e voltam de maneira insistente a fincá-las no chão ao mesmo tempo em que seus corpos acompanham o movimento dos pescoços para os lados e em direção oposta à do acampamento. Em direção à selva fechada).



(Os cães-lobos dão a entender que estão querendo que os expedicionários os sigam. Os cães-lobos têm pressa: avançam e recuam, ameaçadores, e a seguir lançam-se para os lados e torcem a cabeça e o tronco novamente em direção alhures. A indicação possessa de que devem ser imediatamente seguidos. Logo! Rapidamente! A lua em plenilúnio ajuda a visualização das trilhas mal discernidas no chão da selva Amazônica).



NORTON

(apressando-se em obedecer)



Rápido! Vamos! — VASSARI, não reaja! É loucura! HERMANN BREED parece querer ficar na retaguarda, mas é lançado violentamente para frente por um lobo que se lança ferozmente contra suas costas. Ele cai e levanta. Ao levantar é novamente atacado e lançado outra vez para a frente. As roupas rasgadas pelas unhas afiadas.

(Todos súbito, compreendem a intenção da matilha. Ninguém se faz de rogado. Os membros da Expedição NORTON correm, cercados pelos rosnados dos animais da família “canidae”. Não sabem ao certo para onde estão indo. Mas é imperativa a indicação de que têm de seguir a alcateia).



ROSSI LEE

(fixando-se no olhar interno, em direção ao passado remoto)



(Em “flashbacks” um acontecimento muito passado ganha força em sua memória presente. Seus passos em corrida, assim como os dos outros membros da Expedição, se confundem com a correria neolítica de migrantes hominídeos, sobreviventes da Era do Gelo, sendo acossados por lobos famintos e ferozes. Uma grande alcateia de lobos cinzentos e hienas quase consegue exterminá-los. Alguns chegaram ao abrigo em cavernas da savana africana).



(Há muito tempo esses animais comiam apenas raras gramíneas e raízes de raros arbustos. Ao cair, uma mulher grávida fica para trás e os animais simplesmente estraçalham seu ventre e devoram dois embriões (gêmeos) que estavam prestes a nascer. A mulher lembra remotamente Adriane).



ADRIANE

(na corrida com os lobos amazônicos, ela cai)



(As mãos dela se fecham dos lados da cabeça. Sua expressão de medo e horror é evidente. Ela está a viver um medo e um horror também ancestrais. Cai novamente e outra vez levanta sempre muito ágil em prosseguir no caminho indicado pelos lobos amazônicos que a cercam e ameaçam).





167. EXT. PLENILÚNIO. CLAREIRA NA SELVA — NOITE.

(Os membros da Expedição Norton simplesmente são forçados a acompanhar o ritmo selvagem da corrida com os lobos. Eles estão arfantes. Os troncos resistem à respiração ofegante. Os rostos estão cada vez mais intensamente afogueados. Uma curiosidade excepcional toma conta de todos eles. Eles, que sabem estar na trilha certa indicada pelo “Arquivo Jângal” que menciona “os lobos de instinto selvático sobreviventes dos tempos do tigre dos dentes de sabre”).



(Os membros da Expedição se observam. As órbitas dilatadas. As bocas entreabertas. VASSARI, o tronco curvado, apoia as mãos sobre os joelhos. ROSSI LEE, de cócoras, ofegando, a boca aberta, o tronco pulsando rápido. TAUIL deitada na grama, os braços estirados para os lados, os olhos esbugalhados, tenta fazer a respiração voltar ao normal. NORTON arqueja apoiando a mão direita numa rocha. HERMANN, recuperando-se, apalpa o corpo em busca de uma arma).





168. EXT. PLENILÚNIO. CLAREIRA NA SELVA — NOITE



HERMANN

(olhando interrogativo para NORTON E VASSARI)



Nada mal manter o dedo na pinguela. O dedo no gatilho de uma pistola.



NORTON

(persuasivo)



Nesse lugar, se quisessem nos atingir, não teríamos a mínima possibilidade de defesa.



ROSSI LEE

(chegando-se à ADRIANE)



Você sobreviveu!



ADRIANE

(pega a mão dele levantando-se)

Cara, foi horrível! Eu vivi o desespero de outra mulher num tempo muito passado, enquanto corria com os lobos.



ROOSSI LEE

(magnetizado e comovido)



A ascendência das “memórias ancestrais” de que fala o “Arquivo Jângal...”



NORTON

(checando o receptor de GPS)



As indicações não confirmam ser este o lugar.



ROSSI LEE

(fala com convicção)



Nesse lugar nada vai checar com indicações via satélite. Parece que estamos num campo sujeito à influências geomagnéticas... Incomuns.



NORTON, VASSARI E HERMANN

(afastam-se. Parecem estar se desentendendo. Em iídiche)





169. EXT. PLENILÚNIO. CLAREIRA NA SELVA — NOITE



(A todos parece espreitar uma intensa e longa sonoridade característica de uma flauta andina. Primeiro uma nota grave se faz ouvir. Intensa. Logo depois, uma nota aguda. Ambas veementes. Impetuosas).



(Eles buscam na rocha o lugar de onde provém a longa sonoridade. Entre a vegetação fechada, encoberta por plantas silvestres, há uma reentrância para dentro da rocha, onde HERMANN vê uma fissura horizontal. Parece uma entrada, escondida a seis metros acima do lugar onde chegaram após a corrida com os lobos).



(Os esforços se concentram no sentido de nela penetrarem. A rocha não se encontra em lugar de fácil acesso. Não sem algum malabarismo conseguem chegar até ela. Desde que têm de escalar o lugar íngreme até a fissura na pedra).





170. INT. FISSURA NA ROCHA. TÚNEL — NOITE



(Após algum tempo, agastados, eles avançam túnel adentro).



NORTON

(capitaneando o grupo)



O foco da lanterna apagou. Apesar da bateria nova.



VASSARI

(bate a lanterna no pulso)



Não é problema de bateria. É influência do lugar.



ADRIANE TAUIL

(irônica)



Felizmente resolvi meu problema com claustrofobia.



ROSSI LEE

(olhando para ela)

Vai saber, é a toca daquela serpente em que tropeçamos.



ROSSI LEE

(fazendo uma careta)



Esse odor de enxofre... Talvez seja uma entrada para o inferno — (Sorrisos).





171. INT. TÚNEL ROCHOSO NA SELVA — NOITE



HERMANN

(afirmativo)



Quem precisa de lanterna? Esse túnel é fosforescente.



(Em poucos segundos todos se deram conta da luminosidade tênue e azulada).



(E continuaram a "escalada" rumo ao "target" desconhecido. De repente a montanha de pedra treme. O ruído de uma longa trovoada promove a sensação de que as paredes do túnel vão desabar sobre eles. Soterrando-os. Todos têm a impressão de que uma grande pedra, pesada e redonda, estar rolando em direção deles).





172. INT. TÚNEL NA ROCHA — NOITE



(O ruído de trovão da pedra rolante passa ao largo, talvez em outro túnel paralelo e acima deles).



NORTON

(olha o relógio no pulso)



ROSSI LEE

(logo atrás dele)



Estão (os relógios) parados há horas.



(Eles descem alguns degraus em direção à caverna de teto alto onde se veem estalactites. Chegam a uma plataforma. Após alguns momentos à outra plataforma. E logo depois a outra maior. Observam curiosos a paisagem de um platô à meia centena de metros abaixo).





173. INT. PLATAFORMA. BORDA DO PLATÔ — DIA/NOITE



Estão cercados por uma luminosidade sutil e anilada. No platô se destaca uma árvore baobá com 25 metros de altura. E um tronco de aproximadamente 10 a 11 metros de diâmetro. Uma sensação inusitada e estimulante toma conta do sistema nervoso central dos expedicionários.

ROSSI LEE

(estupefato)



Esse planalto é francamente encantado, surreal. Um lugar de sonho.



TAUIL

(atônita)



Ou de pesadelos. Como pode ser um planalto? Se esse platô está lá embaixo!?!



ROSSI LEE

(admirado)



Nesse lugar todos os caminhos se bifurcam e se encontram. Como no conto de Borges!



TAUIL

(fascinada)



É surreal! Baobás são nativas da ilha Madagascar. Como essa veio parar aqui? Na selva Amazônica?



ROSSI LEE

(assertivo)



Amazônia? Esse lugar está fora do tempoespaço como o conhecemos. Fascinante!



TAUIL

(beliscando um dos braços)



Excessivamente sedutor. Como vamos chegar lá embaixo?





174. INT. PLATAFORMA DO PLATÔ — DIA/NOITE.



NORTON

(contido e ansioso)



O lugar é primitivo e ao mesmo tempo high-tech.



ROSSI LEE

(advertindo)



Não há caminho de volta. Como sair desse lugar? — Os olhares convergem para o ambiente de onde há pouco saíram. Dezenas de cavernas e fissuras na rocha mostram-se acima e em volta deles. A passagem pela qual vieram se confunde com outras.





175. INT. PLATAFORMA DO PLATÔ. AMAZÔNIA — DIA/NOITE



NORTON HERMANN E VASSARI

(eles conversam. As legendas em iídiche traduzem as falas)



NORTON

(admirado e afirmativo)

Este é o lugar. Aquela árvore conduz a Amrita. Ou Amrit, o elixir da vida Sing na língua Punjab: a coragem e os poderes do leão. Uma vida saudável e longa.



VASSARI

(surpreso)



Mas é apenas um baobás. Vi um em Recife, na praça da República.



NORTON

(tentando parecer didático)



A fruta mukua é rica em vitaminas e sais minerais. Não é por isso que se associa à vida longa... (pensativo)... Muito longa. Após curtir a pele da serpente “anfisbena licranço”, a água do tronco do baobás fica permeada de uma substância sutil e quase imperceptível, bolhas parecidas com vitórias-régias (olhando com ares de cumplicidade para VASSARI).



VASSARI

(olhando para um desenho esculpido no tronco da árvore)



Duas cabeças peçonhentas, os dois mini-chifres da serpente adâmica. Origem do povo Rama dos naacales. A lenda de Deccan, capital de Rama há 7000 anos a. CRISTO.



NORTON

(concluindo)



"Vida longa para seus habitantes". Os anciões muitas vezes centenários desde as mais antigas lendas. — (A conversa continua em iídiche).



HERMANN

(desliza os dedos na gravura que reproduz um tatu a escavar um fosso profundo)



Hábito fossorial, nunca cansa de escavar.



NORTON

(as pontas dos dedos perpassam o final da inscrição)



O dialeto naacal conduz à capital lemuriana. "Ser saudável por mais tempo: o trabalho ferve". Está lá, no “Arquivo Jângal” que iríamos encontrar essas indicações.





176. INT. PLATAFORMA DO PLATÔ — DIA/NOITE



(Identificadas as reentrâncias e saliências no paredão da rocha que conduz até embaixo ao platô, a Expedição começa a audaciosa descida).



NORTON

(iniciando a descensão)



Talvez os orifícios contenham animais peçonhentos. — (Olhando para ADRIANE TAUIL). — Não olhe para baixo. Concentra a atenção no movimento das mãos.



ROSSI LEE

(intimamente convicto)



O “Arquivo Jângal” começa a fazer muito sentido!



(Eles descem a muralha na vertical. O foco vai aos poucos mostrando a beleza da paisagem surreal lá embaixo. Há uns 60 metros. Como se fosse a entrada de algum Paraíso Perdido. Ou de algum monastério dantesco).





177. INT. DA ROCHA. ESCALADA DESCENDENTE NO PLANO VERTICAL DO PENHASCO — DIA/NOITE



HERMANN

(advertindo)



Nos orifícios há crias de escorpiões amarelos. Eles são venenosos.



ADRIANE

(intranquila, dirige-se a ROSSI LEE)



Esse lugar... Cheio de surpresas inquietantes!



HERMANN

(impositivo)



E ainda nem chegamos. Fique tranquila. Se for picada, há antídotos. — (Olhando de soslaio ele para e estica o braço em direção a um exemplar de escorpião amarelo conhecido por “tityus strandi”, gênero “serrulatus”). Lentamente aproxima a mão esquerda, enluvada, do bicho. Hábil e rapidamente o suspende, pegando-o abaixo da ponta do ferrão venenoso. Após pressionar o polegar e o indicador, ele olha o pedaço da calda do lacrau que ficou na mão.



ADRIANE

(apreensiva, contendo o impulso de olhar para baixo)



(Em um momento de desatenção ela se desprende e parece cair, enquanto estende um braço em direção a ROSSI LEE, tentando segurá-lo e evitar a iminente queda).



(Dos orifícios da rocha projetam-se sobre os membros da Expedição, escorpiões e aranhas. Eles olham seus corpos desprenderem-se dos pontos de apoio. Os membros desabam no vácuo, em direção a profundidade do platô. Sentem-se sugados por um túnel, como se tecido de teia de aranhas).





178. INT. DA ROCHA — DIA/NOITE



(Os membros da Expedição Norton caem como que amparados por uma força magnética. Essa força imponderável os conduz lentamente em direção ao solo do platô).





179. AMBULÂNCIA. ENTRADA DE HOSPITAIS. MORGUES — DIA



(Dezenas de corpos saem de ambulâncias. Alguns envolvidos em sacos fechados. Pessoas se acumulam em frente a vários hospitais).



180. INT. ACAMPAMENTO NO CHÃO DO PLATÔ — DIA/NOITE

(Sobre as mesas, que parecem construídas de metal, a três centímetros do chão no grande palco do platô encontram-se inanimados os corpos dos Expedicionários. Estão plenamente despertos na dimensão paralela do sonar PSI. O aspecto externo indica um estado comatoso induzido por uma memória anciã que os conduziu ao universo hostil dos sentimentos e vivências oceânicas da primitiva humanidade)



(A “Águia da Memória” de cada personagem Expedicionário voa célere em direção às vivências da ansiedade anciã. Uma mulher foge de caçadores rapineiros kadanuumuu. Seres de aparência primitiva, demoníaca. Ao mesmo tempo, são predadores de uma consistência física de atletas da mais antiga antiguidade que se conhece: a da força bruta das mutações de hominídeos influenciadas pelo DNA lemuriano. A mulher, apesar dos trajes de época e da aparência brutalizada, de alguma forma se parece com ADRIANE. Assim como os chefes dos rapineiros cadanuumuu lembra remotamente as feições de ROSSI LEE).





181. INT. ACAMPAMENTO NO CHÃO DO PLATÔ — DIA/NOITE



(Os delírios e imagens PSI provocadas pela intervenção do monge próximo aos corpos, após a massagem na glândula pituitária dos membros da Expedição NORTON, provoca visões de grande intensidade emocional anciã, entrecortada, por vezes, com imagens da atualidade. Há a presença do Memorial Oceânico de traumas convividos coletivamente há milênios. Tal como narrado por textos traduzidos do naacal, contidos em capítulos do “Arquivo Jângal”).



(Através do nariz de cada um deles uma espécie de secreção gelatinosa, misturada com gotas de sangue, observa-se escorrer de maneira abundante. Principalmente em NORTON, VASSARI E HERMANN).



(Todos se encontram envolvidos em acontecimentos muito antigos, imemoriais: membros da tribo cadanuumuu carregam prisioneiros — ou o que restou deles — pendurados em cangas).



(Uma menina de 11 anos, carregada numa espécie de cesto primitivo à mostra uma das faces com uma enorme ferida de mordida. Seus olhos são excessivamente expressivos e estão muito abertos. Ela se atém a um conformismo absolutamente aterrorizado).



(A face mortificada da garota mantém os olhos largamente abertos, numa atitude justificável de pânico. Ela leva as mãos ao rosto lesionado. Seu olhar está parcialmente escondido entre os cabelos amarfanhados. O que restou dos lábios entreabertos sugere um desespero autoconformado).





