Usina de Letras
Usina de Letras
147 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62210 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10356)

Erótico (13568)

Frases (50604)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140797)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->Viajar é viver -- 16/06/2005 - 18:54 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Viajar é viver

Já disse alhures que um de meus prazeres mais puros é sair de carro pelo interior brasileiro, parando aqui e ali para visitar as pequenas cidades que falam com eloquência às minhas raízes provincianas e nordestinas.
Nesses programas, nada me encanta tanto como andar no meio do povo, percorrer as feiras livres e os mercados, conversar com as gentes simples desses lugares.
Pois é nessas ocasiões que eu sinto realmente a minha natureza intrínseca e posso fruir com naturalidade o verdadeiro prazer da convivência humana, sem preconceitos ou barreiras de qualquer espécie.
Essa irresistível atração pelos por esses ambientes, onde a maquilagem das coisas é vista como um recurso desnaturado, me tem levado a proezas e aventuras inesquecíveis, embora nem sempre destituídas de riscos.
Participar de cavalhadas, por exemplo, frequentar "rodas de São Gonçalo", dançando umbigadas ou gafieiras têm sido experiências fascinantes que, não obstante, me levam a lugares às vezes "pesados".
No rastro da sedutora atração de tais programas, outro dia resolvi ir à minha Fazenda, em Ipirá, utilizando os transportes dos sem carros.
Estava de férias, tinha todo o tempo do mundo, não havia nada que impedisse minha viagem nas condições em que a grande maioria da população se serve.
Assim, numa terça-feira, bem cedo, fui à rodoviária e peguei um ónibus para Feira de Santana.
A viagem foi ótima, segura e confortável, e ainda me ofereceu dois momentos de pura poesia.
Na altura de "Amélia Rodrigues" um preto velho, vindo pelo corredor do ónibus, agachou-se ao lado do motorista e lhe falou alguma coisa baixinho.
Apesar de sentado na segunda fila, não pude ouvi-lo.
Mas a pergunta do motorista - "O sr. aguenta até aquele alto?" foi ouvida por todos nós que estávamos na frente.
O velho aguentava!
Lá no alto, o motorista parou o veículo no acostamento, abriu a porta e o velhinho desceu ligeiro para "aliviar-se".
Ónibus para percurso pequeno, não possuía banheiro. E, como me disse o cobrador, eram frequentes essas paradas na estrada, principalmente para que velhos, mulheres grávidas e meninos pudessem atender a exigências irreprimíveis.
Logo adiante, já bem perto de Feira, o motorista outra vez estacionou o ónibus ao lado de um vendedor de cocos.
Abriu a porta e sem sair de seu lugar indagou ao "freguês" quanto custava o coco. Comprou três, e teve a gentileza de nos explicar, antes de dar a partida, que um filho pequeno, doente do estómago, precisava beber água de coco...
Em Feira, almocei com um velho e querido amigo.
Depois, pedi-lhe que me deixasse ao "ponto" das kombis que fazem a linha de Ipirá, numa praça onde se misturam vendedores de milho assado, de mingau de tapioca, a vigaristas que ficam à espera dos otários vindos da roça.
Meu amigo olhou-me incrédulo e perguntou-me se eu iria de kombi para Ipirá.
À minha resposta afirmativa, ofereceu-se para levar-me ele próprio, em seu carro, uma viagem de uma hora apenas, não era trabalho.
Não acreditou quando eu disse que faria aquela viagem por prazer, mas efetivamente 1evou-me ao local e deixou-me lá.
Ali se encontravam cinco peruas VW e naturalmente procurei pelo dono da que estava à frente das outras para saber a hora em que partiríamos.
Contando comigo, disse-me ele, já são três passageiros (pois duas mulheres já haviam sentado no banco do meio) e assim que lotar, iremos embora.
Sentei ao lado das duas senhoras e fiquei ali conversando e esperando.
Um pouco mais tarde, desci e fui sentar-me num banco da praça, próximo à vendedora de milho assado.
- Em dias normais, disse-me ela, vendo umas setenta espigas. Falei que gostava mais de milho cozido e ela concordou comigo. Também gostava, mas era pitéu pra se comer em casa e só na época de São João.
O tempo ia passando e a kombi recebendo novos passageiros.
Agora, já éramos sete e então perguntei ao motorista qual a lotação.
- Costumo levar quinze, doutor. Menos do que isso dá prejuízo!
Olhei arrepiado para o espaço da camioneta e não pude imaginar como caberiam ali quinze pessoas.
Perguntei-lhe então como distribuía o pessoal.
- Três na frente, comigo; cinco em cada banco e dois acomodados no fundo, reservado à bagagem.
Àquela altura, em cima da kombi, no porta bagagem, já não cabia quase mais nada, o peso era enorme: arrumados Deus sabe como, estavam dois pneus, um pára-choque de "Fusca", vários bocapios cheios de mercadorias, tudo encoberto por um encerado.
Com dezesseis pessoas e todo aquele peso a kombi não sairia do lugar, pensei comigo.
Então, perguntei-lhe:
- Qual a lotação que a Polícia Rodoviária permite?
- Dez passageiros, doutor, mas todos nós passamos com quinze e ninguém reclama. Eu mesmo já levei até dezoito, sem nenhuma aporrinhação!
Fiquei preocupado! Chamei-o para mais longe do veículo e lhe disse que não permitiria que levasse mais de treze passageiros. Eu pagaria mais uma passagem alem da minha.
Meio a contragosto, concordou.
Enfim, lá pelas três horas da tarde, quando já éramos doze passageiros, chegaram mais dois: um vaqueiro e seu pai, velhinho. Compreendi que não tinha jeito, iríamos superlotados!
Aquela altura eu ainda estava na companhia das duas mulheres e de uma jovem, mas apressei-me em ir para a poltrona da frente onde havia uma só pessoa.
Arrumados os viajantes, partimos.
Estávamos dois na frente, cinco no meio, cinco no último banco e dois no espaço das malas.
Tão acostumados ao desconforto dessas viagens, as pessoas sentam-se em ziguezague, ou seja, uma encostada no recosto, outra na ponta do banco, de tal modo que cada uma ocupa o mínimo de espaço possível.
Logo na saída da cidade, antes mesmo de pegarmos a rodovia, o motorista parou num posto de gasolina e nos avisou que iria pegar outro passageiro. Era seu compadre Vicente, não podia deixar ele na mão.
Arrumou a bagagem do Vicente em cima da kombi, acomodou-o no maleiro e partiu novamente.
Acho que nesses onze anos que possuo a fazendinha em Ipirá, já fiz mais de trezentas vezes essa viagem, um percurso de oitenta quilómetros.
Como ando sempre devagar, levo uma hora, uma hora e dez, para chegar.
Naquela kombi entupida de gente e de trastes, rodando a uma velocidade de cinquenta quilómetros, demoramos mais de duas horas para chegar em casa, felizmente sem nenhum sobressalto.
O melhor da viagem foram as conversas na kombi, mas elas ficam para outra história ...
02.09.88
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui