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cronicas-->Esses incríveis políticos! -- 02/06/2005 - 17:46 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Esses incríveis políticos!


A maior "fria" em que me metí no Recife, durante os sete anos em que morei lá, começou com um telefonema de Hilberto Silva, numa ensolarada manhã de início de dezembro.
Hilberto, então chefe de gabinete do presidente do Banco do Nordeste do Brasil, Rubens Costa, me chamara de Fortaleza para transmitir-me um pedido.
Rubens gostaria que eu concedesse um empréstimo à prefeitura do Recife, através do banco que eu dirigia.
Como, áquela altura, o Banco do Nordeste não pudesse efetuar o financiamento sob a forma de antecipação de receita achou que me seria possível resolver o problema da prefeitura.
Hilberto explicou-me que o dinheiro se destinava à conclusão de uma ponte na avenida Caxangá e permitiria que a administração municipal recebesse da SUDENE a contra-partida de recursos para aquela obra.
Havia, contudo, uma exigência: era necessário que o negócio se concretizasse até o dia 31 de dezembro, ou seja, nos próximos quinze dias.
Mal desliguei o telefone e já o prefeito Augusto Lucena invadia meu gabinete, acompanhado de dois secretários.
Lucena era um político populista, centralizador, falastrão, nervoso, um tipo humano curiosíssimo, com u´a memória prodigiosa.
Disse-me que viera procurar-me a mando de Rubens Costa e imaginou que eu já estivesse com o contrato de empréstimo pronto, à espera de sua assinatura.
Assim, não foi coisa fácil explicar-lhe que me era muito difícil conceder-lhe aquele vultoso financiamento com os parcos recursos próprios do banco, em tão pouco tempo.
Se a prefeitura pudesse contrair o empréstimo em moeda estrangeira, certamente seria possível oferecer-lhe uns US$ 200.000,00 através da Resolução 63, do Banco Central do Brasil, operação que lhe expliquei em poucas palavras.
Como chegara, o prefeito saiu esbaforido, prometendo conseguir a autorização da Càmara Municipal em poucas horas, enquanto eu ficara de obter os recursos junto à nossa diretoria de Càmbio, em São Paulo, o que fiz naquela mesma tarde.
No dia seguinte, logo depois do almoço, para minha surpresa, o prefeito Lucena chegou ao banco com quase todos os secretários. Explicou-me que não podia perder tempo e, enquanto aguardava a preparação do contrato, faria a reunião do secretariado na sala anexa à minha.
E foi o que aconteceu!
Enquanto eu trabalhava normalmente em meu gabinete, dando conta do expediente e recebendo clientes, ele se mantinha em reunião com seus auxiliares, ali ao lado, ambos esperando que o detalhado contrato ficasse pronto.
Pelas cinco da tarde, afinal, assinamos o documento que, naquele mesmo dia, seria enviado ao nosso departamento estrangeiro para registro no Banco Central.
Ao nos despedirmos, disse-lhe que esperava liberar os recursos nos próximos cinco dias. Ele exultou!
Pois bem, pelas sete da noite recebi uma ligação do secretário da Fazenda do Estado, Oswaldo Coelho, pedindo-me para que fosse vê-lo em seu gabinete.
Quando cheguei ao prédio da Secretaria, na rua do Imperador, fui levado a uma sala de reuniões onde já se encontrava o próprio Oswaldo e uma outra pessoa que eu não conhecia.
O secretário, ao modo direto e franco dos Coelho de Petrolina, irmão que era do governador, perguntou-me se era verdade que eu estava fazendo um grande empréstimo à prefeitura, como fora informado.
Respondi-lhe naturalmente que sim, estava concedendo um financiamento à prefeitura do Recife e, na minha ingenuidade, disse-lhe que o procurara para servir de testemunha à operação, já que a garantia do contrato consistia em parte do ICM, arrecadado por sua Secretaria.
Oswaldo foi curto e grosso. Avisou-me que eu não deveria concretizar o negócio, que Lucena estava endividando a prefeitura em fim de mandato, e que perdera a confiança do governador. Tratava-se, agora, de um adversário político a ser tratado a pão e água.
Foi a minha vez de informar-lhe que o financiamento tinha alta prioridade e atendia ao interesse público, tanto que me fora solicitado pelo presidente do Banco do Nordeste do Brasil, impedido de efetuá-lo por motivos de burocracia legal. Com aquele recurso, a prefeitura lograria obter outro tanto da SUDENE.
Aquelas explicações não pareciam interessar Oswaldo Coelho que, a seguir, limitou-se a apresentar-me o sorumbático personagem sentado a seu lado. Tratava-se do engenheiro Geraldo Magalhães Melo, já escolhido pelo governador para substituir o prefeito Lucena a partir de 1º de fevereiro, ou seja, dali a 45 dias.
Geraldo olhou para mim com uma cara de poucos amigos e ameaçou-me:
- Se emprestar esse dinheiro ao doido do Lucena ficará sem recebê-lo. Não pago um tostão do empréstimo enquanto estiver na prefeitura!
Ainda tentei convencer os dois da justeza de meu procedimento, mas não houve jeito. Eles estavam determinados a impedir que Lucena botasse a mão naquele dinheiro.
Afinal, não me restou outra saída senão informar que já assinara com a prefeitura o contrato de financiamento, um empréstimo em moeda estrangeira, que seguira para registro no Banco Central e que sairia dali direto para o gabinete do prefeito.
E foi o que fiz em seguida.
Após tomar conhecimento da situação, Lucena ficou possesso. Chamou a secretária e mandou que ligasse para Oswaldo Coelho, mas ele não foi encontrado em nenhum lugar.
Lucena xingava todos os Coelho pernambucanos e os maldizia até a última geração.
Foi quando o telefone em sua mesa tocou e a secretária informou que a chamada era para mim.
Ao atender, reconheci logo a voz sertaneja e tonitroante do governador Nilo Coelho, que também estava furioso:
- Esse f. d. p. aí junto de você quer prejudicar a prefeitura. Esse empréstimo não pode ser feito e se o fizer mando você de volta para a Bahia em 24 horas. Vai sair daqui corrido!
Não pude dizer uma palavra, pois a seguir ele desligou o telefone.
Mais uma vez relatei o episódio ao prefeito e lhe disse que o caso tomara dimensões bem maiores do que eu imaginava e poderia prejudicar a imagem e os negócios do banco. Sendo assim, iria no dia seguinte a Salvador para submeter o assunto à presidência e diretoria.
No outro dia, na matriz do banco, fiz um minucioso relatório de toda a situação e apresentei três alternativas de solução: a) manter o empréstimo; b) cancelá-lo; e c) levar o caso ao conhecimento do IV Exército, por mais que a iniciativa me constrangesse, mas no Recife os militares praticamente tutelavam o governo e se imiscuiam em muitos assuntos da vida da cidade.
Minha grande surpresa com a reunião da tarde daquele dia é que meus superiores resolveram deixar a meu critério a decisão a ser tomada, sob o pretexto de que eu conhecia bem todo o quadro e saberia preservar os interesses do banco: em suma, preferiram lavar as mãos e me deixar no fogo.
Voltei à noite ao Recife cheio de aflição. A solução que eu daria ao caso certamente traria consequências desagradáveis, no mínimo, uma transferência que desarrumaria minha vida e de minha família.
Mas, uma coisa eu já sabia que não faria: não iria cancelar aquele empréstimo, por maiores que fossem as pressões. Afinal, tratava-se de um negócio legítimo e, além do mais, importante para a cidade do Recife.
Apesar de toda a ansiedade, dormi muito bem aquela noite pois já havia tomado uma decisão.
De manhã, bem cedo, quando cheguei ao trabalho encontrei um telegrama "western" que resolveu definitivamente o problema: o Departamento Estrangeiro informava que o empréstimo, para ser registrado no Banco Central, precisava da autorização do Senado Federal que, naquele momento, encontrava-se em recesso.
O prefeito Lucena não ficou satisfeito com a notícia que eu lhe dei antes do almoço mas, compreendendo minha posição, passou a honrar-me com sua amizade.
O caso, evidentemente, termina aqui, mas uma situação posterior revela as ironias da vida.
Um ano depois, a pedido do prefeito Geraldo Magalhães Melo, o banqueiro Jorge Baptista da Silva, presidente do Banorte, formou um "pool" de cinco bancos, entre eles o nosso, para que fizéssemos à prefeitura do Recife um vultoso financiamento, destinado à realização de obras públicas, entre elas viadutos e a conclusão da ponte da avenida "Caxangá".
No dia em que, com a maior solenidade, recebi das mãos do prefeito Geraldo Magalhães Melo a medalha do mérito cidade do Recife, classe ouro, pelos serviços prestados à cidade, trocamos um olhar cúmplice que, de minha parte, revelava todo o desencanto com as ações de alguns homens públicos ...

maio de 1996
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