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Cronicas-->Professor de português -- 16/06/2005 - 09:48 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Professor de português

Lembro-me perfeitamente como se fosse hoje, apesar de decorridos vinte e oito anos!
Jorge entrou em minha sala, sentou-se numa cadeira e me disse:
- Paulo, só há um probleminha com minha viagem ao Chile e eu conto com você para resolvê-lo. É que eu havia aceito o convite do professor Pina, da Faculdade de Economia, para lecionar u´a matéria no "Curso de Secretariado" que eles acabam de organizar.Gostaria que você me substituísse!
- Qual é a matéria, Jorge?
- Português. Português comercial.
- Português? Você está doido? Eu mal sei português para meu uso, quanto mais para ensinar aos outros. Não, Jorge, não posso aceitar o convite.
- Que nada, Paulo, você tira isso de letra! Já dei seu nome ao diretor da Escola e ele quer que você passe lá amanhã cedo para acertar as coisas com êle.
Fiquei o resto do dia preocupado com a perspectiva de ter quer virar professor de português, justo eu que detestava gramática, suas regras cheias de exceções e que não conseguia escrever uma frase sem me afligir com uma série de dúvidas.
A única coisa que me consolava era saber que Jorge não conhecia nada de português e se ele encarava esse ofício com naturalidade eu não devia ficar tão vexado.
Na verdade, Jorge era tarado por matemática e estatística, tanto que estava indo para o Chile frequentar um curso de estatísticas monetárias e bancárias num instituto de altos estudos mantido pela O.E.A., uma iniciativa bem ao estilo do presidente do banco onde ele trabalhava, dr. Miguel Calmon, que lhe concedeu essa bolsa.
Quanto a mim, fui no dia seguinte à entrevista com o professor Pina e terminei aceitando a incumbência de dirigir o curso de português.
A experiência foi inesquecível, tanto que eu estou aqui a recordá-la, quase trinta anos depois.
A primeira turma do curso de secretariado, à exceção de um único rapaz, era constituída por mocinhas da alta sociedade baiana, todas que buscavam uma profissão que, àquela altura, parecia conter doses adequadas de charme e sofisticação.
Inteiramente inexperientes estavam, entretanto, abertas à novidade de um aprendizado que, esperavam, fosse inovador.
Resolvi inspirar-me num queridíssimo mestre de português que tive durante todo o curso secundário, nos Maristas, o professor Agenor Almeida, e montar um programa que sujeitaria os alunos a apenas duas obrigações: escrever e ler bons autores!
O professor Agenor gostava de dizer que a gente só sabe português quando identifica erros gramaticais pelos atentados à eufonia. "A língua há de ser como a música, onde qualquer desafinação perturba a harmonia dos sons e prejudica a frase melódica". Era quase um poeta, o nosso professor!
Assim, a metodologia do curso baseava-se em exercícios de redação coletiva, em sala de aula, seguidos de correção, também a cargo do grupo, alem de deveres de casa e de campo.
Por esse processo, cuidava de oferecer um aprendizado de coisas práticas, no ambiente dos escritórios e das empresas, tais como a redação de atas, cartas, memorandos, telegramas, relatórios, etc.
Lembro-me, a propósito, de que certa feita consegui com um amigo da Petrobrás que os alunos visitassem a Refinaria Landulfo Alves com a dupla finalidade de conhecerem o processo de fabricação da gasolina e de, sobre o assunto, produzirem um relatório.
Foi o primeiro documento da espécie que elaboraram e, preocupadas com a apresentação do trabalho, esmeraram-se em encaderná-lo em capas luxuosas, extravagantes. O miolo não era lá essas coisas, mas o invólucro era uma beleza!
Acima de tudo, os textos tinham quase o mesmo tamanho da distancia que elas percorreram para ir a Mataripe e voltar para suas casas, e me deu um trabalhão corrigi-los...
Afinal, depois de um semestre de muito esforço e criatividade, acordando cedo para estar na Escola às sete horas, três vezes por semana, chegaram as primeiras provas parciais, vésperas das férias de julho, o momento mais ansiosamente esperado por mim, que
ainda cumpria uma jornada de oito horas diárias, no banco onde trabalhava.
Foi quando o professor Pina mandou um recado para que eu fosse vê-lo na diretoria.
Procurei-o depois da aula. Ele foi muito gentil e simpático comigo:
- Sr. Paulo, fui informado pelo tesoureiro que o sr. nunca recebeu seus salários aqui, desde que começou a lecionar. Posso saber porque?
- Salários, professor? Jorge nada me disse a esse respeito e eu pensava que seria uma forma de colaboração e...
- Colaboração? Sr. Paulo, o Estatuto do Servidor Público proíbe o trabalho gratuito, o sr. devia saber. Por favor, passe amanhã na tesouraria para receber seus proventos.
Sai dali andando nas nuvens. Recem-casado, ganhava quinze mil cruzeiros por mês e só de aluguel pagava oito, vivia apertado. Aquele dinheirinho chegava na hora certa. Com Sónia esperando nosso primeiro filho para novembro, aquilo era um presente inesperado.
Fui à Escola no dia seguinte exclusivamente para pegar a grana.
Do tesoureiro, recebi exatos três mil, seiscentos e vinte cruzeiros, por quatro meses de aulas, menos do que vinte e cinco por cento do meu salário de um mês! Foi uma tremenda decepção!
Dias depois, novamente o professor Pina convocou-me a seu gabinete:
- Sr. Paulo, recebi seu pedido de demissão, mas gostaria de saber porque o sr. não deseja continuar conosco no segundo semestre. O sr. ia tão bem!
- Professor, posso até continuar, mas só se eu der as aulas de graça. Pra receber oitenta e dois cruzeiros por hora-aula, nunca mais!
13.12.88
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