182. EXT. ACAMPAMENTO PRIMITIVO NO NORTE DA ÁFRICA. TRIBO PALEOLÍTICA MIGRA COM PRISIONEIROS SEMI-CANIBALIZADOS — NOITE



TAUIL TOGLODITA

(aproximando-se da prisioneira pendurada num galho de árvore)



Grrruunhhhhingrun. (Com gestos de cabeça curiosos ela começa a perscrutar as feições aflitas, deformadas e conformadas da mulher à qual membros de sua tribo haviam arrancado pedaços do corpo para comer).



TAUIL TOGLODITA

(confusa e interrogativa)



(Grunhindo ela estende a mão em direção à face espancada da outra. Apalpa nas pontas dos dedos partes de seu corpo lesionado. Faz gestos bruscos. Move-se aos pulos ao redor do corpo tungado. Sempre olhando cada vez mais interrogativamente à Outra, aproxima-se dela movendo o pescoço em gesto indagativo para os lados, como se descobrindo uma certa empatia com ela. A Outra).





183. EXT. ACAMPAMENTO PRIMITIVO NO NORTE DA ÁFRICA. TRIBO PALEOLÍTICA COM PRISIONEIROS SEMI-CANIBALIZADOS — NOITE



(TAUIL TOGLODITA ao aproximar-se da mulher vitimada pelo canibalismo de sua tribo consegue uma experiência, talvez a primeira da espécie, de cumplicidade emocional entre elas. É como se surpreendesse a dor que a Outra está sentindo em sua agonia por ter tido partes dos membros arrancados e devorados. Ao aproximar os dedos da mão destra do rosto dela, esta, que TAUIL julgava talvez morta, ainda consegue forças para, num gesto súbito, morder seu dedo cata-piolhos. Tirando-lhe um naco).



TAUIL TROGLÔ

(ela berra de dor e, fazendo uma careta agressiva, puxa os dedos da mão para si)



AAhahahahhahahgrrrriigaah! TAUIL encosta a mão abruptamente à altura do coração, enquanto olha a mulher semidevorada encarar seu rosto pela última vez, enquanto a cabeça tomba para baixo. Seus braços amarrados atrás, em cruz, pendem do galho baixo da árvore.



ROSSI LEE TOGLODITA

(aproximando-se do evento mórbido)



Gruruhgahahagah! Ele ameaça bater na prisioneira possivelmente morta com um pedaço de pau em punho. — TAUIL TROGLÔ agarra o braço de ROSSI LEE e grunhe ameaçadoramente em direção ao rosto dele.





184. EXT. ACAMPAMENTO PRIMITIVO NO NORTE DA ÁFRICA. TRIBO PALEOLÍTICA COM PRISIONEIROS SEMI-CANIBALIZADOS — NOITE



ROSSI LEE TOGLODITA

(comprime, violentamente, com a manopla esquerda, o rosto da mulher)



UgaugahungranAhhan! — Lançada à distância TAUIL TOGLÔ cai e desmaia após bater a cabeça no tronco de uma árvore.



ROSSI LEE TOGLODITA

(Ele urra vitorioso brandindo no ar o tacape. Uivando à maneira dos lobos, levanta o pescoço em direção ao alto. Da garganta sai um uivo de desafio. Ele lança com força e ódio incomuns o tacapaço de madeira que conservara na mão destra em direção a um monólito negro que paira a alguns metros sobre sua figura selvagem a urrar furiosamente na direção ao mesmo).





185. EXT. LUAR DIÁFANO. AMAZÔNIA. INT. DE BARCOS — NOITE



(Soldados e oficiais nazis olham fixo um ponto que lhes parece distante. Um ponto de fixação dentro deles em sua estrutura PSI. Os soldados parecem não estar vendo nada do que acontece no mundo externo. Eles ignoram a beleza resplandecente das águas luzidias, límpidas, esverdeadas do lugar por onde singram velozmente os barcos sob a luz da última lua cheia de julho).



(Os barcos chegam a um píer em lugar afastado da selva. Os militares todos ostentam no braço uma tarja preta com uma cruz gamada desenhada em negro. Entram em formação num avião Boeing XB15, fabricação americana de 1937, usado pelos nazis para disfarçar sua atuação em espaços aéreos Aliados).





186. INT. SALA RESERVADA NO REICHSTAG. ALEMANHA. II GUERRA MUNDIAL —NOITE



OFICIAL DA GESTAPO

(ordena aos soldados que saiam dos caminhões militares e se dirijam até uma sala no interior do Reichstag)



(Oficiais SS projetam o filme onde os soldados que voltaram da cidade subterrânea dos lemurianos na Amazônia trouxeram as instruções de como montar miniaturas dos protótipos de foguetes, aeronaves, armamentos, carros refrigerados a ar, mísseis e aeronaves. Von Braun prestou particular atenção quando da exposição de montagem do projeto bélico denominado Exterminador Orbital. Que os americanos denominaram posteriormente de “Guerra nas Estrelas”).





187. INT. SALA RESERVADA NO REICHSTAG. ALEMANHA. II GUERRA MUNDIAL — NOITE

(Oficiais da Gestapo supervisionam as equipes de cientistas sob o comando de Wernher Von Braun no interior do perímetro de uma base de fabricação de mísseis da marinha alemã).



(As legendas eletrônicas do filme “full-time” da TV-Ghost, indicam os ataques a Londres em 1944. Os mísseis V2 de longo alcance, com velocidade de 6.400 km p.h., criação de Werner Von Braun, são mostrados em imagens da “ghost-movie”. Londres parcialmente destruída. 600 mil mortos nas ruas principais das capitais europeias. Milhares de desabrigados e feridos).





188. EXT. EXPLOSÕES ATÔMICAS NAS CIDADES DE NAGASAKI E HIROSHIMA. II GUERRA MUNDIAL. JAPÃO: 6 E 9 DE AGOSTO DE 1945 — DIA



(As pessoas estão vivendo conflitos insólitos e chocantes nos sete continentes políticos: América do Sul, América do Norte, Ásia, África, Europa, Oceania e Antártica pós-II Grande Guerra. A “TV-Virtual” mostra a queda das Torres Gêmeas. Veem-se cenas do conflito no Iraque, o julogamento de Sadan Hussein, a morte de Bin-Laden, cenas da guerra no Afeganistão).



(A TV-Fantasma focaliza cenas de locutores dos jornais nacionais dos canais de TV, amalgamando-se com a imagem especular uns dos outros, em dezenas de países do planeta globalizado pela notícia e pelo entretenimento via Internet e TV).



(As imagens fundem-se dentro da mente dos TVespectadores. Projetam-se de dentro dos crânios, fundem-se numa trama PSI, projetada sob a forma de poliedro maciço e convexo. As imagens da mente coletiva do planeta Terra são absorvidas pelo “Poliedro de Cristal Lemuriano” numa sala “high-tech” em algum lugar subterrâneo no monastério Amazônico. Ele recria, via interface especular, as personagens membros da Expedição Norton. Elas são captadas pela superfície especular do laser em retransmissão direta para os canais da TV-Ghost em todas as localidades do planeta).





189. EXT. PRISIONEIROS NO INTERIOR DE CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO DA II GUERRA MUNDIAL — DIA



OFICIAL DA GESTAPO

(comanda extermínio de milhares de judeus sob chuveiros de gás em campos de concentração nazis)



(Sob os chuveiros nos banheiros coletivos de Auschwitz-Birkenau, milhares de pessoas extremamente angustiadas, magras, desesperadas, pânicas, medrosas, conformadas, olham esperançosas para os canos de onde tinham a esperança de ver sair grandes quantidades de água e deles sai gotículas venenosas de gás-mostarda. As pessoas vão definhando sob a atuação gradativa dos efeitos do gás (cegueira, abertura dos poros da pele, rompimento das veias e artérias nos vasos sanguíneos. O horror do sofrimento gradativo dessas pessoas é mostrado na sordidez dos detalhes).



(Os soldados da SS filmam de perto usam máscaras protetoras dezenas de pessoas da etnia judaica nas mais impressionantes expressões de sofrimento extremo e desespero incontido. Bolhas vesiculares deformam as faces de pessoas que veem outras entregues às queimaduras químicas e debilitantes. Os corpos resistem ao estertor nas mais variadas formas de agonia).



OFICIAL DA GESTAPO

(em gestos vibrantes e automatizados comanda operação de extermínio e lançamento de cadáveres em valas comuns)

(Cenas macabras de milhares de cadáveres esqueléticos sendo jogados por soldados SS em covas coletivas. A “TV-Ghost” exerce comando, comunicação e controle em todas as salas de jantar globalizadas pelos noticiários de TV e pelos vídeos da Internet. Na hora “sagrada” dos jornais TVvisivos os filmes da “TV-Virtual” costumam coincidir com enredos nos quais estão inseridas imagens desses jornais).





190. INT. DE QUARTOS E SALAS DA GRANDE SÂO PAULO E DA “GRANDE MAÇÓ. INT. DE LARES EM TÓQUIO, LONDRES, CHINA, TIBET, PARIS, ROMA, VATICANO, RIO DE JANEIRO, SALVADOR, LOS ANGELES, E EM CAPITAIS DE PAÍSES ÁRABES, NAS AMÉRICAS, ASIÁTICOS E NA ANTÁRTIDA — DIA/NOITE



ANCORA DE JORNAL NOTURNO

(comanda as notícias em vários países do planeta globalizado pelo comando, comunicação e controle das informações dos telejornais)



(As pessoas são surpreendidas em ambientes intimistas nos quais há a presença da grande maioria dos espectadores de TV sentados nos sofás das salas de jantar. Os mais jovens plugam seus sistemas nervosos, na interface dos games que, simultaneamente às imagens dos documentários jornalísticos da “TV-Full-Time”, permitem aos TVespectadores vivenciar, coletivamente, sentimentos semelhantes aos dos personagens de filmes, novelas, documentários e noticiários de guerras).



(Os ferimentos e dores terminais das personagens reais e virtuais dos filmes e vídeos podem ser transmitidos às pessoas com o sistema nervoso central plugado, via moldem sensorial, nos aparelhos de TV sintonizados na central globalizada da “TV-Holy-Ghost”. — Da sala de jantar, assim como das “lan-houses” com “plugs extrasensoriais” disponíveis aos usuários, o “planeta informatizado emocionalmente” está disponível).



191. INT. “SUBWAY” LEMURIANO NA AMAZÔNIA. PLANALTO DO PLATÔ — DIA/NOITE



MONGE LEMURIANO

(dirige o despertar do estado comatoso dos membros da Expedição Norton)



(Eles despertam para uma realidade inusitada. Estão envolvidos nela de forma intrínseca. Cada um deles agora está consciente de sua intimidade peculiar com os objetivos coletivos da civilização alienígena da qual fazem parte inerente).



ROSSI LEE

(aproximando-se dos outros membros da Expedição)



Há um túnel que parece ser uma passagem para outro nível de realidade. Talvez uma espécie de Portal dimensional. Pode ser apenas uma impressão equivocada. Vocês gostariam de ver?



NORTON

(responde por todos)



Mostre-nos o caminho.





192. INT. TÚNEL CÂMARA CILÍNDRICA HIBERBÁRICA. MOSTEIRO NO INTERIOR DA SERRA DO RONCADOR — DIA/NOITE



ADRIANE TAUIL e ROSSI LEE

(dirigem o olhar em direção à plataforma superior do túnel)



(Nela veem capuz de monge desaparecer por trás de uma minúscula guarita no topo de uma altura aproximada de trinta metros. — Os outros três membros da Expedição, apesar de treinados para a percepção de toda espécie de eventos, não perceberam este).



(As paredes do túnel estão irradiadas por uma luminosidade sutil, metálica, aquosa, através da qual aparecem crianças vestidas com uma roupagem que se confunde com a extensão da própria pele).





193. INT. NO INT. DA CÂMARA NO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — DIA/NOITE



ADRIANE TAUIL

(falando a ROSSI LEE enquanto suas formas humanas parecem se dissipar)



O desafio está em sentir-se estimulado a aceitar o desafio de atingir novos estados evolutivos. A busca de um novo tipo de equilíbrio...



ROSSI LEE

(sua imagem a perder a forma física e a energia térmica)

“Um novo equilíbrio”. — As palavras soam distorcidas.





194. NO INT. DA GARGANTA NA CÂMARA DO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — DIA/NOITE



(CRIANÇAS com trajes supostamente espaciais materializam-se em redor deles. Os Expedicionários não sabem ao certo se foram conduzidos a um local outro, ou se as CRIANÇAS simplesmente materializaram-se ao redor deles).



NORTON

(após alguns momentos de certa perplexidade)



Tudo bem, CRIANÇAS viemos do mundo externo! Que querem de nós?



UMA CRIANÇA

(Shususuusussssiisssisihshi)



Um zunido precede as respostas que se fazem traduzir no interior da mente deles: “Tudo bem adultos, estamos aqui! Que podemos fazer por vocês?”.



VASSARI

(em iídiche. Sua voz tentando parecer amigável, mas soa insolente e provocativa)



Até agora vocês eram mito... Presentes apenas e inacreditavelmente no “Arquivo Jângal”.





195. INT. DA GARGANTA NA CÂMARA DO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — DIA/NOITE



(A tênue névoa fosforescente dissipa-se do ambiente interno do tubo. As CRIANÇAS e os membros da Expedição veem-se nitidamente).



UMA CRIANÇA

(Grhrhrhiiissihummmswowjh)



(A sonoridade fricativa ecoa no interior das mentes dos expedicionários. — Imediatamente a esse timbre sonoro surge na mente deles a pergunta): “As armas. Por que as armas”? — Um pesado silêncio se faz presente.



CRIANÇAS

(Grhrhrhiiiwowssihummmsjh)



“Corrupção, mentira, agressão, domínio pela força bruta, perversidade, covardia, ação pelo terror. Esses são os traços característicos de sua raça. Os motivos alegados são sempre nobres, salvar as almas, trazer a religião aos silvícolas. Combate ao terrorismo. A colonização de vocês aumenta a quantidade de escravos, de doenças, de violência e medo. Termina sempre com a riqueza e o poder da sociedade concentrados em mãos de poucos. Este princípio de ordenação social tem por efeito sadismo e perversidade inomináveis”.



VASSARI

(tenta parecer persuasivo como se dissesse uma verdade)



As armas são apenas para defesa. — A fala ressoa sem convicção.

CRIANÇAS

(Krhrhhriirisisinnannwowansh!)



“A tecnologia dita de defesa de vocês construiu artefatos destrutivos de fissão e fusão atômicas. A linguagem falada de vocês é sempre um desvio em direção à mentira. Tudo e todas as demais iniquidades, mais numerosas que seus fios de cabelos vêm daí. Do hábito de fabular e viajar na maionese da ilusão e da mentira”.



NORTON

(busca parecer sincero, franco e leal)



Desculpem-nos!Invadimos sua morada! Somos um povo inquieto! Interessado pelo inusitado! Cedemos ao impulso pelo conhecimento do novo, da aventura! Vivemos tencionados pelas solicitações de sobrevivência de nossas cidades! — Por detrás das palavras de Norton há uma vontade de camuflar a intenção sub-reptícia de grande hostilidade.



CRIANÇAS

(Zhauuunnsnsnshissizhins!)



“Você! Nefasto! Todo pensamento seu está sempre contaminado pela agressão e a mentira! Seu Deus lhe ensinou isso?! Você age como se Ele tivesse de se subordinar à sua cultura! E não vice-versa! Acredita que a Terra será dominada por um povo escolhido! Seus profetas neolíticos diziam, traduzindo seu Deus: Minha casa é a casa de oração de todos os povos!”.

CRIANÇAS

(Zhauuunnsnsnshissizhins!)



“Suas orações deveriam ser os mantras de todos os povos. Não sua hostilidade, vontade de domínio. Seu medo atávico, suas culpas remotas, sua ganância insaciável! Globalizaram tudo que é ordinário! Mas não suas orações! Vocês estão desservidos de espiritualidade. Secos, satanizados! E como não foram capazes de se humanizar, vão criar a “New World Order” para gerir essa dominação”.





