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Cronicas-->A Cor do Pecado -- 02/06/2005 - 11:07 (Luis Gonçalves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Cor do Pecado
Luís Gonçalves
Houve um tempo, logo ali pela vereda da vergonha que havia chuva à vontade. Desde aquele velho costado dali da serra até o centro do tijuco pantaneiro.
A diversão dos pássaros cantores era levantar as penas e enfiar a cabeça embaixo da asa para enganar a garoa. Nem o velho boi malhado se atrevia a pastar.
O charco pantaneiro vestia a túnica de tristeza e entrava no luto coberto com aquele véu branco pelo menos seis meses seguido. Era tempo de assombração e bicho peçonhento.
O bugio preto arrotava o seu desconforto pelos quatros cantos da mata. Tramando acordes sófregos com os trovões. De deixar a orquestra dos sapos brejeiros morrer de inveja.
A danada da pintada vinha cafungar no fundo do quintal atrás da porca parida. O nosso velho Totó lançava aqueles latidos lànguidos que cessavam com o alvoroço da malvada.
A cor do sertão amanhecido era de um cinza gelo borrifado com o vapor branco extraído do soluço do gado. Mas o verde das folhas chegava brilhar com a água benta do céu.
O barrigudinho que pulava ali pelas quatro ou cinco da manhã. Para ir campear a vaca de leite no pasto. Voltava com o lombo arrepiado feito tábua de ralar milho verde.
À noite o tempo vestia a mortalha negra e amarrava a cara de jeito que nem a lamparina da lua aparecia para dar satisfação. A cor da noite era preta de morte morrida.
Mas logo o verde rompia pelo pasto e convidava o sol a pintar o tempo de vermelho intenso. Pela manhã o sol rompia pelo fim do mundo disposto a espantar o susto das trevas.
Trazia no samburá o despeito do novo dia. Na garupa da novidade o remendo da noite passada. Duas ou três arrobas de vontade de viver. O resto era saudade de Matão.
O caboclo de peito empolado estava lá sondando o tempo. Alinhavando o despautério. Tecendo um ou outro solavanco no santo padroeiro lá de cima para não perder o sertão de vista.
A vida seguia no banho Maria. Dois balde d´água e uma estiagem. Fogo para São João e uma assoprada. Ninguém se queimava e ninguém morria de sede. Estava de bom tamanho.
Mas sopitada de desgosto a chuva foi minguando e o sol estabeleceu total domínio. O tempo se resumiu em dia e noite calorentos. O dia pardo e a noite da cor do burro fugido.
Dessa leva adiante o pasto desanimado começou a deitar a crista sapecada pela brasa do meado do dia. O povo assumiu a falta de chuva como razão do pecado.
Desandou a penitência. O sertão ficou preto e branco cruel. Muita gente bateu em retirada. O sertão ficou pobre de marré, marré. Sem o caboclo para cuidar do mato o que havia virou carvão. Sei dizer que o sertão não é mais aquele.
O povo ficou iludido com o colorido da cidade. Botou no baú o vestido de chita e amarrou com a fita do cabelo.
Na cidade a cor da terra virou pinta e manchou a conduta de todo mundo. O que tem de gente com amarelão, pano branco e outros tipos de pinta pelo mandril dianteiro, vou te contar.
Mas o povo não suspira. Nem dá trela para a tristeza. Está todo mundo envaidecido pela soberba do colorido encantando. O sol arranca o couro de dar dó. E, daí?
Gente da cidade é cheio de mania. Basta alguém dizer uma bravata qualquer para revirar ponta cabeça a gurizada. Daí a coisa se espalha. Vira boato de coruja agourenta.
Para esse povo o preto e o branco são o básico. A garantia do nobre. Pode faltar tudo menos o básico. Deixaram o sertão virar carvão porque o preto é "chic no úrtimo".
Existe uma idolatria em torno da cor preta. Dizem que não reflete a luz. Por isso todo mundo que cultua a fome veste o preto para não aparecer gordo no final do mês.
O preto deixou de ser artimanha de defunto galã e ganhou as passarelas das modas. Todo ano o sertão ensaia sair de verde na avenida, mas não aparece.
Os estilistas dessa moda preta vivem sabotando o sertão. Os incêndios se proliferam. Os rios estão secando e a vegetação entrou numa lenta agonia.
A gurizada gosta mesmo é das luzes da cidade acesa. Do brilho superficial das lamparinas modernas. Daquele denso creme de fuligem que sai do escapamento dos carros.
O Cerrado se curva cabisbaixo diante da soberba Amazónia deixando um rastro de erosão que aos poucos vai engolindo o sertão. É o enterro do jardim pantaneiro.
O povo se veste para o velório do mundo e não sabem. Abandonaram o sertão à míngua e agora decidiram salvar o mundo. Um bando de réus confessos procura os indiciados.
A cor preta realmente envolve as pessoas. Causa uma certa empatia. O que prejudica a moral do preto é a danada da queimada. Espalha a cinza e ofusca o charme do carvão.
Nós vivemos no mundo das verdades. É preciso responsabilidade. Se a cor preta é a bola da vez vamos colocar o preto no branco e passar a régua, uai!
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