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cronicas-->O despertar do inverno no cair da primavera -- 08/06/2005 - 19:29 (Carlos Eduardo Canhameiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O despertar do inverno no cair da primavera; os pássaros não cantam. Não há pássaros na metrópole

Carlos Canhameiro.

"Quer morrer?" - Gritou o motorista ao quase atropelar o transeunte (palavra que sempre gostei) distraído. O curioso - e o que o condutor da camioneta jamais saberia de fato - é que o moço - o transeunte (não tenho oportunidade de usá-la com frequência) descuidado - queria morrer. Não atropelado, como se póde notar, mas desejava a morte... Ficava, porém, entre o desejo e a realização. E, talvez - eu disse talvez - esse seja o motivo do transeunte (última, prometo) desejar a morte: não conseguir transformar desejos em realidades.
Vamos como calma... Antes de começar uma divagação sobre os motivos que levam alguém a desejar a morte precisamos tornar esse pedestre (!) em um ser palpável, não necessariamente palatável. E se eu disse "precisamos", estou criando um problema de pessoas, misturando singular com plural; espero que Pessoa possa me perdoar, ou nos perdoar: as pessoas! Enfim, aqui cabe a velha ladainha sobre o ser criado parecer ou não com o seu criador. Sendo assim, o nosso suicida em potencial pode ser - não quer dizer que seja - um reflexo do autor. O autor então quer se matar?, poderia perguntar o leitor mais ingênuo. O autor se omite nas linhas aqui escritas. O autor sempre será um ator fantasiado de palavras para interpretar a si mesmo. Enfim.
O jovem suicida, que ainda não merece esse epíteto (outra palavra que adoro e nunca usei, espero que tenha usado certo: eruditos de plantão?) porque só parte dele é verdadeiro: trata-se de um jovem - não um velho com espírito jovem como apregoam os velhos que não suportam a idéia da velhice -, talvez um jovem com espírito velho. Enfim. Um jovem, não suicida porque ainda está vivo. Em potencial, talvez. Então, nosso - que pode ser de ninguém, e sendo ninguém algo abstrato, seria ele de quem? - jovem suicida em potencial pode ser descrito como uma pessoa normal, entre as bilhões de pessoas que povoam a Terra. Isso é o suficiente, o protagonista já é um ser palpável, vamos ao àmago da questão: um estudo - único - dos motivos que levariam um jovem comum desejar a morte.
Em primeiro lugar, acredito ser necessário emitir uma opinião - que pode ser lida como uma opinião do autor, eu disse pode ser...! - Às vezes, desejar a morte pode ser mais doloroso que o próprio fato de morrer... Parece óbvio, não? Sei lá. Enfim.
O jovem suicida em potencial devolve em forma de pergunta a prerrogativa do estudo, numa brincadeira com as palavras... Sim, as palavras, brincadeiras visuais e sonoras que também funcionam como objeto de dominação, ouse falar errado e saberá quem o domina! Vamos a pergunta: quais os motivos para desejar viver sendo um jovem comum? - Não podemos dar crédito a essa pergunta, porque o autor dela é um desacreditado, já que não passa de invenção.
A invenção, porém, se pergunta: quem inventou quem e quais os níveis de invenção? Agora a merda da confusão está armada. Como viver sendo invenção de um sistema no qual as engrenagens estão perpetuadas pelo uso e jamais girarão em falso? "Poupe-nos do discurso panfletário", nós gritamos do outro lado do muro. Casar, ter filhos, ter pequenas coisas, viver da felicidade das pequenas coisas, fazer sempre pequenas coisas, pequenos carros, apartamentos, salários, elevadores, pequenos bares com pequenas contas. Amar o pequeno enquanto os grandes estão expostos em outidores - que `f*ck´ de palavra inglesa - onipotentes na avenida da grande metrópole, nos lembrando a cada momento que nunca seremos grande? "Foda-se, existem bilhões que vivem assim e estão vivendo", eles continuam gritando, o muro é mais alto, o jovem suicida em potencial mija no muro.
"Ame as pequenas coisas", ecoa por sobre os arames farpados do muro. O prazer da mediocridade, de ver os dias passarem sem que nada de importante aconteça de fato. Ler o livro genial mas nunca escrever um. Ouvir a melhor banda de rock e nem sequer saber solfejar uma escala de Dó no banheiro. Dó. Ver os maiores prédios e não construir uma casinha de cachorro. Os melhores computadores e não saber datilografar. Assistir o clássico na televisão - paga em prestações infinitas - e não ter nem bola, nem campo de futebol, muito menos amigos suficientes para marcar uma pelada. Ver tudo de bom e novo ser criado e vivenciado pelos garotos dos outidores, enquanto o que resta são as pequenas coisas do metró lotado. "Chega, se é assim, porque não se mata?", a voz do auto-falante grita inconformada. "Você não faz falta", esganiça. O nosso jovem suicida em potencial não sabe responder. Só sabe porque deseja morrer... Só lhe ensinaram isso quando o inventaram. São esses os seus motivos de desejar a morte, numa frase bem cartesiana para aqueles que ainda não entenderam nada!
Pede um café, o cheiro, o sabor... Poderia viver só por isso. Os pequenos detalhes, tão importantes, tão efêmeros, tão fúteis. Pega o dinheiro da carteira - presente de um ex-amigo - e paga. O pequeno prazer tem seu preço. Naquela noite, não decide morrer. Nosso jovem suicida em potencial opta pela vida - inspirado por um cafezinho de esquina. Ele - ao contrário da Verónica - decide viver, mesmo sendo tarde demais... Tarde demais porque a Terra já está morta, seus amigos a mataram. "Que amigos cruéis", diria o leitor ingênuo. O autor se omite, nunca conheceu os amigos do jovem suicida! Enfim.
Os passarinhos cantam, dependurados nas luminárias dos grandes outidores. O que eles cantam? Não se sabe, pássaros não entendem de música. Jovens suicidas não entendem de vida.
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