196. INT. DA CÂMARA TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — DIA/NOITE



HERMANN

(irritado, irrequieto. Perturbado)



Por que querem respostas? Por que sugerem respostas, se parecem saber tudo sobre nós?



ROSSI LEE

(dirigindo-se a HERMANN)



Pegue leve. Você não está em condições de fazer ameaças.



ADRIANE TAUIL

(visivelmente conciliativa)



Pequenas partes da espécie humana atual deseja fazer-se prevalecer sobre grupos populacionais maiores pela força de coerção econômica, política e jurídica. Essas minorias possuem arsenais nucleares. Os mais armados dominam as culturas com menos recursos em armamentos tecnológicos. E exercem pressão política e econômica sobre seus governos.

ROSSI LEE

(complementa a fala de ADRIANE)



Grupos sociais se impõem aos demais pela força. Os mais necessitados são forçados à aceitação das regras sociais impostas pelas minorias dos que detêm poder de coerção. Os desprotegidos, os faltos de recursos, estão sujeitos ao comando, à comunicação e ao controle dos poderosos. Dessa forma funcionam as geopolíticas.



ADRIANE TAUIL

(concluindo)



A essa dominação cruel essas minorias chamam democracia.



CRIANÇAS

(Zhauuthriswowsunnsnsnshiswowsizhinkys!)



A trágica recompensa dos ímpios: o planeta dominado pela peste das viroses, da violência social urdida nos tapetões dos parlamentos, uma sociedade dedicada à multiplicação de fenômenos mórbidos, toxicomania, pobreza, regressão mental, emocional, poluição ambiental irreversível. Investimentos torpes na afirmação de paradigmas políticos de há muito vencidos pelas necessidades atualizadas do Tempo histórico.



CRIANÇAS

(Kryssshissgurrthreilhasahinsthihaj!)



Vocês abriram os portais da percepção para que todas as pragas penetrem em suas tendas mentais desprotegidas. O leão e a áspide disseminam a angústia. A derrota dos valores galopa na velocidade de Fórmula Um dos cavalos a vapor e de seus Cavaleiros Templários do Apocalipse.





197. INT. DA CÃMARA TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — DIA/NOITE.



(Os expedicionários ficam perplexos e extasiados. Como se tivesse caído a ficha do acontecimento estranho no qual estão imersos).



CRIANÇAS

(Xhiiishnisisiisisizonnsnsnsnt!)



“Sua cultura atual não evoluiu mentalmente. A tecnologia atual contribui para sua regressão emocional destrutiva e ultrajante. Uma cultura produto de fixações muito antigas. Paleolíticas. O rebanho humano, um rebanho de bisões galopando em direção ao abismo. Como se não soubessem para onde essa cultura os dirige, seus líderes mentem e escondem de vocês esse abismo. Enfeitiçando-os com perfumarias, propaganda e ilusões de consumo”.



ROSSI LEE

(argumentativo)



Talvez nossa civilização precisa de mais tempo para começar a agir com racionalidade. Nossa escrita data de apenas 4000 anos. Os primeiros registros da ciência e da tecnologia datam de quatro a cinco séculos. E todos foram motivados pela posse de bens comestíveis e pela guerra.



CRIANÇAS

(Yhshshisiisiidiunsnsnnsiisusnsn!)



“Vocês agem como se não soubessem que não é possível haver futuro para uma cultura sem ética. Se são produtos de uma mesma espécie, não há como privilegiar alguns membros dessa espécie e jogar no lixo de sua história todos os outros. Se não consideram salvar a todos não haverá salvação para nenhum. A isto se chama preservação da espécie. Querem ganhar o espaço cósmico quando as geopolíticas de seu planeta sobrevivem de ações predatórias. Sua cosmopolítica do caos condena a todos à uma escravização ainda mais abjeta”.



ADRIANE TAUIL

(buscando legitimar a história sapiens)



É o melhor que podemos fazer. Não sabemos como fazer acontecer as coisas da cultura e da civilização de outro modo.



CRIANÇAS

(Lhisisihenenhhhsygwiwhshnsi!)



Não há transcendência nem liberdade em seu futuro enquanto espécie. A forma de progresso de sua cultura põe em risco essa parte do cosmo. Sua liberdade aparente aponta para o controle sistêmico de uma raça de escravos anímicos. Seus corações, suas mentes, suas almas estão aprisionadas pela atração eletromagnética de seu inconsciente coletivo. Tudo o que podem conseguir é ser cada vez mais e mais escravos do controle orbital satanizado.





198. INT. DA CÂMARA TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — DIA/NOITE

(ADRIANE TAUIL e ROSSI LEE notam que HERMANN, VASSARI e NORTON estão a sangrar pelos olhos, nariz e ouvidos. Ao ver a estranha ocorrência a jornalista pergunta):



ADRIANE TAUIL

(curiosa)

Por que está acontecendo com eles? Não estamos sob as mesmas influências?



CRIANÇAS

(Desta vez não há sons fricativos. Eles simplesmente ouvem a mensagem telepática):



“Eles vieram em missão militar ultrassecreta. Vocês seriam sacrificados em prol de uma estratégia de divulgação globalizada da Expedição Norton. Um artefato nuclear estaria aqui em duas horas e meia após NORTON comunicar as coordenadas de acesso a este lugar. Um comando militar traiçoeiramente denominado “A Última Pá De Cal Sobre O III° Reich” faria a detonação de um potente artefato nuclear. Seus corpos estariam a poucos metros da explosão”.



ROSSI LEE

(perplexo)



Mas por quê? Com qual finalidade?



CRIANÇAS



“Promover contaminação ambiental por radiação induzida. Tirar os nativos de suas reservas ecológicas alegando que em conjuntos habitacionais construídos nas periferias de cidades vizinhas estariam seguros e protegidos da contaminação radioativa”.



“Os locais ricos em minérios estariam posteriormente liberados para a exploração de companhias extrativistas de minérios. Haveria a ocupação da Amazônia por um Comitê de Defesa do Ecossistema administrado por uma comissão de preservação do meio ambiente, gerida pela ONU”.





199. INT. DA CÂMARA TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — DIA/NOITE



(As CRIANÇAS vão desaparecendo aos poucos como se estivessem sendo teletransportadas para outro lugar. As duas que ficam, pegam TAUIL e ROSSI LEE pelas mãos e os conduzem a um nicho no qual estão quatro assentos).



(O casal de jornalistas lembra que NORTON, VASSARI e HERMANN ficaram para trás. E logo surge a mensagem em suas mentes):



CRIANÇAS



Estejam tranquilos. Vocês terão notícias deles.



(Após estar confortáveis nos assentos eles ouvem uma sonoridade grave, lenta e intensa, como se fosse o sibilar de uma lendária e formidável anaconda).





200. INT. STARNAVE. ESPAÇO ORBITAL DA TERRA. — DIA/NOITE

(ADRIANE TAUIL e ROSSI LEE estão a sentir a sensação inefável de viajar em voo suborbital, além dos cem quilômetros de altitude. Eles veem na superfície da Terra uma estrutura geológica que parece um grande cérebro).



(ROSSI LEE não sabe ao certo, mas um lugar no interior de sua mente indica que estão, agora, a mais de 350 km acima do nível do mar. Na órbita baixa da Terra. As estrelas não mais estão a piscar. Uma voz dentro da mente diz que estão a viajar em direção à Constelação de Escorpião, até um planeta distanciado da Terra 22 anos-luz).





201. INT./EXT. QUARTO DE HOTEL. CIDADE DE BARRA DO GARÇAS — DIA



TAUIL

(abrindo os olhos numa expressão de horror, grita, assustando os idosos em sua volta)



Nãaãaããooooaaaoãao! NananaÃooooAãaooooo!! A sonoridade do formidável berro traduziu um sentimento de terror atroz: NÃOÃOÃOAOÃOAOÃOÃAOÃAOAAÃOÃAOÃAO!!!



(O grito ecoa e reverbera. A câmera focaliza do alto a paisagem panorâmica, tendo por epicentro o lugar onde está o antigo hotel onde se encontra o casal de jornalistas).



1ª IDOSA

(tentando acalmá-la)

Calma, querida, você agora está bem. Só precisa se acalmar.



TAUIL

(a sensação de uma solidão impetuosa afirma-se em sua percepção. Sentando-se na cama ela põe as mãos dos lados da cabeça)



Aconteceu! Então aconteceu mesmo! Aconteceu mesmo!! Como essa coisa pôde acontecer!!! — (olhando para as mulheres ao redor, ela exclama) — Não há mais juventude na Terra, não é? Há apenas idosos, não é?



2ª IDOSA

(confortando-a)



Não é, querida, não é bem assim, minha filha. Agora temos vocês (risos).





202. EXT. TERRAÇO DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS — DIA



ROSSI LEE

(parece aturdido, desnorteado)



Não consigo explicar por que estou tão amedrontado. — TAUIL chega-se até ele para abraçá-lo sob as vistas de idosos, de ambos os sexos, que não contêm a curiosidade mórbida. Não param de fixá-los.



ADRIANE TAUIL

(ainda abraçada a ROSSI LEE)



Não pode ter acontecido mesmo. É tão demasiadamente absurdo. Absurdamente Inacreditável!

IDOSO

(dirigindo-se para eles em tom de chiste)



Melhor vocês subirem para o quarto. Pega mal fazer isso em público.



IDOSA

(amigável e sorridente)



Vocês vão ter de se habituar à curiosidade inesgotável das pessoas. Elas há tempo não veem ninguém tão jovem.



IDOSO

(como se contando um segredo)



Vocês são chamados de Adâo & Eva fim dos tempos, Nova Era. Casal adâmico e outras coisas.



IDOSA

(confidenciando)



Adão & Eva pós Idade das Trevas. — (Sorrindo) — É tão bom ver vocês...! Vocês não fazem ideia. Tê-los por perto. Essa sensação de que poderá haver outra vez um futuro para a espécie humana.



IDOSO

(olhando interrogativo para ADRIANE TAUIL)



Você também não pode gestar? Vocês terão filhos, não?

203. EXT. SALA DE ESTAR DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS — DIA



(Os idosos conversam entre si. Tentam achar uma explicação para a presença do casal adâmico. Que vieram fazer na Terra pós-amblose disforme? Que poderiam querer? Exceto curtir essa ociosidade fim dos tempos? As perguntas buscam uma resposta!)



1ª IDOSA

(chegando-se próxima à ADRIANE TAUIL)



Vocês, quando foram trazidos pelos monges do povo muito Antigo hibernaram ainda 72 horas. Pensei até que não fossem despertar.



2ª IDOSA

(em tom de gracejo)



Não fosse pela leve respiração, quem diria que iriam acordar um dia? (risos).



1° IDOSO

(em tom professoral)



Vocês vão ter de exercitar muita paciência. Não vão faltar romeiros que queiram vê-los vindo das proximidades. A curiosidade geral é grande. Muito grande!



2° IDOSO

(confirmativo)



Muito grande. Mesmo. Como podem ser tão jovens? Os monges astronautas largaram vocês aqui e sumiram. Quem sabe para onde? Para suas cidades subterrâneas! Talvez!?!



3ª IDOSA

(interrogando-se)



Ou em direção às estrelas. — Ele (apontando para ROSSI LEE num gestual de cabeça) estranhamente, estava com muita fome.



4ª IDOSA

(confirmando)



Parece não ter visto comida a maior parte da vida (risos). Nesse momento o estômago de TAUIL roncou alto (mais risos).



ROSSI LEE

(admirando-se)



Os efeitos da amblose disforme foram devastadores!



TAUIL

(afirmando mútuo espanto e admiração)



O planeta se transformou num campus geriátrico.



3ª IDOSA

(perplexa)

É incrível. Vocês parecem ter pouco mais de trinta anos. Se tanto. É bom mesmo vê-los e saber que também já fomos jovens um dia.



2° IDOSO

(explicativo)



Hibernaram numa nave durante uns quarenta, talvez cinquenta anos no tempo terrestre. À velocidade próxima à da luz. Aquela história da teoria da relatividade...





204. EXT. PÁTIO DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS — NOITE.



(TAUIL está a visualizar a abóbada celeste. Alguns pontos luminosos são vistos como se fossem meteoritos indo em direção contrária. Ou seja: afastando-se da Terra).



1ª IDOSA

(justificativa)



Num filme da TV-Full-Time vimos que esses “meteoritos ao contrário”, são almas ou grupo de “faíscas quânticas” querendo sair do campo gravitacional da Terra. Mas a “velocidade de escape” delas é insuficiente. Após a tentativa desesperada e frustrada de se libertarem em direção a “outras moradas do Pai”, são capturadas pelo magnetismo anímico da “lua simétrica invisível”. Um portal com bilhões de nichos do tamanho de nanômetros.



(Enquanto as pessoas idosas narram os acontecimentos, a tela plugada na “TV-ghost” mostra o momento em que essas mesmas pessoas estiveram verbalizando suas explicações).



1° IDOSO

(didático)



Segundo a TV-Ghost o campo gravitacional no interior de cada nicho-nanômetro é tão intenso, que aprisiona para sempre as “faíscas quânticas”, não permitindo que venham a tornarem-se livres desse portal que é parte da nave intergaláctica de Satã. Esta é parte da luta definitiva, apocalíptica, que se trava entre as forças polarizadas do bem e do mal.



2° IDOSO

(explicativo)



Sob a dominação das leis globalizadas do Mercado, as pessoas pensavam e agiam unicamente com o objetivo de consumir mercadorias. Gerar lucros, acumular bens e riquezas. Não havia na Terra valores a preservar. Exceto o “fator econômico”. Este, gerava uma anarquia emocional globalizada. Não havia valores a preservar!



3° IDOSO

(conclusivo)



E o que dizer dos dias de hoje? Da política dos “pig-spas” que capturavam os “hot-dogs” para fazer cosméticos deles?



2ª IDOSA

(explicitando o sentido social dos dias pré-amblose disforme)



Quem quer que gerasse lucro, não importava como... (3ª IDOSA) se traficando, matando, fabricando armas, comercializando drogas, assassinando, prostituindo... (1° IDOSO)... enganando, ganhando bilhões de verdinhas com a invasão política e econômica de países, em qualquer lugar do planeta, era bem-vindo à comunidade econômica das nações.



2° IDOSO

(afirmativo)



O advento da “amblose disforme” parece ter terminado com essa farra...



1ª IDOSA

(inserindo humor à conversa)



Talvez não (olhando para TAUIL E ROSSI LEE) — vocês não estão vendo esse casal de brotinhos pronto para povoar o mundo outra vez? (Risos, muito risos).





205. EXT. PÁTIO DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS — NOITE



O ÍNDIO PERIMURICÁ

(aproxima-se de ROSSI LEE que está dirigindo-se a um utilitário)



ADRIANE TAUIL

(pergunta)



PERI, você vai mesmo conosco? (ele balança a cabeça como quem diz: “Sim, sim”).

(Um barco a vapor os conduz até Rondônia. Mudam de carro. Saem de um utilitário modelo Van e entram numa camionete cabine dupla. Em Mato Grosso param num bar onde a TV-Canal 10 está exibindo um filme. Nele um personagem entrevistado por um locutor de jornal diz):



LOCUTOR DE TV EM JORNAL NOTURNO

(em tonalidade interpretativa)



“Não fosse a “amblose disforme”, os ETs que trabalham com o governo dos Estados Unidos na Área 51, na AUTEC e em muitas outras áreas consideradas secretas, os ETs do mau, teriam escravizado a população da Terra, como fizeram em outros planetas colonizados por eles, em outros sistemas solares, em outras galáxias”.



ÂNCORA DE JORNAL TVVISIVO

(querendo parecer isento ao transmitir a notícia)



“A Área 51 com aproximadamente 1550 quilômetros, condato de Lincoln no deserto de Nevada, abriga uma área do complexo industrial militar dos Estados Unidos sob administração da Nellis Air Force Range. Possui túneis subterrâneos com 3651 X 61 metros”.



