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Cronicas-->"Com cuspe e jeito" -- 02/06/2005 - 17:30 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"Com cuspe e jeito"



Como aprendí com Miguel Calmon, quando cheguei ao Recife para dirigir a sucursal do "seu" banco, pedí audiências para apresentar-me ao governador do Estado, ao prefeito, ao delegado do Banco Central do Brasil e ao presidente do maior banco local e nosso principal concorrente na região.

As entrevistas foram excelentes: Nilo Coelho, barranqueiro como eu e irmão mais velho de amigos de infància, tratou-me cavalheirescamente. Essa visita valeu-me convites para almoços e jantares em sua casa da Bóa Viagem, sabidamente a mesa mais farta do nordeste brasileiro, depois da de sua família em Petrolina.

Augusto Lucena, o prefeito, político muito popular e folclórico em sua terra, um Cesar Maia dos anos sessenta, assim como o governador, deu-me sua proteção enquanto morei no Recife e, graças a um "affaire" em que nos envolvemos, mais de uma vez esteve em minha casa para prestigiar reuniões que eu fazia para honrar gerentes e altos funcionários da empresa.

Jorge Baptista da Silva, o elegante e reservado dono do Banorte, recebeu-me com a distinção que é uma característica de sua personalidade e, desde então, sempre me tratou com fidalguia.

Mas, foi com Olavo de Oliveira Melo, o jovial delegado do Banco Central, que eu me identifiquei e a quem tomei por amigo. Até hoje, passados vinte anos que deixei o Recife, mantemos um bom relacionamento através de correspondência e telefonemas.

Os delegados regionais do Banco Central do Brasil àquela época eram servidores públicos severos, formais, em geral mal humorados, que mantinham conveniente e reservada distància dos dirigentes de bancos, a quem, como ainda hoje ocorre, cabia-lhes fiscalizar.

Olavo Melo, contudo, era um representante do Banco Central diferente, atípico.

Sempre sorridente, bonachão, sua simpatia cativava a quantos o procuravam. Não era um delegado intimidador e, contrariamente à praxe, apreciava o contato pessoal com os executivos bancários.

Sua delegacia tambem era muito diferente das demais. Alí, percebia-se um ambiente aberto, receptivo, e até o chefe da fiscalização - Carlos Alberto, conhecido como "o chefe pena branca", em razão de cabelos já grisalhos -, apesar de muito direto e franco, era pessoa extremamente cordial.

Conviví com Olavo e seus auxiliares por quase oito anos, eu, representando um banco de grande presença regional que alcançou expressão nos estados de Pernambuco e Alagoas, e ele representante da autoridade monetária com jurisdição naqueles estados, e em nenhum momento tivemos qualquer divergência, nenhum aborrecimento.

Com ele, o homem que detinha um enorme poder formal sobre a organização que me cabia dirigir, aprendí muitas coisas importantes, entre elas notadamente a arte da tolerància e da compreensão com os erros que são normais no comportamento humano e a sincera disposição de ajudar os outros em situações graves.

Além de sua bonomia, Olavo forçava a mão para parecer um ingênuo, um simplório, sobretudo perante os arrogantes, aqueles que se julgam seres superiores. Essa atitude, que também adoto em muitas situações, desarma os tolos pretensiosos que ficam deveras surpresos quando nossas decisões contrariam seus interesses.

Olavo era, também, um contador de histórias, um conversador, com inesgotável estoque de casos que usava frequentemente para reforçar seus argumentos e sua ação administrativa.

Ele costumava me dizer que "com cuspe e jeito se vai ao cú de qualquer sujeito" para assinalar que, ao seu modo maneiroso, obtinha os mesmos resultados que seus outros companheiros, sem apelar para os recursos de ameaças e intimidações.

Enquanto outras delegacias regionais gastavam laudas e laudas em relatórios para especificar irregularidades apuradas por seus inspetores nas auditorias levadas a efeito nas agências bancárias, desde diferenças de centavos a faltas efetivamente graves, Olavo muitas vezes limitava-se a um jocoso telefonema para coibir práticas não permitidas.

Assim, lembro-me de uma vez em que, ao atender sua chamada, ouvi-o tratar-me por "Jacó" e dar o seguinte recado:

- Mande seu gerente de Catende - aquele Ibraim - devolver aos clientes a extorsiva taxa de cadastro que está cobrando deles, indevidamente!

Tratava-se de procedimento irregular que o Banco Central detetou em nossa agência na cidade de Catende, interior de Pernambuco e que, em outras circunstàncias, ensejaria um demorado processo antes de ser coibido.

Com uma ligação telefónica em que não gastou mais de cinco minutos Olavo,convencido de que se tratava de um fato isolado, resolveu o problema e evitou muitos passos de uma aborrecida burocracia.

De outra feita, sugeriu-me adquirir uma cooperativa de crédito em cidade do interior pernambucano que o Banco Central desejava liquidar.

Obtida a autorização de minha diretoria para a realização do negócio voltei a Olavo para comunicar-lhe a decisão e ouvir dele as condições a que estaria sujeito: manter o emprego dos funcionários, pagar os cotistas e garantir os saldos dos depositantes.

Uma operação que normalmente leva meses para consumar-se, a incorporação da cooperativa ao nosso banco efetivou-se rapidamente, graças ao senso prático e à visão macro de Olavo.

Eu o visitava em seu gabinete de trabalho pelo menos uma vez por mês, em geral só para bater papo, mas também lhe levava, para cumprimentos e troca de idéias, os companheiros do banco que vinham ao Recife, todos que saiam encantados com a sua simplicidade e cortesia.

Nossas conversas não se limitavam aos temas do dia-a-dia de nossas responsabilidades funcionais mas abrangiam um universo muito mais amplo, refletindo as preocupações e interesses de pessoas preocupadas com os graves acontecimentos de seu tempo.

Nessas ocasiões, e quando me convocava para comunicações ou consultas, Olavo gostava de dizer que participávamos do Conselho Monetário Regional, uma forma de valorizar minha presença e opiniões.

O gesto mais significativo de Olavo para comigo ocorreu quando nossa empresa adquiriu o controle acionário de um banco de médio porte sediado no Recife.

Tendo sido incumbido de presidir o banco e de incorporá-lo ao nosso no prazo de seis meses, logo nos primeiros dias procurei Olavo para dizer-lhe que nossa conta iria ficar a descoberto junto à càmara de compensação do Banco do Brasil.

Olavo não pestanejou: ele mesmo sentou-se à frente da máquina de datilografia que possuía em seu escritório e redigiu um curto memorando ao gerente da agência centro do Banco do Brasil autorizando-o a acolher nossos saques até certo limite, pelo tempo que lhe pedí.

Ele nunca soube que, pouco depois, fui informado de que seus superiores em Brasília recriminaram-no por essa decisão, que não fazia parte de suas atribuições, e proibiram-no de novas iniciativas da espécie.

Esse é Olavo de Oliveira Melo, um homem de grande sabedoria e modéstia, exemplo de comedimento e integridade, a quem sou especialmente agradecido pela ajuda que me deu para que pudesse realizar meu duro trabalho no Recife.

São Bento do Inhatá, em 17.02.96
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