- Vá... Ajoelhe-se, menino...
- Não posso... Dói-me o joelho, estou aleijado...
- Não repito mais... Ajoelhe-se, porra...
Ajoelhei-me sobre o joelho esquerdo, apoiado no genuflexório, com a outra perna dolorosamente esticada, durante o terço inteiro: quarenta e três "Avé-Marias", cinco "Padre-Nossos" e sete "Glórias-ao-Pai"...
Passaram-se 53 anos sobre este vulgaríssimo momento, entre cercas de 60 outros padecentes-penitentes, alunos internos do prestigiado Grande Colégio Universal, na mui-nobre e invicta cidade do Porto, momento que recordo e sinto como se estivesse permanentemente a vivê-lo.
Debruçado sobre mim, o perfeito Coutinho avisou-me por três vezes:
- Menino... Quero ouvir-lhe a voz!
O tom colectivo dentro da capela subia até aos macerados e misericordiosos olhos da imagem de Cristo, cujo corpo ensanguentado parecia dançar entre a tremelicante luz das velas.
Infalívelmente, todos os dias às 18 horas, antes do jantar, se rezava o terço e se o defeito nem sempre estava comigo, tinha de estar com outro qualquer.
Um dia, o Menezes, matulão com 17 anos, perdeu a cabeça e com uma dentada férrea tirou um pedaço de carne numa das pernas do Coutinho, um nazi disfarçado de São Tomás de Aquino. Foi expulso por lhe ser atribuída perigosidade extrema...
Avé-Maria
Cheia de graça
O Senhor é Convosco
E bendita sois Vós
Entre as mulheres...
Avé-Mariaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
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