ÂNCORA DE JORNAL TVVISIVO

(sem querer parecer didático)



“Esses locais de pesquisa tecnológica de engenharia reversa, assim como em muitos outros, tipo a AUTEC, estavam produzindo armas de dominação planetária assim como seres híbridos, humanos e máquinas, que garantiriam escravização da população da Terra na vigência da “New World Order” sob comando, comunicação e controle dos “homens de preto”, representantes do governo centralizado do planeta Terra na Nova Ordem Mundial. A coisa toda era real. Nada tinha de ficção científica”.



ÂNCORA DE JORNAL TVVISIVO

(transmitindo via “TV-Virtual Canal 10”)



"A New World Order — diz o locutor TVvisivo no filme do dia na TV-Ghost — visava transformar a Terra numa colônia galáctica lemuriana. Seus líderes mundiais alegavam que é esse o processo de desenvolvimento político, social e econômico normal em milhares de outros lugares e planetas onde há vida humana e semelhante à humana”.



(A reportagem continua mostrando os subterrâneos da Área 51, agora abertos à reportagem. A voz em “off” informa):



LOCUTOR DE JORNAL TVVISIVO

(Na TV ligada no carro de ROSSI LEE)



“Há seis níveis de hangares subterrâneos. Todas as estruturas com formato de pentágono. A pesquisa de armas orbitais avançadas estava possivelmente em seus últimos estágios”.



ADRIANE TAUIL

(virando-se para falar com PERIMURICÁ)



PERI que acha dessas notícias?



PERIMURICÁ

(como que falando para si mesmo)

Caca por caca é tudo manchete globalizada.



ÂNCORA DE JORNAL TVVISIVO

(numa tonalidade algo melancólica)



“...Foram encontrados robôs gigantes com mini-mísseis acoplados à estrutura mecânica high-tech no melhor estilo “SyFy”. Assim como seres híbridos humanoides. As lideranças planetárias estavam em vias de iniciar o período de vigência da dominação definitiva dos ETs do mau: escravização globalizada dos seres humanos a serviço das indústrias de tecnologia reversa”.



ROSSE LEE

(ao comentar as notícias)



Numa sociedade a serviço das trevas, as pessoas representam um único indivíduo num elo social que não pode ser rompido.





206. EXT. TRECHO DE ASFALTO NA ENTRADA DA CIDADE DE GOIÂNIA — NOITE



ROSSI LEE

(olhando para TAUIL no banco de passageiro ao lado)



Esses filmes “full-time” do Canal-10 são impressionantes. Esse que vi hoje sugere a revelação do mistério por detrás dos eventos de CHE.



ÂNCORAS E LOCUTORES DE JORNAIS TVVISIVOS NOTICIAM



(A TV-Virtual do Canal 10 mostra cenas que atestam a realidade da tecnologia extraterrena em conluio com governos da Terra, empenhada em semear pânico na população planetária).



(A Combustão Humana Espontânea era produzida pelo “efeito raios X” de alta potência. A CHE era obtida por emissão de raios gama a partir da central orbital invisível situada na lua em rotação do outro lado da Terra, de posicionamento simétrico ao da lua natural).



PERIMURICÁ

(falando em dialeto karib)



“Lua estranha. Ninguém vê”.



ADRIANE TAUIL

(curiosa)



Que você disse PERI? Traduz.



PERIMURICÁ

(olhar fixo para dentro de si mesmo)



Índio possui dificuldade em dizer coisas que vê, visões de Xamã. Muita dominação, medo. Cultura homem branco, guerra e horror a trazer lucro: — Kugibe Oto. Akunga. Oto Cebus. Oto Kahü. Lua estranha prende todos. Almas de escravos.



(O carro para nas imediações da Praça dos Três Poderes)



207. EXT. TRECHO DE ASFALTO FRENTE À PRAÇA DOS TRÊS PODERES. BRASÍLIA — DIA.



ROSSI LEE

(olhando a rampa do Palácio do Planalto)



Era daqui que as excelências pirateavam o país inteiro, a propósito de defender a democracia.



TAUIL

(chama a atenção de ROSSI LEE para membros dos Três Poderes, curiosos, aproximando-se. Mantinham ainda a imagem da decadência prepotente)



Eles não perderam a empáfia.



ROSSI LEE



(admirando-se com as vestimentas formais com as quais membros dos Três Poderes se aproximam para observá-los melhor)



Confiavam na vitória da “Nova Ordem Mundial”. Na escravização total dos habitantes do planeta. Mesmo agora, derrotados pela “amblose disforme”, ainda mantêm a soberba.



TAUIL

(sem esconder intenso desprezo)



Inúteis! Sempre inúteis!! As articulações estão claramente oxidadas. E suas caras de paxás consumidores dos produtos produzidos pelos “spas”, traem a inutilidade total de seus mandatos.



PERIMURICÁ

(sente náuseas, vomita. Fala de si para consigo)



“O museu do futuro olha o museu do passado. O abismo contempla o abismo”.



(ADRIANE E ROSSI aviam-se, apressados em sair da Praça dos Três Poderes em direção a São Paulo. Perimuricá já entrou no carro)





208. EXT. RUA JORGE CHAMAS. IBIRAPUERA. SÃO PAULO — DIA



ROSSI LEE

(distancia-se deles)

(ADRIANE e PERIMURICÁ tentam achar nas ruas desertas do bairro Ibirapuera o endereço do SPA da filha, ou neta, dela ADRIANE TAUIL).



ROSSI LEE

(perturbado com toda a imensa paisagem desértica de praças, ruas, avenidas e edifícios)



“Deus não pode ser mantido vivo à custa de drogas, bugigangas, preces e injeções”.



PERIMURICÁ

(após perambular por ruas desertas do bairro em busca do endereço do “Spa Geriátrico Ariadne Tauil”)



Aqui, venha vê, aqui! — Ele aponta uma placa de bronze para ela que está do outro lado da rua.



ADRIANE TAUIL

(aproximando-se da placa)



SPA Ariadne Tauil: GERIATRIA.



PERI

(vendo as faces de ADRIANE ficarem muito brancas)



Você está bem? — (dirigindo-se ao carro) — Vou buscar um copo de água.



ADRIANE TAUIL

(empertigando-se, respira fundo)



Impossível estar nessa absurda situação. Insustentável para a lógica cartesiana e o “éthos” da cultura ocidental.





209. EXT. RUA JORGE CHAMAS. PARQUE IBIRAPUERA. SÃO PAULO — DIA.



ADRIANE TAUIL

(olha para PERI mostrando certo nervosismo)



O lugar está vazio. Não funciona mais. (As folhas outonais das árvores são, em grande quantidade, levadas pelo vento ao redor).



PERI

(fecha os olhos. O corpanzil cresce quando os pulmões se enchem de ar, como se a atmosfera fosse substância medicamentosa)



Muita chuva! Exclama. ROSSI LEE não vem?



ADRIANE TAUIL

(nervosa, olha PERI apertar outra vez o botão da campainha)



Vamos, não há ninguém aí. Faz tempo essa lugar está desabitado. Você não vê?



PERI

(volta sua atenção para as câmeras de vigilância externa que começam a se mover)



O “Olho de Hórus” está curioso. — (Aponta para o movimento automatizado das lentes da câmara termográfica de monitoramento noturna infravermelha) — Veja você mesma!





210. EXT./INT. DO SPA. SALA. MESA DO CONTROLE INTERNO DE MONITORES. PORTA DE ENTRADA — DIA



CHICO CÉSAR

(o operador interno de monitores está perplexo. Mostra-se aterrorizado ao vê a face rejuvenescida de ADRIANE TAUIL. Ele se mostra confuso e atabalhoado. Horrorizado, ele não crê no que está presenciando)



CHICO CESAR

(muito nervoso, mal consegue articular as palavras)



QaaaquQuêequiéisso? Deseejamjam? Quequitá acontecendo?



CHICO CÉSAR

(encostando os olhos no monitor como se a atestar se é mesmo verdade o que vê)



Aquele maldito baseado! Mama África! Mas que coisa é essa? Essa travessa é muito novinha! Essa mulher não pode existir. Tô no delírio da erva. — Olhando outra vez estupefato para ADRIANE TAUIL, ele exclama: —Tá totalmente fora dos conformes.



ADRIANE TAUIL

(compreende o estresse do operador de vídeofone)



“Take it easy”. Meu nome é ADRIANE, ADRIANE TAUIL este é o senhor PERIMURICÁ, Xamã do Xingu. Queremos visitar o SPA. Ficar um período como hóspedes. Podemos entrar? Se não for incômodo!



CHICO CESAR

(gaguejando nervosamente)



AAndridriAdridriDRIaneTautataTauil...Então é isso. Elalalá dada equipipi Ostrowsky... Isso é queququê é progresso em geririatria...Cêcêcerto!!...Dra. Adridriaane... Então é isso... Um mememento... Momento, por favor!



(Ouve-se o ruído das linguetas metálicas do trinco da porta de entrada que começa a abrir).





211. INT. DO SPA. CORREDOR DE ENTRADA E SALA DE ESPERA — NOITE



(ADRIANE TAUIL e PERIMURICÁ são conduzidos por uma atendente enfermeira do SPA. Ela os recebeu com uma saudação em voz alta levantando o braço direito esticado para frente: “Fervet Opus”).



Acompanhando a enfermeira passam por uma grande sala de prática de exercícios. Nela se veem compridas bandeiras vermelhas com a inscrição em preto na vertical da mesma: “Fervet Opus”.



(Algumas pessoas alojadas em poltronas estilo Luís XV olhavam outras que faziam exercícios aeróbicos, ginástica para queimar calorias).



1° CLIENTE DO SPA

(levanta-se apressadamente encosta o rosto no vidro que separa a sala de exercícios do corredor)



De qual SPA essa mulher deve ter vindo? Fantástico! É simplesmente fantástico!!



2ª CLIENTE DO SPA

(cara de muito admirada)



Eu também quero saber. Inacreditável a qualidade dessa pele.



3° CLIENTE DO SPA

(apoiando a mão direita no espesso vidro)



Bar-ba-ri-da-de! Puta que os pariu! Agora sei que existe mesmo evolução em pesquisa geriátrica.



4° CLIENTE

(aproximando-se da parede de vidro com cara de espanto)



Isso sim é que é progresso em geriatria. Cáspite! É muito irada!



5ª CLIENTE

(olhando TAUIL afastar-se)



E dizem que este é o melhor SPA do Brasil...



3° CLIENTE

(ainda superlativamente admirado, olha TAUIL sumir pelo corredor)



A Romênia possui mesmo os melhores “SPAS” do planeta. Bendito conde Drácula!

212. INT. DO SPA. SALA DE ESPERA CONTÍGUA AO JARDIM DE VERÃO — DIA



ENFERMEIRA GUIA

(faz gesto em direção às poltronas em estilo Luiz XV)



Por favor, sentem-se e esperem um pouco.



PERIMURICÁ

(chegando-se a um patamar circular de mármore sobre o qual estão alguns termos de chá. Ele fica matutando como servir-se).



“Que coisa essa!?” Ele pensa. “Só tem pinça. Ninguém tira põe chá de termo com pinça. Não pode. Não segura!”.





PERIMURICÁ

(Ele observa pequenas vasilhas contendo líquidos de diversas cores, e exclama)



Que raio de trambique é esse? Esse lugar só pode ser do mal. Estou com sede e não posso beber. As etiquetas nos termos indicam: 19%, 20% e 21% de plasma antígeno. Ele olha para os lados ainda na busca, inútil, de algum copinho descartável ou canudo.





213. INT. DO SPA. SALA DE ESTAR/JARDIM DE VERÃO — DIA



(TAUIL está a lê um artigo da revista científica do SPA intitulado “Perenidade: A Realidade Do Sonho” — Dr. KLEIN ZADILETT. Enquanto ADRIANE lê o artigo, PERIMURICÁ continua concentrado numa possível solução do quebra-cabeça dos termos sem copos ou canudos ao alcance das mãos).



PERIMURICÁ olha de soslaio TAUIL lendo o artigo. Os olhos movimentam-se outra vez em direção aos termos de chá. Como uma criança grande e traquina, pega um dos termos e aperta o botão da saliência superior. O mecanismo interno suspende uma pequena coluna em meio a qual há um espaço vazio que logo depois é ocupado por uma pequena bolota envolta numa membrana transparente. Dentro do qual há um líquido âmbar. A bolinha está aquecida.



(ELE olha TAUIL de soslaio. Ela permanece concentrada na leitura do artigo. TAUIL tenta concentrar-se na leitura. Quando olha PERI, este disfarça, como quem não está fazendo nada demais).



PERI

(fora do campo de visão de TAUIL)



(Ele joga a bolinha de uma para outra mão. De quando em vez sopra a bolinha no ar. Já agora a lança no interior da boca. As bochechas se enchem de ar. A bocarra permanece fechada. PERI parece sufocar. Os olhos se enchem de lágrimas. Ele se concentra enquanto as lágrimas escorrem pelas faces rubras. De repente abre a boca num rompante e dela sai um jato de fumaça soprado para fora).



(O rosto do ÍNDIO é de sofrimento. O corpo hirto, a visão contemplativa. Os olhos pasmos e fixos lacrimejam. Os cabelos eriçados. Ele aspira o ar e transpira pela boca, abrindo e afunilando os lábios para fora. A cena é simplesmente cômica. De quando em vez PERI abre a bocarra a expelir o excesso de vapor quente também pelas narinas).

214. INT. DO SPA. SALA DE ESTAR ADENTRADA PELO JARDIM DE VERÃO — DIA



ADRIANE TAUIL

(a inquietação de PERIMURICÁ atrai sua atenção)



Que está acontecendo PERI?



PERIMURICÁ

(controlando-se, os olhos ainda lacrimejam)



Chá ruim! Muito quente! Fazendo uma careta ele repete: Muito quente... Demais!



PERIMURICÁ

(mostrando-se incômodo e envergonhado)



Por que meti a mão nessa cumbuca? Ele cospe com força o invólucro para o lado, quase a engasgar. Na carranca vermelha contraída, pequenas quantidades de liquens escorrem das fossas nasais. PERI ajeita-se na poltrona, os olhos ainda cheios de lacrimação. O índio enche as bochechas de ar soprando pela boca pequenas quantidades de vapor que saem também pelas fossas nasais.



ADRIANE TAUIL

(examinando atentamente a situação)



PERI, nunca vi você desse jeito. Você está intranquilo.



PERIMURICÁ

(aponta o dedão em direção à garrafa térmica)



Não tente beber daquele chá. — O nativo tenta se recuperar arfando, de vez em quando, o ar pela boca entreaberta. Começa então a puxar da boca metros de finíssimo fio de cores alternadas. Com a ponta da língua ele encontrou a ponta presa do fio a um dente. E com os dedos indicadores e polegares da mão esquerda e da mão direita ele, alternadamente tenta puxar o último pedaço de fio que nunca chega ao fim. A situação é cômica e embaraçosa.



ADRIANE TAUIL

(levando a mão ao queixo interrogativamente)



Aquilo é um medicamento, PERI, eu não teria feito isso! — A situação para eles é muito tensa. E TAUIL, por isso mesmo, não percebe a veia cômica da mesma. Ela volta a lê o artigo. Olha outra vez para PERIMURICÁ que, finalmente, parece ter se livrado do último pedaço do fio da bolinha de chá.



(Adriana aproveita a passagem de uma enfermeira e pede um copo de água gelada para ele. Em seguida continua a leitura que lhe parece muito interessante).





215. EXT./INT. MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA NO PARQUE DO IBIRAPUERA. SÃO PAULO — DIA



(ROSSI LEE é atingido brutalmente por uma pancada na cabeça desferida com um pedaço de cano. Do grupo de quatro idosos conhecidos por “hot-dogs” um deles diz):



1° “HOT-DOG”

(vendo o sangue escorrer do ferimento na cabeça de ROSSI LEE)



Ele não morreu. Vamos matá-lo logo!

2° “HOT-DOG”

(olhando para ROSSI LEE desmaiado, sangrando)



Maldito “pig”. Veja a cara dele. É um rapaz? —Eles levantam suas armas para bater no JORNALISTA. Um deles berra, impedindo o massacre.



