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cronicas-->Seu Agenor -- 05/06/2005 - 12:14 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"Seu" Agenor


Quando cheguei ao Recife para dirigir a sucursal do banco, logo nos primeiros dias, a propósito de não sei o que, o Mauro, gerente de Jaboatão, me disse que eu precisava conhecer "seu"Agenor, um cliente da agência.
Infelizmente, tantas providencias que reclamavam minha atenção pessoal, a necessidade de, rapidamente, visitar as agencias de minha jurisdição que ia até Belém do Pará, tudo isso impediu-me de procurar o Agenor, em Jaboatão.
Mas, embora não tenha ido lá, eu já sabia muita coisa a seu respeito!
Sabia, por exemplo, que ele era um microempresário que possuía uma granja avícola, acionista do banco. Negociava conosco havia alguns anos, com um limite de crédito de cinco mil cruzeiros.
Como ex-carroceiro, analfabeto, ia à agência antes do horário de atendimento ao público para evitar constrangimento pois a clientela não gostava de misturar-se com gente daquele nível.
Mauro o atendia nesses horários especiais e o tratava com muita cordialidade, estimulando-o no desenvolvimento de suas atividades. Eram bons amigos!
Era também nosso cliente exclusivo. Uma vez fora ao Banco do Brasil e o guarda não o deixara falar com o gerente pensando tratar-se de um desocupado.
Um dia Mauro procurou-me para dizer que Agenor lhe pedira um empréstimo de setenta mil cruzeiros na Carteira de Crédito Rural.
Tratando-se de operação muito acima de seu limite de crédito, trouxera-me o problema.
Antes de tomar uma decisão, resolvi que era hora de ir a Jaboatão conhecer "seu" Agenor! Fui sozinho, numa "Rural Willys" do banco, de manhã, bem cedinho, combinando com Mauro encontrá-lo na granja do Agenor.
Cheguei antes de Mauro e a primeira pessoa que encontrei foi um mulato baixo, troncudo, de idade indefinida, sem camisa e sem os dentes da frente, que perguntou logo o que eu queria.
Julgando tratar-se de um trabalhador da granja, pedí-lhe que me levasse ao "seu" Agenor, que deveria estar à minha espera.
Sem qualquer formalidade, respondeu-me que ele era o Agenor e que estava ali para receber-me, vestindo a camisa e mandando que eu apeasse do carro.
Desci pensando em como é que agente poderia emprestar setenta mil cruzeiros àquele sujeito!
De pronto, levou-me à sua casa e apresentou-me à mulher e aos sete filhos, o mais velho com uns 10 anos de idade.
Todos, evidentemente, trabalhavam na granja, foi logo me dizendo, inclusive o menorzinho, de 2 anos, que tomava conta do caçula, de meses.
A casa era, naturalmente, modesta mas muito limpa. Notei uma geladeira na cozinha mas reparei que a família bebia água de moringa.
No canto da sala de visitas percebi uma estante com alguns livros, e o Agenor me disse que nenhum filho seu seria analfabeto como ele. Todos haveriam de estudar e alguns já estavam na escola.
Ofereceu-me café com leite, pão, bolachas, bolo de milho e ovos estrelados, evidentemente.
Com a chegada de Mauro fomos visitar a propriedade, que era muito pequena, umas 8 tarefas, se tanto.
Aquela época, 1969, 1970, não me lembro bem, ele possuía 3 galpões e começou logo a mostrar-me e explicar-me tudo:
- Este aqui, doutor, é o mais velho, foi o primeiro que instalei. Pega umas mil galinhas! Os outros dois são mais novos e maiores.
Notei que um deles era bastante maior que os outros e possuía bebedouros, comedouros e recolhedores de ovos automáticos.
Perguntei-lhe porque os outros não dispunham desses equipamentos.
No seu linguajar peculiar de matuto sertanejo, explicou -me que a produção dos dois menores não justificava o investimento. Estava abaixo do ponto de equilíbrio!
Depois, falou-me que abatia as aves quando sua produção mensal caia abaixo de uma certa quantidade de ovos, pois o valor da venda deles era menor do que o preço do que comiam de ração.
Deu-me uma lição completa de avicultura, com muitas estatísticas e informações técnicas.
Fiquei admiradíssimo com seus conhecimentos e sua desenvoltura e perguntei-lhe como fazia para registrar tantas observações, sendo analfabeto.
Explicou-me que muitos fatos memorizava e outros o filho mais velho anotava num livro e que o veterinário - um irmão de Mauro - que vinha à granja uma vez por semana conferia tudo e discutia com ele as estatísticas.
Afinal, indaguei-lhe de chofre pra que ele queria tanto dlnheiro do banco, setenta mil cruzeiros!
-Pra comprar milho na Bahia, doutor. Sou associado da Cooperativa , no Recife, mas não negocio com ela! Só vou lá pra saber das novidades e ficar por dentro das coisas. E continuou:
- Pois bem, a semana passada soube que quase toda a safra de milho de sua terra, principalmente de Irecê, vai se perder por causa da seca. Quero o dinheiro pra comprar todo milho que puder, antes que aumente muito. E o senhor vai me emprestar!
Já pelo fim da visita ele nos levou num barranco, nos limites da granja e mostou-nos duas propriedades vizinhas. Falou:
- Doutor, até o fim do ano prepare dinheiro grosso que eu vou precisar para comprar essas duas granjas.
- Como e que o senhor sabe que os donos vão lhe vender as terras, "seu" Agenor?
- Ora, doutor, é muito fácil de ver! O senhor tá vendo essa daqui à esquerda com aquele casarão e a entrada toda com meio fio e _asfalto? O dono dela só vem aqui em fim-de-semana e granja não dá pra pagar isso. Logo mais ele vai ter que vender e eu estarei aqui com dinheiro na mão esperando por ele! Já a outra, aquela em frente, o dono só anda de "Galaxe"! - Não dou 6 meses pra ele quebrar!
Acho que não é preciso dizer que Agenor levou aqueles setenta mil cruzeiros e outros financiamentos bem maiores, pois não só comprou aquelas propriedades vizinhas mas muitas outras.
Quando deixei Pernambuco, uns cinco anos depois daquela visita, Agenor era o maior produtor de ovos do Estado, fornecedor disputado pelos supermercados da capital. .
Ao longo de toda minha vida de bancário conheci alguns empresários excepcionais -João Santos, Edson Moura, Norberto Odebrecht, entre outros - e, sob qualquer critério, "seu" Agenor um deles.
12.07.87
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