1° “HOT-DOG”

(a expressão de surpresa e pasmo)



Esperem! Os malditos! Vocês não estão vendo? A aparência dele. Parece muito rejuvenescido. Ele é humano?



2° “HOT-DOG”

(admirando-se)



Caramba! Como pode estar acontecendo isso? É umaa ilusão de ótica?



3° “HOT-DOG”

(sustendo no ar o golpe com a barra de ferro)



Impressionante! É algum maldito extraterrestre?

1° “HOT-DOG”

(baixando ao chão um taco de baseball)



Credo! Parece um adolescente. A geri8atria deles está mesmo bombada.



4° “HOT-DOG”

(exclama em alta voz e perplexidade)



Como os canalhas estão conseguindo esse resultado? Esse cara está rejuvenescendo ao invés de envelhecer. Isso é demais!



3° “HOT-DOG”

(levando a mão espalmada à boca)



Já via esse filme antes! Benjamin Button.



2° “HOT-DOG”

(mostrando grande estranhamento)



Mas ele é mesmo o Brad Pitt??



1° “HOT-DOG”

(acalmando as expectativas de violência)



Isso é muito estranho! Vamos ter de levá-lo para o grupo decidir o que fazer!



(Os “hots” improvisam uma maca na qual carregam ROSSI LEE)



4° “HOT-DOG”

(espantado, comenta)



Os malditos “pigs” estão mesmo fazendo progressos.





216. INT. DO SALÃO DE JOGOS. SALA IMPROVISADA DENTRO DO ESPAÇO DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA. PARQUE DO IBIRAPUERA — DIA



(Os idosos amarram ROSSI LEE num globo mapa-mundi enorme, sobre o qual jogam um tipo de “war-game”. O grupo está admirado com a aparência rejuvenescida do JORNALISTA. Sua aparência jovial provoca neles o exacerbo de sentimentos de revolta contra a política de rejuvenescimento praticada nos “spas”).



1ª SENHORA

(chegando-se muito próxima ao rosto de ROSSE LEE)



Danação! Poderia ser meu bisneto.



BIAL

(um senhor próximo a ela, provocou)



Se você tivesse um, BELLA, mas não teve filho. Dona Amblose não deixou.



MÁRCIO KUBRUSLY

(mostrando grande admiração)



Ele está envelhecendo às avessas! Ou é um trabalho de bruxaria desses “SPAs”.

ANOLANDA

(costura a testa de ROSSI LEE)



Cara eles acertaram você de jeito. Catorze pontos! Não há de ser nada. Os medicamentos são multiterapêuticos. Logo você vai estar novinho de novo.



TTDOPÊLO

(uma senhora de aparência alienada)



Por que não deixam ele sangrar até morrer? O cara é um “pig-spa”. Pela aparência deve ter chips implantados no lugar de órgãos internos. — Há muito sadomasoquismo entre os grupos de “hot-dogs” versus “pig-spas”. ROSSE LEE acredita que dificilmente sairá vivo do meio deles.





217. INT. DO SALÃO DE JOGOS. SALA IMPROVISADA DENTRO DO ESPAÇO DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA. PARQUE DO IBIRAPUERA — DIA/NOITE



(Os braços amarrados em cruz sobre o globo luminoso, os olhos de ROSSI LEE abrem-se temerosos do que poderá fazer com ele o “hot-dog” PADILHA que se aproxima com um bisturi eletrônico).



PADILHA

(com ares de cirurgião compassivo)



Vou abrir um talho em seu abdome, filho. Você entende! Precisamos saber que tipos de coisas puseram em você no lugar do fígado. Ou se seu fígado está plugado a um circuito MicroBioChips Transponder.



ROSSI LEE

(vendo a situação ficar preta)



Por favor, não faça isso, replica. Expedição Norton! Lembram? Expedição Norton!



FELIPÃO

(com expressão doutoral)



Se você não é um deles, como explica sua aparência? Desafia. Você só pode ser do time contrário. Você veste a camisa dos “pig-spas”, do contrário, como teria essa aparência adolescente?



ROSSI LEE

(resistindo às acusações)



Não sei do que estão falando! Hot-dog para mim é salsicha dentro de pão com mostarda e ketchup.



(A aflição extrema com que foi dita a frase do JORNALISTA provocou intensas risadas entre membros da plateia do grupo de “hots” que ocupam os salões do Museu de Arte Contemporânea).

CHARLES BROWN

(insistente e provocativo)



O filho da puta ainda é cheio das gracinhas! Comenta ele que exerce liderança sobre o grupo.



ROSSE LEE

(não para de insistir)



Norton! Norton! Expedição Norton! Novembro de 2035. Lembrem! Vocês não têm memória? Estou com minha companheira de Expedição, ADRIANE TAUIL. Ela está lá fora. A fotógrafa da Expedição Norton! Expedição Norton!



(As risadas se fazem ouvir com maior intensidade. Gargalhadas soam de bocas escancaradas, surpreendentemente cheias de dentes. A plateia de “hots” está se divertindo mesmo).



ROSSI LEE

(sente o clima piorando para seu lado)



TAUIL! ADRIANE TAUIL. Ela está lá fora, não muito longe. Por que não conferem o que estou dizendo?



CHARLES BROWN

(com o olhar contém o bisturi na mão do PADILHA)



PADILHA

(fazendo menção de que vai cortar o abdômen de ROSSi LEE)

Ele ainda confessa que conhece a pilantra assassina! Chefe da equipe médica da clínica TAUIL & OSTROWSKY. É muita safadeza! Esse cara tá doidão de batida de limão ou o quê? Eu quero cortar ele chefe (olhando para CHARLES BROWN). Deixa eu cortar ele, chefia!



CHARLES BROWN

(tentando entender)



Vamos ver se compreendi. Você fez parte de uma expedição em 2035? É isso? E onde está seu envelhecimento, garoto? Hein? Hein? — Desafiou CHARLES BROWN (aproximando-se mais de ROSSI LEE).



VILMA DRAGÃO

(intervindo da plateia)



Quantos anos você tem rapaz? — Chega! Já é demais tanto cinismo. Corta ele que ele merece! Passa o bisturi para a MIRIAM PATOTA que ela faz logo o serviço. — Berrou o hot-dog ZÉ LOBÃO. E completou: Quantos anos você tem, rapaz?



ROSSI LEE

(esperançoso de que ouçam sua história)



É uma longa história, se vocês me permitirem contá-la. — Olhando o idoso PADILHA (após o olhar de consentimento de CHARLES BLROWN), começava a cortar a superfície de sua pele à altura do fígado.



GANSO PARDO

(entrando de súbito no salão, interrompe o aprofundamento do corte)

O BERNARDO está trazendo uma coisa para você. Alguém do grupo berrou. — BROWN dá a entender ao PADILHA que cesse, por momentos, a “operação”.



(Entram na sala três sujeitos armados com revólveres e fuzis-metralhadoras, um deles entrega um pedaço de papel a outro que o encaminha ao chefe do grupo. Após ler o bilhete que ADRIANE TAUIL havia posto no para-brisa do carro para ROSSI LEE, BROWN o repassa para outros membros do grupo. Alguém comenta):



Parece que agora vamos ter de ouvir a história dele. — Ouvem-se alguns protestos que fizeram contraponto com algumas risadinhas.



(Sinais de estresse e sono são evidentes em ROSSI LEE. Alguém põe um comprimido em sua boca com um pouco de água e pressiona o maxilar. A cabeça do JORNALISTA pende para trás e depois para o lado e para baixo. Seu rosto, após momentos, semelhante a um Cristo crucificado, preso ao globo onde brilham os continentes desenhados em tinta fosforescente).





218. INT. DO SALÃO DE JOGOS. SALA IMPROVISADA DENTRO DO ESPAÇO DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA. PARQUE DO IBIRAPUERA — NOITE



(ROSSI LEE despertou disposto, revigorado, agente de forças inusitadas. Dormiu 45 minutos. Pensou ter dormido pelo menos oito horas. O salão estava cheio de gente. Desamarraram-no).



CHARLES BROWN

(em tom desconfiado e desafiador)



Conte sua história, esperto, talvez você convença alguém de nasceu mesmo no século XX (risadas debochadas acompanham a fala de CHARLES BROWN).



ROSSI LEE

(narrativo)



Vocês sabem muito bem de que a “amblose disforme” não foi o único fenômeno estranho entre os acontecimentos que despovoaram o planeta. ROSSI LEE resumiu os acontecimentos. Ao lembrar as vítimas da CHE, das viroses, ele fala do “Arquivo Jângal”. Da “TV full-time”, até a chegada na pousada em Barra do Garças.



(Ao terminar sua exposição dos eventos, ele vê a plateia mudar de atitude. Não estão, seus espectadores, tão debochados como antes dele começar a falar).



ROSSI LEE

(mostrando preocupação)



Preciso falar com ADRIANE TAUIL. Ela não sabe onde estou. Preciso procurá-la. Talvez ela tenha encontrado o SPA da filha e esteja lá.



(Muitas risadas se fazem ouvir outra vez. Sorrisos abafados transformam-se em gargalhadas).



ROSSI LEE

(com voz irada)



Que coisa eu disse pode ser tão engraçada? Não sou humorista. Vocês riem fácil demais. Parece uma gangue de bufões.



CHARLES BROWN

(complascente)



Escuta filho, pega leve! — O mundo agora está dividido entre os “hot-dogs”, que somos nós, e os “pig-spas”, nossos inimigos. A explicação vem de um idoso que parece ser o braço direito de CHARLES BROWN.



(As explicações sobre o mundo “pós-amblose-disforme” se sucedem. De repente todos querem falar. E trocar ideias com ROSSI LEE. O lugar se transforma num “mercado persa”. Todos falam simultaneamente).



PADILHA

(revelando-se excelente orador)



Uma década depois das últimas crianças terem nascido os barões do planeta investiram em pesquisa geriátrica e em rejuvenescimento. — PADILHA explica não apenas a parte política e econômica dos eventos que modificaram radicalmente o planeta, mas expõe e elucida os eventos que transformaram as relações entre ricos e pobres em conflitos violentos e radicalizados. Ao extremo.



PADILHA

(continuando a narração)



A preocupação com a vaidade tornou-se a única motivação de vida dos “pigs” que passaram a produzir produtos que apenas eles poderiam ter acesso ao consumo. Principalmente cosméticos, soros, chás, medicamentos de combate aos radicais livres. O soro hepático da longevidade, aliado à atividade física intensa nos “spas”, provoca um período de rejuvenescimento das células.



(Sucede-se à explicação uma preocupação geral em retirar ADRIANE e o índio PERIMURICÁ de dentro do “SPA TAUIL E OSTROWSKY”).





219. INT. SALA DE ESPERA. SUBNÍVEIS SUBTERRÂNEOS DO “SPA TAUIL E OSTROWSKY”. IBIRAPUERA — NOITE



(O doutor IRWIN FEIFER ao adentrar a sala de estar, faz a saudação nazista “Fervet Opus”, e convida ADRIANE a acompanhá-lo).



DR. IRWIN FEIFER

(Mostrando-se simpático e condescendente)



Entrem, por favor, faremos tudo o que estiver ao alcance para que sua estada seja a mais proveitosa possível. — O médico acredita que ADRIANE TAUIL é sócia da clínica no Brasil e veio da Romênia para fazer inspeções de rotina. Apesar da aparência dela ser bem mais jovem que a da doutora ARIADNE TAUIL, sua avó. Ele acredita que esta aparência jovial é produto do avanço nas pesquisas de rejuvenescimento da clínica TAUIL E OSTROWSKY.



ADRIANE TAUIL

(mantendo-se incógnita)



Perfeitamente, doutor FEIFER. —— Responde ADRIANE, a falar o menos possível, para não despertar qualquer suspeita de que não é a pessoa que ele pensa que ela seja.

DR. IRWIN FEIFER

(não consegue esconder seu entusiasmo)



Romenos são realmente insuperáveis em pesquisa geriátrica! Ele pega o braço de ADRIANE e começa nervosamente a apalpar sua pele, como se não acreditasse na textura da mesma. —— Como podem ter chegado a esse grau de perfeição? Um tanto afetado ele exclama: Di-vi-no, é simplesmente i-na-cre-di-tá-vel, per-fei-ta de-ma-is. Que textura! FEIFFER pronuncia as palavras como se estivesse mais que comovido, extasiado.



DR. IRWIN FEIFER

(chegando próximo à bajulação escancarada)



Santo Reich! Vocês avançaram muito. As novidades devem ser realmente fantásticas. Que inusitada qualidade epidérmica! Os avanços geriátricos da equipe Ostrowsky são realmente fantásticos. — Olhando com certo desdém para PERIMURICÁ ele exclama: “O segurança vai acompanhar a inspeção?”.



ADRIANE TAUIL

(olhar de cumplicidade para PERIMURICÁ)



Ele nunca fica distante de mim. São ordens! — ADRIANE responde com certa ironia, olhando sorrateiramente para PERI. Este, pousa a manopla no ombro de ADRIANE, numa mostra de intimidade que suscita uma expressão de incontrolável desdém do médico.



(A sala onde adentram é um laboratório de horrores. Dezenas de corpos de hot-dogs estão sendo assados vivos dentro de cápsulas rotativas nas quais vários medidores externos de temperatura e reações químicas indicam o gradativo estado comatoso das “cobaias hot-dogs”).

220. INT. NOITE. ELEVADOR E SALAS SUBTERRÂNEAS DO “SPA TAUIL & OSTROWSKY”. IBIRAPUERA



(IRWIN FEIFER continua explicando como os processos químicos agem para expelir o humor aquoso das glândulas sudoríparas através das secreções viscosas que se “exulam” das fadigas orgânicas dos “hot-dogs” em estado comatoso).



DR. IRWIN FEIFER

(didático, com ares de superioridade arrogante)



Quanto mais resinosos os líquenes, melhores os resultados dos medicamentos geriátricos.



(Os comentários explicativos de FEIFER soam aos ouvidos horrorizados de ADRIANE como se ele não fosse humano). E estivesse completamente incapaz da mínima empatia para com os “hot-dogs” presos às máquinas numa temperatura média mínima de 45°, padecendo indizíveis horrores para manter a viciosa vaidade dos “pigs”. PERIMURICÁ mantém a expressão de quem está, simultaneamente, enojado e contido.



DR. IRWIN FEIFER

(mostrando-se disciplinado e entusiasta)



Infelizmente nessa fase, eles não duram muito tempo. A extrapolação orgânica do fígado ressecado, a fibrose e formação de nódulos, semelhante ao processo de cirrose, a bílis segregada inutiliza os subprodutos químicos das secreções...



(A causa da irritação, quase insuportável, tanto de ADRIANE quanto de PERI, está na excessiva soberba com que o doutor FEIFER pronuncia as palavras. Como se afirmando a altivez para eles inexplicável, por estar partícipe dessa dominação excessivamente sádica da população de “hot-dogs” aprisionados para serem cobaias dessas pesquisas sobre o “soro da longevidade”).





221. INT. SALAS DO LABORATÓRIO EXPERIMENTAL DO “SPA TAUIL & OSTROWSKY”. IBIRAPUERA — NOITE



(ADRIANE mostra-se realmente atordoada à vista de tanto sofrimento e ao mesmo tempo da absoluta insensibilidade do médico FEIFER).



ADRIANE TAUIL

(pensando em voz alta)



Os médicos juraram cumprir o código deontológico! Infelizmente a maioria deles apenas jurou! TAUIL mencionou de si para consigo a falta de ética do doutor.



DR. IRWIN FEIFER

(absorto em pensamentos)



Como? Repita! Não ouvi direito!



ADRIANE TAUIL

(recuperando-se da indiscrição)



Ah! Não foi nada! Estava pensando em voz alta!!



PERIMURICÁ

(com acentuada advertência)



Não tarda eles vão descobrir que você não é a pessoa que pensam ser. — PERIMURICÁ, aproveitando certa distância ganha pelos passos apressados do médico, sussurrou para ADRIANE. — Aí a cobra vai fumar!



ADRIANE TAUIL

(mostrando-se muito tensionada)



Não dá para continuar por mais tempo essa impostura. —— Os olhos esbugalhados de estupefação fazem ADRIANE verter lágrimas ao passar pelas imensas galerias subterrâneas, onde contempla as imitações de seres humanos arrastando-se por detrás das grades. A pele reluzente de suor antígeno.



PERIMURICÁ

(estupefato ao ver tanto sofrimento)



Fantasmas podem sonhar? — Pergunta PERIMURICÁ olhando para os “hot-dogs” prisioneiros semimortos arrastando-se em direção às grades em câmera (passos) lenta.



ADRIANE TAUIL

(ao lembrar-se da luminosidade dos túneis sob a selva)



É a mesma luminescência. A luz azulada nos túneis de acesso aos subterrâneos do mosteiro na selva Amazônica.



DR. IRWIN FEIFER

(atendendo ao celular)



FEIFER chama ADRIANE ignorando a presença do nativo: “Venha, doutora, precisa andar mais depressa!”.



ADRIANE TAUIL

(repete baixinho de si para consigo)



“Belial empinava-se na montanha de escórias fumegantes e sulfúreas bem no centro do reino de gritos e estertores onde Éris, a Discórdia, dominava os infernos”. —— TAUIL repete as frases a partir de uma memória distante. Algum texto que um dia havia lido. Não lembra o nome do autor.



(Alguns prisioneiros “hots” ao vê-los estendem os braços lentamente em direção às enormes mãos do índio que estavam a segurar as grades de uma das celas. Da garganta de alguns “hots” prisioneiros saem sons ininteligíveis. PERI estende as mãos em direção a um deles olhando em seus olhos interrogativos, como se não compreendesse por que lhes imputavam tantos horrores).





222. INT. NOITE. CORREDORES E SALAS SUBTERRÂNEAS DO SPA



(Ruídos de tiros, disparos de metralhadoras. Muitas explosões se fazem ouvir ao longe).



PERIMURICÁ

(sorri como se estivesse a alegrar-se)



Chuva! Chuva!

ADRIANE TAUIL

(estranha a atitude do índio)



Que quer você dizer com isso? Ela interroga PERI. — O índio apenas sorrir abertamente para ela.



ADRIANE TAUIL

(afirmativa)

Não pode estar sabendo se está ou não chovendo. Estamos no sexto subsolo. ADRIANE mantém a expressão facial interrogativa.



ADRIANE TAUIL

(pergunta)



Você quer dizer chuva de balas?



DR. IRWIN FEIFER

(muito apreensivo)



Depressa! Entre no elevador. FEIFER continua ignorando PERI. Fala como se apenas ADRIANE estivesse presente.



(O elevador industrial começa a subir lentamente. CHARLES BROWN abre a portinhola superior do elevador e pula em seu interior).



CHARLES BROWN

(muito tenso)



Você deve ser ADRIANE, viemos resgatá-la. — E você PERI. Precisamos sair daqui logo. A Guarda Nacional vai estar aqui em pouco tempo. — Depressa! Temos de sair logo daqui!



DR. IRWIN FEIFER

(extremamente irado)



Esses malditos “dogs”, o SPA está sendo invadido. — FEIFFER aperta um botão de alarme ao mesmo tempo em que pega um aplicador de choque de alta-voltagem de um escaninho interno. — Esses malditos “dogs”!



(CHARLES BROWN é atingido pela extremidade do bastão de choque empunhado por FEIFER. O impacto é tão forte que o lança meio para fora do elevador industrial. Ele ainda segura na borda, mas, para não ser esmagado pelo movimento de ascendente do elevador, ele salta para o piso externo).





223. INT. DO SPA. PARTE INTERNA DO ELEVADOR — NOITE



DR. IRWIN FEIFER

(a exteriorizar ódio e preconceito)



Vê se morre sub-raça! FEIFER joga o peso do corpo sobre o tórax de PERI, pressionando com os dois braços a extremidade da arma de choque à altura do coração do índio.



PERIMURICÁ

(A absorver a intensidade do impacto. Ele abre a bocarra, mas dela não sai nenhum som. Há apenas o pressentimento de um estrondo colossal, virtual, que se lança de suas entranhas, a abranger todos os espaços subterrâneos do SPA. O nativo paralisado momentaneamente cai de joelhos. Parece estar a arregimentar forças internas inusitadas, enquanto FEIFFER vira-se em direção a ADRIANE tentando atingi-la com a ponta da arma de choque).



DR. IRWIN FEIFER

(a exteriorizar ódio e preconceito)



Piranha! Vadia! Quem é você realmente? Juro que vou comer seu fígado vivo.



ADRIANE

(reage com grande indignação)



Maldito porco nazista! — Ela segura com as duas mãos o punho do médico, impedindo, por momentos, que a arma de choque a atinja. — PERI estende o braço esquerdo em direção aos bagos do médico. Levantando-se, ele suspende a mão para trás e logo depois para frente e para cima, num movimento que alavanca o corpo de FEIFER fazendo-o virar em cambalhota, ao inverter a posição do mesmo.



(As luzes internas do SPA começam a piscar. Acendem e apagam, enquanto o elevador ora desce, ora sobe, conforme os movimentos dos membros de seus ocupantes que, involuntariamente, atingem os botões direcionais do mesmo).



DR. IRWIN FEIFER

(berra, traduzindo a intensidade da dor violenta resultante da fúria do ataque de PERI)



HUUUAAAUAUUAU! — Ele perde completamente a noção de espaço. Após a cambalhota a cabeça atinge com força o chão do elevador. A cabeça do médico vai alojar-se entre as coxas do índio que a prende ao fechar as pernas. — O ascensor firma-se em movimento descendente. Enquanto se fazem ver nos corredores e salas fora dele, bandeiras vermelhas compridas a mostrar em meio a elas o logotipo negro das indústrias de cosméticos e produtos “Tauil e Ostrovsky”: FERVET OPUS, comercializados via sites na Internet.





224. INT./EXT. ELEVADOR E SALAS SUBTERRÂNEAS DO SPA. IBIRAPUERA — NOITE



(CHARLES BRONW entra no elevador ainda em movimento, pega o bastão de choque da mão direita de FEIFER e começa a aplicar-lhe choques ininterruptos, sob os olhares nas faces ofegantes de ADRIANE e PERIMURICÁ. A jornalista, percebendo que o médico está possivelmente morto, pega no bolso de BROWN).



ADRIANE

(a segurar o pulso de CHARLES BROWN)



Basta! Ele não reage mais. Está sem vida.



CHARLES BROWN

(ironiza a situação)



Esse maldito, gente ruim como ele não morre fácil! —— BROWN leva os dedos à garganta de FEIFFER e sente que não há mais pulsação jugular. BROWN salta do elevador e sobe correndo a escada onde se encontra com ROSSI LEE.



CHARLES BROWN

(agitado, ele fala para ROSSI LEE)



Sua mulher, ela está bem. Está dentro do elevador com um índio.

ROSSI LEE

(sem esconder a estranheza, pergunta)

Por que você não os trouxe? Não é para isso que estamos aqui?

CHARLES BROWN

(muito agitado e apressado)



Não há tempo para explicações. Pegue-os e os conduza até o segundo pavimento onde há o rombo na parede. O reforço da segurança do “SPA” não tarda a chegar.



(Guiados por outros membros do grupo, ADRIANE, PERI e ROSSI LEE dirigem-se para o lugar onde uma explosão abriu uma grande fenda na parede do 2° andar do SPA que dá acesso à área externa).





225. INT. DO SPA. SALAS E CORREDORES SUBTERRÂNEOS — NOITE



PADILHA

(aponta firmemente numa certa direção)



Sigam, depressa! Encontro vocês mais tarde. Saiam daqui logo. ROSSI LEE após abraçar ADRIANE, volta-se e corre em direção ao interior do SPA. Sem treinamento no manejo de armas, mas se crê perfeitamente hábil para manejá-las.



(Após pegar a metralhadora de um “pig-spa” atingido no olho direito, ROSSI LEE dispara no colete do morto verificando que o mesmo é, realmente, à prova de balas. Veste-o. Um hot-dog, no calor do combate atira nele supondo estar atirando num “pig”. Com um gesto desculpa-se e retira de um inimigo morto o colete, protegendo-se ele também).



PADILHA

(mirando no falso “pig”)

Sou eu, ROSSI LEE. Não atire.



PADILHA

(apressando-se)

Vamos buscar CHARLES BROWN, ele não vai querer sair do SPA até matar o último “pig”. A Força Armada não tarda a chegar. É suicídio ficar mais tempo.



(A visão das enormes jaulas onde são mantidos a 45° centígrados mínimos os prisioneiros “hots” capturados nos “pogrons” de detenção dos “hot-dogs”, os odores do suor antígeno que dessas celas exalam, a aparência física ultrajada dos “dogs” em seus trajes sumários, as expressões corporais abatidas...).



CHARLES BROWN

(ele pára um momento frente à ampla sala de estar de salão de exercícios aeróbicos do “SPA”. Dezenas de “pigs” estão passivamente acovardados, olhando para fora do biombo da parede de vidro protetora baixada automaticamente para separá-los da zona de conflito).



(A revolta de BROWN transforma-se em ódio operante).



CHARLES BROWN

(apressando-se em dá ordens)

Abram as grades das enxovias! Acionem os controles. Libertem os presos! — O velho CHARLES se transformou numa máquina de matar. Qualquer residente do “SPA” que não seja um “hot” ele elimina impiedosamente. — Matem todos os malditos, berra ele. Não sejam fracos. Não tenham piedade. Deem-lhes o troco.





226. INT./EXT. DEPENDÊNCIAS SUBTERRÂNEAS DO SPA. LOCAIS DE SAÍDA DOS GUERRILHEIROS “HOTS” — NOITE



(Os “hots” que se agruparam próximos a ROSSI LEE chegam a BROWN. Apesar de ferido, ele luta com os poderes do Leão. Há estilhaços de vidraça nos ombros, no rosto, nos braços, cabeça e mãos. Meia dúzia de seguranças “pigs” entram na sala onde são recebidos com rajadas de metralhadoras à altura da parte superior do tronco, pescoço e rosto. Os corpos “pigs” são lançados bruscamente para trás. As pernas patinam no ar).



PADILHA

(berra em direção ao ouvido de BRONW)



Vamos depressa, os reforços estão chegando! Logo a Força Armada estará aqui. O apelo bramido a todo pulmão no ouvido de CHARLES BRONW acompanhado de um puxão violento no braço dele serve de alerta.



CHARLES BROWN

(recuando teimosamente em direção às jaulas de prisioneiros)



Os portões das celas estão abertos?



PADILHA

(exasperando-se mais)



Sim, mas não serve de nada. Você não compreende? Os prisioneiros estão desidratados, eles não podem mais andar, simplesmente se arrastam. Ninguém no mundo pode fazer mais nada por eles.



(Os caminhões da Força Armada começam a chegar. Oficiais e soldados vestidos de uniforme verde-oliva vieram restabelecer a lei e a ordem. Vieram defender a tirania dos ricos contra os pobres, dos poderosos contra os fracos. A ditadura da vaidade contra os sobreviventes das ruas).





227. INT. DO ABRIGO “HOT”. MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA. IBIRAPUERA — NOITE



(ADRIANE e PERIMURICÁ foram resgatados. Os “hots” feridos e exaustos, os que saíram com vida da invasão do SPA, trocam impressões ao chegarem ao território protegido pelos guerrilheiros “hots” nas imediações do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo).



ZECA ZUMBI

(enquanto é medicado ele fala, olhando para PERIMURICÁ)



Vocês puderam ver: idosos dão no coro. Estamos, os que sobramos, vivos para contar a história. O colete havia salvado sua vida. Há marcas de tiro no tórax e na parte posterior do tronco.



ADRIANE TAUIL

(a mostrar incontrolável indignação)



Como pode aquela casa dos horrores, aquela Ilha do dr. Moreau, esse campo de concentração ser obra de minha filha... Ou neta? Como pode prestar-se a essa empresa macabra? ADRIANE está inconsolável.



ROSSI LEE

(consolando-a)



Estamos bem! Estamos aqui (ROSSI LEE fala olhando em volta) eles foram mesmo impressionantes. Muita coragem, arriscar dessa forma suas vidas por pessoas que conheceram apenas há poucas horas... Sem esquecer que tiveram uma motivação para reagir. Para desafogar uma raiva contida por muito tempo.



PERIMURICÁ

(passando o braço em volta da boca)



Chá muito ruim aquele. Sabor infernal! Ele faz uma careta. Depois sopra um pouco de fumaça, aliviando-se. ADRIANE sorrir e pergunta:



ADRIANE TAUIL

(admirando-se)



Como você conseguiu retê-la tanto tempo nos pulmões? Eles devem ter cozinhado mesmo (risos gerais) — Pessoas cuidam de seus ferimentos. Os feridos são muitos.





228. INT. ESTÁDIO OLÍMPICO MONUMENTAL. PORTO ALEGRE — DIA

(No Estádio Beira-Rio realizam-se as competições das Olimpíadas entre os membros dos vários templos da Igreja do Salvador dos Últimos Dias, à qual pertencia, antigamente, o Pastor MCKENZIE. As arquibancadas estavam cheias de idosos sarados de todos os cantos do país. Afinal, aquele era um evento ao qual não podiam faltar. Os principais espécimes dos “SPAS” exibindo-se mutuamente. Logo estariam definidas quais as práticas de nutrição mais avançadas nas pesquisas genéticas de rejuvenescimento).



(Os atletas que ganhariam os melhores lugares nas mais diversificadas formas de competição foram focalizados recebendo seus prêmios, suas medalhas de ouro, prata e bronze. A TV-Ghost mostrou o evento. Todos eles foram intensamente treinados nos quartéis e Centros de Treinamento da Força Armada, antigo exército e polícia militar. Na capa da minuta dos jogos vê-se o desenho de um atleta com o número 111 estampado na camiseta estilo regata-fashion. Os “pig-spas” aproveitavam o evento esportivo para comemorar o assassinato covarde de 111 “hot-dogs” pegos fora das grades das enxovias durante a invasão do “SPA TAUIL & OSTROWSKY” pelos "hots").



(As autoridades máximas do país estavam presentes nos camarotes especiais, ingerindo os mais destacados produtos dos “spas”: bebidas com maltes envelhecidos em tonéis contendo a “dosagem certa de plasma antígeno que acelera a produção de anticorpos específicos ou de linfócitos sensibilizados”. Através de toda a área das arquibancadas do Estádio estavam à vista bandeiras enormes, no formato das exibidas nos eventos esportivos e políticos nos tempos do III Reich. Compridas e vermelhas, tendo no centro o logotipo em preto: FERVET OPUS).





229. EXT. ESTRADAS. PAISAGENS. PRAIA PARTICULAR DE HOTEL. SALVADOR. BAHIA — DIA



(ADRIANE e ROSSI LEE hospedam-se num hotel de turismo na Bahia que possui uma praia particular. São poucos os hóspedes. Mas quando a notícia corre de que estão hospedados, o hotel começa a se encher de hóspedes curiosos. Resta-lhes, quando isto acontece, sair do lugar e ficar viajando. O casal esquiva-se ao trato e à convivência com os remanescentes da raça Homo sapiens/demens e seu triste e lamentável passado).



(O “full-time-movie” mostra a maior tragédia ecológica nacional: o governo do PT e suas obras políticas da primeira presidente da República mulher. Você não quer ver? A pergunta de ADRIANE suscita a resposta irônica de ROSSI LEE):



ROSSI LEE



“Recordar é morrer”, como dizia o provérbio popular pós-governos do PT.



(O filme mostra que a Usina de “Belo Monte de Merda”, como popularmente passou a ser chamada, construída para o enriquecimento ilícito de empreiteiras e políticos corruptos, resultou, com o passar do tempo, em irreversíveis impasses socioeconômicos e ambientais. A alteração do curso do rio Xingu para alimentar as barragens, gerou o apodrecimento das raízes de milhares de árvores que serviam de diques de alimentação para diversas espécies de peixes ao longo dos municípios de Vitória do Xingu, Brasil Novo e Altamira. Ao final da obra concluiu-se que seria preciso outro rio Xingu para garantir a vazão da represa e a geração de energia elétrica para os 365 dias do ano. 30 terras indígenas e 15 unidades de conservação foram atingidas. Populações nativas foram expulsas de seus ambientes originais).



(O filme do dia da TV-Ghost, ou Canal 10, mostra cenas da cidade de Altamira transformada numa grande favela. As obras da usina “Belo Monte de Merda”, mais que duplicou seus habitantes. E o “território mais indígena do país” foi invadido por todo tipo de interesses econômicos criminosos. Muitos líderes de grupos ecológicos foram assassinados. Os crimes continuaram depois de 2001 quando o coordenador do Movimento pela Transamazônica e do Xingu, Ademir Federicci morto covardemente com um tiro na boca quando dormia ao lado da esposa e do filho caçula, após sua participação em debates de resistência contra a construção da Usina de “Belo Monte de Merda”).



(A TV-Virtual mostra no filme do dia, cenas do passado, ocorridas na 1ª década do século XXI, quando a coordenadora do movimento Mulheres do Campo da Cidade do Pará, e do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Antônia de Melo, após ameaças e tentativas de assassinato não saiu mais às ruas. Segundo ela, “essa Usina foi um crime contra a humanidade perpetrado contra nove povos ribeirinhos e trabalhadores da agricultura familiar que foram simplesmente expulsos da região”. A TV-Ghost mostra cenas de mobilizações populares e de ambientalistas que há décadas realizavam ações de resistência contra a usina com repercussão internacional).



(A “TV-Virtual Canal 10” exibe cenas do passado. Do passado anterior à construção da Usina “Belo Monte de Merda”, em doze de abril de 2010 o diretor de cinema James Cameron, a atriz Sigourney Weaver e Joel David Moore participaram de ato público contra a obra. O GREENPEACE, em 20/04/2010, protestou contra a Agência Nacional de Energia Elétrica em Brasília, despejando três toneladas de esterco na porta de entrada da ANEEL. As faixas do protesto diziam: “O Brasil precisa de energia, não da usina Belo Monte de Merda").



ROSSI LEE

(ironiza as cenas vistas na TV-Ghost)



Se é que um monte de merda poderia ser belo.



ADRIANE TAUIL

(sarcástica)



Um modelo de desenvolvimento para encher os bolsos dos amigos da corrupção institucionalizada, contra a qual os parlamentares desse Partido dos Trabalhadores foram eleitos.

ROSSI LEE

(concluindo)



Vergonha e decepção! Foi tudo que sobrou das promessas “éticas” desse partido.



(O documentário da “TV-Virtual” mostra a transamazônica das centenas de comunidades ribeirinhas, os atos públicos manifestaram, no começo do século XXI, a indignação e o repúdio a mais essa “obra do PT” construída a partir do Sítio Pimental. O “Canal 10” exibe cenas do livro do Cacique Raoni, “Memórias de Um Chefe Indígena”, lançado no longínquo ano de 2010, prefaciado por Jacques Chirac. Recebido por Nicolas Sarkozy, Raoni, em entrevista À RFI, disse que os índios reagiriam com “guerra de guerrilha” àqueles que estivessem construindo a barragem, durante todo o período de construção da usina Belo Monte: “Monte de Merda”).



(O “Canal-Ghost” mostrou também o recrudescimento das queimadas e da devastação da floresta pelo desmatamento, por aqueles trabalhadores que, após a construção da Usina, ficaram sem trabalho. Os slogans pós-Usina diziam: “Após O governo Do PT Sobrou Para Você A Amazônia Devastada”).





230. EXT. HOTEL 5 ESTRELAS. PRAIA DE BOA VIAGEM. RECIFE. PERNAMBUCO — NOITE

ADRIANE TAUIL

(em tom de surpresa)



Venha ver! Advinha quem está no “full-time-movies” de hoje?



(Sentado numa poltrona frente à praia, ele atende ao chamado de ADRIANE. Chega-se ao lado dela e visualiza a “TV-Ghost”. Um monge está ao lado de NORTON junto a uma esfinge num enorme salão onde se veem estátuas gigantes dos “Guardiões Silenciosos”).



MONGE

(com certa cortesia)



Por favor, senhor NORTON, venha ao stand seguinte. Acredite! A Esfinge costuma devorar os que dela se aproximam. Literalmente, às vezes. O senhor pode não ser uma exceção.



NORTON

(mostrando muita segurança)



Há tempo decifrei, eu mesmo, meu enigma. ÉDIPO decifrou a trindade do tempo no homem. Haverá algo mais obscuro e difícil?



MONGE

(persuasivo)

Para cada ser o imprevisível começa sua atuação no momento em que é gerado. Apenas um embrião e já está a vivenciar seu particular enigma. Quanto mais cedo compreender isso, mais chance terá de decifrá-lo. — As palavras do monge soam a NORTON como um desafio.



NORTON

(sempre excessivamente assertivo)



“O estar preparado é tudo”. NORTON citou a frase de HAMLET em resposta ao anacoreta. — Ele nem desconfiava de que o cristal “high-tech” de que é feita a Esfinge já o havia devorado mil vezes X mil vezes. E rastreado seu código genético de trás para frente, de frente para trás, por milhares de gerações passadas, desde o momento em que ele não passava de um aminoácido perdido numa cadeia genética elementar.



ROSSI LEE

(contemplativo)



NORTON parece confiante demais, pondera ROSSI LEE. ADRIANE oscilando a cabeça de cima para baixo e de debaixo para cima, mostra que está em plena concordância com ele.



ADRIANE TAUIL

(em concordância)



“Não percebeu que nessa guerra nada é previsível”. — Ela ouve ROSSI LEE dizer, num murmúrio, como se falasse para si mesmo: “nesse sentido o desconfiômetro dele estava sempre desligado”. Os grandes olhos de ADRIANE estão temerosos e atentos.





231. INT. SUBTERRÂNEO DO MONASTÉRIO AMAZÔNICO — DIA/NOITE

(NORTON está extasiado com as maravilhas arqueológicas do museu “subway” do Mosteiro Amazônico: ídolos esculpidos em pedra e mármore. Estátuas muito antigas trabalhadas em madeira e metais, ouro, cobre. Imagens do nascimento de deuses. Peças e utensílios do período minóico. Desenhos em relevo de teogonias, cerâmicas de Cnossos e cretense).



NORTON

(exibindo-se um “connaisseur”)



A pérola lendária, o olho mitológico dos incas. Está aqui! — Ele estende a mão destra para pegá-la e ao crânio de cristal com olhos de jade. — Suas propriedades mediúnicas e premonitórias! Exclama NORTON extasiado.



(A mão agora se estende em direção a uma adaga de lâmina sutil com dois gumes superpostos).



MONGE

(didático)



Alguns antigos a chamavam “adaga de cristal”. Algumas dessas preciosidades têm suas origens no limiar do tempo, em civilizações há muito extintas. — O monge o conduz ao salão contíguo onde se podem apreciar peças que remontam a 140 milhões de anos, tipo o “Hammer of Texas” atualmente exposto no Museu de Somerwell. — O monge mostra-lhe peças de antiguidade muito remota. Peças de ferro com alto grau de pureza. Possível apenas de terem sido forjadas a partir de ferramentas de uma tecnologia muitíssima avançada.



NORTON

(excitado e desafiador)



Você está sozinho nesse lugar. Se houver mais alguém estará tão longe que nem preciso me preocupar. Quem poderia socorrê-lo de um ataque traiçoeiro? Ora, traição é minha rotina.



(Dito isso NORTON apunhala o monge com a “adaga de cristal”. Quer vê-lo morto, sair desse lugar levando consigo a maior quantidade possível dessas riquezas arqueológicas ETs impressionantes).



NORTON

(entrando num surto psicótico de intensa compulsão)



É hora de decisão, meu caro. Afirma com olhar alucinado, enquanto esfaqueia compulsivamente o monge repetidas vezes. Cortando-lhe a garganta. Mais tarde, passa horas em busca de uma saída do labirinto subterrâneo, caminhando inutilmente entre câmaras, túneis, passagens, salas, corredores, frinchas. Agacha-se para descansar e beber um gole de água do cantil, quando vê, ao lado, as sandálias do “homem da solidão”. Identifica-o pelos pés e a aba da batina. Levantando-se, ameaçador, pergunta:



NORTON

(em pleno delírio psicótico)



Quem é você, maldito? Que faz aqui? Volte para o inferno. NORTON atinge o monge com vários tiros de pistola. — Ele permanece impassível.



MONGE

(encarando-o com implacável compaixão)

Nem todos os caminhos que guiam para baixo conduzem igualmente para cima, senhor NORTON. Ele puxa lentamente para trás, com ambas as mãos, o capuz que lhe cobria as faces. O rosto branco e liso, assustador, vai se transformando na própria cara de NORTON. Isso o tranquiliza, afinal, nunca faria mal a si mesmo.



(O “olhar de penitência” do anacoreta fixo em seus olhos, começa a aterrorizá-lo. Sua memória traz ao nível consciente matanças indiscriminadas. O prazer cromagnon dos combates. O sangue dos adversários respinga em seu rosto exultante. A adrenalina das batalhas, o transe maligno que o subordinava aos senhores do poder político das trevas. Ao poder político e econômico das guerras. Senhores aos quais serviu servilmente. Os senhores da morte, do complexo industrial militar, da estupidez, da mentira, da ignorância. Da violência armada. Uma série de fotocópias de sangue das vidas que ele tirou nos conflitos armados dos quais participou. Os fantasmas dos mortos por ele nas mais variadas missões de guerra e guerrilha, passam a atormentá-lo. O amontoado de dor, sangue, medo, ansiedade, violência, horror se torna totalmente insuportável).



(Uma grande quantidade de situações “horribile dictu” se fazem presentes. Situações manifestas de covardia, agressão, taras, traições, ódios, crimes, estupros, causam-lhe um padecimento atroz. Um horror inominável dele se apodera. Como se estivesse somando às suas dores, o desespero e a dor de seus adversários. Somam-se nele, atraídas por uma irresistível gravidade pessoal, milhares de “faíscas quânticas”. Nele se alojam como se fossem milhares de marimbondos de fogo. Transformam seus ossos, plasma, pêlos, pele e músculos em faíscas luminescentes. Em poucos segundos, num amontoado de cinzas que logo são levadas por um pé de vento, ele se dissolve em resíduos de pós da combustão. Misturando-se à areia pardacenta do chão “subway”).





232. EXT. SALA DE JANTAR DA HOSPEDARIA À BEIRA DA PRAIA — DIA



(ADRIANE sente a presença do índio PERIMURICÁ na sala. Não pode vê-lo, mas, de alguma forma, ela sabe que ele está ali, perto dela, participando desse momento).



ROSSI LEE

(ponderativo)



Custa acreditar que o corpo, a mente, a memória do todo poderoso líder da Expedição NORTON tivesse realmente virado pó.



ADRIANE

(afirmativa)



PERI está aqui! Você não sente? (ROSSI LEE faz que não ouve).





233. EXT. HOSPEDARIA FRENTE AO CALÇADÃO DA PRAIA DE PONTA NEGRA. LITORAL SUL DE NATAL — DIA



(O filme do dia, nos dias que não se contam mais, narra a história de três grandes mistérios. Mistérios sobre os quais haviam especulado centenas de cientistas no segundo quartel do século XXI: os chamados “casos abessivos” por exprimirem a noção de “perto de”, “de fora”, mas não explicavam senão parcialmente, as aberrações tipo Combustão Humana Espontânea, ou a TV-Ghost e a Lua eletromagnética, corpo celeste tipo “Drácula Virtual”, de posicionamento simétrico à lua natural do outro lado da Terra. Essa lua, satélite artificial invisível da Terra, lugar de aprisionamento de bilhões de “faíscas quânticas”).



ÂNCORA DA TV-GHOST

(ele diz: “é assim que funciona”)



NORTON em poucos minutos transformara-se em mais uma dentre as bilhões de outras “faíscas quânticas” aprisionadas (escravas) na Lua de Tecnologia Virtual do Outro Lado da Terra, simétrica à Lua natural.



(Transformou-se, simultaneamente, em ondas VHF/UHF da TV-Virtual. A faísca quântica NORTON virtualizada no universo paralelo simulado, criado pela tecnologia ET, havia partido da estação orbital invisível, datada de um espectrômetro de referência de elétrons, plugado a um altímetro e a outro espectrômetro, este último de florescência de raios-X. Tecnologia da “sintonia quântica” via satélite).



ÂNCORA DA TV-GHOST

(ele continua a explicitar os mistérios da TVVIRTUAL)



(A TV magnetofenomênicaosmótica. Para NORTON fora preciso morrer para saber como a coisa toda funciona. — As faíscas quânticas (almas) são similares aos hádrons monitorados por um modelo sensorial, um organizador biosensor. Elas se mantêm coesas e estáveis por serem ligadas aos quarks. O que mantém essa coesão interna é a “interação de similitude forte”, de um modo semelhante à interação dos átomos unidos pela força eletromagnética. As partículas em seus nanonichos têm numeração quântica semelhante às do grupo de Poincaré JPC(m) J é o Spin, P a paridade C, a paridade C e “m” a massa...).





ÂNCORA DA TV-GHOST

(a emissão da voz do locutor supostamente desmistifica esses fenômenos científicos. Ela soa semelhante à do computador sensorial Hall, (do filme de Stanley Kubrick 2001: Uma Odisseia No Espaço).



O satélite se realimenta a partir de um mapeador espectroestereoscópico acoplado a um radiômetro térmico de infravermelho e a outro espectrômetro. Este, de raios gama, articulado a um eixo de painéis, controlado por um radiômetro de microondas antenado em faixa média “SS” de ganho médio, e em faixa “S” de baixo ganho, tencionado em fontes coletoras parabólicas de energia, calor e luz solar...





234. EXT. HOSPEDARIA FRENTE À PRAIA DE JERICOACOARA. LITORAL DO CEARÁ — DIA



(O casal adâmico passeia pela paisagem da praia. Conversa descontraidamente)



ROSSI LEE

(simplificando)



As profecias se cumpriram. Aquele mundo iníquo acabou. Aquele mundo perverso dos gangsteres políticos, dos membros decrépitos dos assessores jurídicos, dos discursos de palanque e intermináveis promessas que adiavam o amanhã para um futuro inexistente.



ADRIANE TAUIL

(memorizando)



Os parlamentares, os magistrados, os desembargadores e ministros? Olhando-nos com inveja e ira. Vaidosos, rancorosos, mentirosos, até o estertor.

ROSSI LEE

(em concordância)



Sempre cheios de empáfia. Até a última cardiopatia. Pareciam sombras inúteis, semoventes, a sustentar um script incrustado no código genético. Muito antes de teres nascido.



ADRIANE TAUIL

(mexendo os músculos das narinas)



Ainda posso sentir o odor antígeno que exalava de seus corpos! Sim! Ainda agora a memória auditiva, visual e olfativa os traz aqui (ela tosse e escarra como quem vai vomitar)... A fétida memória da transpiração dos usuários dos produtos das clínicas dos “spas”: pílulas, sabonetes, desodorantes, “shampoos”, pasta de dentes, creme de barbear, loções cosméticas exalando enxofre.



ROSSI LEE

(depreciativo)



À base do suor antígeno dos “hots”. Eles se sentiam muito “chiques” ao emanar esse odor.



— (Risos).



— (Lágrimas).





235. EXT. SOL DE OCASO. PRAIA DO COQUEIRO. LITORAL PIAUIENSE — DIA/NOITE.



(TAUIL e ROSSI LEE curtem a paisagem deserta)



ADRIANE TAUIL

(em tom de comentário)

Tenho de ficar colada em você todo tempo. Tenho a sensação de que se ficar longe de ti, se você sair de meu campo de visão um único momento, nunca mais te verei. Fico aterrorizada só de pensar ficar sozinha nesse mundo. Seria uma solidão insuportável. Um medo insuportável. Uma sensação invencível de desamparo. Abandono.



ROSSI LEE

(acalmando-a)



Solidão não é estar sozinho. É estar inadequadamente acompanhado. Se estás sozinha contigo e gostas de ti e de tua companhia, então todos os seres do universo paralelo da memória te fazem companhia. Como poderias te sentir sozinha?



ADRIANE

(aquiescendo)



Sei, PERIMURICÁ está presente, sempre. Depois de todo esse tempo deve ter também morrido. Mas está aqui.



ROSSI LEE

(com humor)

Aquele CHE GUEVARA fim dos tempos (risos). Ele dizia que a vida tinha um propósito. Ele lutaria para libertar os “hots” aprisionados nas enxovias dos “pigs”. (Risos, gargalhadas).



ROSSI LEE

(ainda sorrindo)



“A matéria é mesmo feita de sonhos”.





236. INT./EXT. CHALÉ NA PRAIA DE ITATINGA. MARANHÃO — DIA

(Ao caminhar pela praia, o casal adâmico não mais se incomoda com a companhia daquelas pessoas dos séculos XVIII e XIX, transeuntes fantasmais aleatórios. Por vezes são vistos rapidamente quando estão em ambientes tipos museus históricos. Esse, afinal, é também o mundo deles. De alguma forma aqueles habitantes ainda estão por lá).





237. INT./EXT. CASARÃO EM ALCÂNTARA. MARANHÃO — NOITE



(O casal adâmico está sentado ao redor de uma mesa antiga num casarão colonial de portas e janelas azuis. Um candeeiro ilumina a sala com suas sombras de antigamente. De repente, como se vindos de um universo paralelo apareceram convivas. Agora, inexplicavelmente, estavam apreciando cenas de um casamento do século XVIII. As pessoas com seus costumes de há quatro séculos, rodeavam-nos como se fazendo festa. A mostrar-lhes que ainda não haviam, de todo, abandonado aquele lugar fixo, quieto no tempo. Passado).





238. EXT. TERRAÇO TURÍSTICO. CRISTO REDENTOR. NOITE. RIO DE JANEIRO — NOITE

(O casal adâmico, idoso, mas incrivelmente energizado, olha a paisagem do alto a se descortinar frente à estátua onde aparecem, ao longe, o Pão de Açúcar e parte da baía da Guanabara. A desolação ao redor é simplesmente irreversível. A sensação de uma solidão sobrenatural irradia-se das paisagens. Uma TV insiste em transmitir, via Ghost-Canal, imagens da ascensão e queda do III Reich, entremeadas com cenas dramáticas de prisioneiros dos campos de concentração. Imagens que fazem contraponto com as da enxovias nos subterrâneos do “SPA” no Ibirapuera).





239. EXT. PRAIA DA TRINDADE. PORTAL DE TRINDADE. PARATY. ESTADO DO RIO — DIA



(O casal adâmico caminha pelas areias da praia. A câmara focaliza o local muito do alto, como se numa foto de satélite. Vai se aproximando aos poucos até tornar nítida a paisagem. Ao se avizinhar da praia, aos poucos focaliza em plano geral os passos do casal. ADRIANE sente os dedos de ROSSI LEE a apalpar sua mão. O cabelo longo como se de um hippie. Ela veste um vestido comprido, meio transparente, com motivos florais).



ADRIANE TAUIL



Diga o que você quer, querido, diga.



ROSSI LEE



Quero que você prometa uma coisa. Por favor, diga que sim!



ADRIANE TAUIL



Sim, claro que sim. Como poderia negar-lhe o que quer que fosse? “O que ele poderá querer?” —— E logo protesta: “Não, não prometo nada! Só faltava! Ser a última mulher da Terra e fazer promessas!”



ROSSI LEE

Por quê...



ADRIANE TAUIL



O quê? Que você disse?



ROSSI LEE



Uma única vezinha, umazinha, você não faz alguma coisa sem reclamar?



ADRIANE TAUIL



Diga, é só dizer, eu farei tudo, qualquer coisa... Prometo!



ROSSI LEE



Mesmo? Jura?



ADRIANE TAUIL



Garanto. Qualquer coisa. O que é?



ROSSI LEE



Nunca fale com anjos! Nunca mesmo!! Não podemos nos arriscar a começar tudo de novo!!!



ADRIANE TAUIL



Anjos! Ora!! Anjos!!! Anjos de natureza vegetal? Anjo lagarto, ave, serpente? — Ela, uma idosa cheia de manias, defesas e narcisismos atávicos, estranha a rabugice do companheiro.



ROSSI LEE

Jure! Por favor!! Jure!!! — “Nos dias de seus pais costumavam dizer das mulheres que sabiam contar até seis porque não havia fogão de sete bocas”. — E eles riam disso. Riam disso. “Riam disso”, repete ele.



ADRIANE TAUIL



Não ouvi direito. Que você disse?



ROSSI LEE

(balbuciou)



“Se depreciavam as mulheres assim, imagina o resto do mundo”!



ADRIANE TAUIL



Você está falando sozinho outra vez!



ROSSI LEE



Nunca fale com anjos. Você promete mesmo?



ADRIANE TAUIL



Sim! Claro!! Prometo!!!



ROSSI LEE

(peremptório)



Não aceite nada deles. Não faça promessas com eles!



ADRIANE TAUIL



Nada mesmo! Nenhuma promessa!! Juro!!! Por Deus. Pare com isso, querido! — Anjos!!! — “Ele está ficando bobo! Como se pudesse alguma coisa com anjos!” — Nunca vi nenhum anjo a vida inteira. Exceto quando toda a gente habitava essa terra.



ROSSI LEE



Eles não virão dessa vez!



ADRIANE TAUIL



Somos o último casal da Terra. Não precisas ficar caducando! Você não tem o direito de prescrever-se. — Ou tem?



ROSSI LEE



Quê? Querida, ser o último tudo bem, mas começar tudo de novo? Nunca! Tanto horror!! Todo aquele horror!!! Não, não quero ser essa espécie de criminoso temerário. Nunca mesmo!!!.



ADRIANE TAUIL



Não haverá nada demais se aparecer um anjo. Eu descarto as pretensões dele. Acredite!!! Coisas da Bíblia. Ora essa! Quem sabe? — A mulher olha para os lados e para cima girando-se em volta de si mesma.



ROSSI LEE



Vozcêeeeehussushlksklçsjhfheum. Drysysykjshmsisdjkshosse.



(O zumbido soou nítido na tradução de seu significado na mente da mulher):



“Não quero ser nenhum instrumento biologicamente virtual de nenhum Deus ex-machina disposto a me usar para começar tudo de novo”.





240. EXT. SALÃO FECHADO DE HOTEL HÁ MUITO ABANDONADO. CIDADE DE PARINTINS. AMAZÔNIA — DIA

(O casal adâmico, sorrir de inexplicável felicidade. Estão contentes e se preparam para ingerir uma beberagem de vinho com uma porção de outra bebida que eles puseram nas taças. Eles ingerem o conteúdo delas, e se abraçam com uma indescritível ternura).



(Algum tempo depois eles começam a viver uma experiência fenomenal delirante. Eles sentem que se afastam da Terra a grande velocidade em direção ao horizonte. Vencendo distâncias numa rapidez impressionante. Ultrapassam terras, rios, vales, pântanos, cidades, cânions, cadeias de montanhas, paisagens desérticas e geladas... Até chegarem à linha do horizonte planetário. Numa velocidade de escape, o foco evade-se do planeta, entra na esfera externa do sistema solar. Passam rapidamente por planetas, luas, asteroides, em direção ao vácuo. Vencem distâncias infinitas, passando por sistemas solares de beleza inusitadas, estrelas, galáxias. Sempre em direção alhures).





241. INT./EXT. — DIA/NOITE



(A “TV-Ghost” exibe cenas do documentário ficcional “O Mundo Sem Ninguém”).





242. INT./EXT. NAVE — DIA/NOITE



(Starnautas caminham para fora da starnave acompanhados por centenas de milhares de exemplares da espécie Homo sapiens/demens).



(Os milhares de exemplares de indivíduos da espécie Homo sapiens/demens são tangidos para fora de uma grande nave mãe em direção à superfície selvagem de um planeta desconhecido. Entre eles estão militares das três armas, representantes dos Três Poderes vestidos à caráter. Roqueiros, concertistas famosos, tenistas, atores, cantores, atrizes, diretores de cinema, atores famosos da Broadway e de Hollywood, escritores, jornalistas. Veem-se os principais atores e atrizes da série LOST, e de outras, modistas, modelos, paparazzi, religiosos, homens, mulheres, crianças).





243. INT./EXT. NAVE — DIA



(Todos desembarcam como se estivessem meio que drogados, desde que nenhum deles mostra resistência. Apenas caminham passivamente em direção aos redutos de rocha maciça onde se encontram milhares de cavernas desabitadas para as quais se dirigem como se elas fossem suas únicas possibilidades de abrigo. (Em “off” ouve-se a trilha musical da canção da banda Titãs denominada “Vossa Excelência”).





244. EXT. GRANDE ÁREA DE TERRA DE CAPIM BAIXO COMO SE DESTINADA À PASTAGEM — NOITE.



Uma adolescente vestida de noiva destaca-se do grande aglomerado de pessoas. Ao se vê sozinha agacha-se em meio à vegetação para fazer necessidades fisiológicas. Enquanto seu olhar fixa uma estrela muito brilhante próxima a uma das duas luas do planeta. A estrela brilha numa constelação até então desconhecida em meio a outras constelações. Nesse lugar e nesse céu completamente estranhos.





245. INT. CAVERNAS — NOITE



(O tempo passou. As pessoas com suas vestes desgastadas pelo uso sem substituição das roupas demasiado desgastadas. Começam a disputar restos de caixas de biscoitos e sopas que são aquecidas primitivamente numa fogueira coletiva. Alimentos esses tirados de caixotes quando desembarcados da nave mãe. O monte de lenha em chamas foi aceso com um isqueiro tirado do bolso de um senhor vestido à “Black-tie”. Mas o isqueiro não acende mais.





246. INT./EXT. CAVERNAS — DIA



(Um grupo de sobreviventes que regrediram à condição de hominídeos começa a grunhir em direção a outro grupo. Ambos os grupos parecem se hostilizar na disputa de um lugar próximo a uma fonte de água aonde se encontram a beber alguns animais primitivos. Eles não ousam se atacar mutuamente tementes de despertarem a atenção das feras que bebem água na lagoa pouco extensa. As pessoas agora parecem ter regressado à condição pré-histórica de habitantes de cavernas, com um nível tecnológico, social e mental próximo à condição original dos primeiros hominídeos).





247. INT./EXT. CAVERNAS — DIA/NOITE



(Um grupo familiar primitivo mostra-se muito apreensivo ao ouvir os ruídos pesados dos pés e os sons guturais de gargantas ferozes que rondam o espaço exterior da caverna).



(Vestidos de trapos e precariamente encolhidos no colo de algumas mães, crianças sujas buscam se abrigar, os olhos arregalados de temor. Um homem peludo a quem outros grunhem um nome audível como algo parecido com Peluso, vai até um cantão da caverna onde começa a escavar com as mãos em busca de algo).



(Ele acha uma pistola que havia trazido ao desembarcar da “starnave”. Ele a aponta em direção à entrada da caverna. Nela aparece a cabeça de um espécime que parece um Tiranossauro Rex. Ele aponta a arma e, assombrado com a cabeçorra do animal, puxa o gatilho em sua direção. As poderosas mandíbulas com dentes aguçados de 18 cm numa cabeça com um metro e meio de comprimento não se abala em nada com os tiros. Estendendo o enorme pescoço a fera aproxima-se abrindo ameaçadoramente a bocarra diante do grupo indefeso de frente a essa ameaça tão poderosa. Mas a fera não tem condições de penetrar pela estreita entrada da caverna).





248. EXT. DA CAVERNA. UM SOL DIVERSO INTENSO DE TONALIDADE ALARANJADA CHAMEJA A RUTILAR NO HORIZONTE LUMINOSO E MUITO DISTANTE — DIA



(Um dos homens da caverna abre os braços e gira volteando em torno de seu próprio corpo num movimento de 360°. A luminosidade solar do lugar incendeia o écran. O homem fala para si mesmo como se falasse através dele O Espírito: shiiixzzjontyhhshszc! E continua a repetir esses sons alveolares e fricativos).





249. EXT. DA CAVERNA. UM SOL DIVERSO DO SOL DA TERRA, INTENSO E LARANJA, CHAMEJA A RUTILAR NO HORIZONTE LUMINOSO E MUITO DISTANTE — DIA



HOMINÍDEO SAPIENS/DEMENS

(a girar com as palmas das mãos coladas nas orelhas)



Hiwhkwhmsoryssshissgurrthreilhasahinsthihaj! — Uma voz interna traduz os sons fricativos:



“Pereçam os dias com seus reis burgueses, seus conselheiros criados e cativos em demasia. Todos escravos! Todos servos fieis! Raça de cães construtores de necrópoles! Eu os criei para ser homens, mas vocês precisam ser servis! És Espírito e estou a falar contigo! Estás aqui comigo! Agora! Sempre! Tua jornada será novamente longa! Este fim...Outra vez... Origem. Esta Escolha. Tua. A opção de quem não sabe o que faz! Este, teu livre arbítrio! Segundo Tua Vontade!!!”.





250. EXT./INT. CAVERNA — NOITE



(Um hominídeo seminu, esfarrapado, parado na paisagem desolada do planeta desconhecido, tendo o vento e a poeira como companhias próximas, vê um chapéu preto de abas largas, levado pela ventania. O chapéu fica preso numa espécie de cacto espinhoso, com galhos torcidos em forma de coroas de espinhos. O vento ameaça levá-lo para longe. Ele pisa depressa na aba do largo chapéu preto. Levanta-o até a altura do umbigo e olha para dentro da copa onde está presa uma das coroas de espinho do cactus).





251. INT. CAVERNA — NOITE



(O mesmo hominídeo em franca regressão psicossomática ajoelha-se em frente à Rocha da Caverna e parece orar. Enquanto ao redor da cabeça pingos de sangue descem em fios frente à testa. Ele repete sons inteligíveis (enquanto balança o tronco para a frente e para trás, num gesto a demonstrar certa patologia atávica).



252. EXT. CAVERNA — NOITE



— Fossssisisisisilllllllshekestrynsnsnllonansn:



No écran aparecem as frases traduzidas dos sons fricativos do hominídeo: “Essa solidão e essa angústia de não me pertencer senão a mim. A dominação de meus desejos. Não preciso me culpar nem a ninguém por existir”. — (Ele repete essas orações como se fossem as únicas que conhece).





253. INT./EXT. CAVERNA — NOITE

(O personagem ajoelhado em suposta oração, o tronco deslocando-se em efêmeros movimentos para frente e para trás. O chapéu de abas largas está em frangalhos. A testa sangra quando, por vezes, roça na parede de pedra da caverna).





254. INT./EXT. CAVERNA — DIA/NOITE



(O hominídeo é mostrado em distanciamento cada vez mais intenso. O espaço no interior da rocha vai ficando menor. Até que a enorme estrutura de pedra se mostra a partir do exterior. Ela se expõe como sendo um grande edifício de apartamentos em ruínas).





255. EXT. CAVERNA. PAISAGEM PRIMITIVA — DIA/NOITE



(A paisagem vai ficando menor. A distância cada vez maior, mais e mais longínqua do lugar primitivo permite, afinal, que se visualize esse gradativo distanciamento à altura da estratosfera. Ao longe, muito longe, é possível visualizar as configurações geográficas do planeta Terra).



FADE OUT



(The End)

 


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