Redondinha como o rosto de uma criancinha linda que embebe nossa vida de calor, vibração e sorriso.
Muito mais mansa, porém.
A criancinha, que parece com ela, dá-lhe uma canseira à parte. Leva você na lábia. Não admite que você canse de brincar de ilusões com ela.
Embora, nesta de canseira, a bola nem seja tão diferente. Mais em função de quem, com ela sob o braço, a conduz a algum lugar, junto com você, convidando-o para um bate-bola. Aí você cansa mesmo.
A diferença é que a criança o leva "no bico" e a bola é levada no chute, na tapa, no taco. Enfim, com as diversas maneiras que o homem inventou pra impulsioná-la. Contra você, se estiver sob as traves, ou para longe de você, se você corre em sua perseguição e da bola.
Na realidade você não será capaz de ver uma bola parada em algum lugar sem dela chegar perto. E aí você age.
Bolinha de feltro, você a pega. Amassa. Passa no rosto. Sente sua maciez e a repõe no lugar. Não sem sorrir de satisfação.
Bolinha de gude. Você olha o brilho. As cores. Avalia o peso. Tenta alojá-la entre os dedos indicador e médio. Na posição de arremessá-la longe com o polegar... em direção a um búrico ( o mineiro sabe que é buraquinho onde se joga a bolinha...embora o Aurélio não registre a palavra masculina...) imaginário. Com cuidado. Para não a ferir ao bater em outra, por descuido. No mínimo ficará feia... E você a coloca entre as demais. Imaginado-se o melhor jogador da rodada...
E a de bilhar? Várias cores. Números. Sempre levando a cutucada fatal. Para bater em outra. De leve, Ã boca da caçapa. Ou violentamente. Visando a espalhar dificuldade para os parceiros. Ou na sabedoria matemática das tangentes. Bate num canto para conseguir outro intento. E bola tem canto?
Coitada da bolinha de pingue-pongue. É só pancada. Pra valer. No corte. Na saída. Até rachar a coitada. Com uma raquetada mais violenta. Reduzindo o tóc estridente a um som murcho e mastigado de quem apanhou até morrer.
Bola. Dá pra gente conversar sobre ela para valer.
Bola de meia. Daquelas feitas com as meias finas que a gente roubava do gavetão da mãe. Usava para colocar no rosto. Para modificar as feições e assustar os irmãos e primos menores. No meio da noite. Lobisomens de narizes achatados. Roncando o pavor aos pequeninos...
Depois de rasgadas e impossíveis de serem remendadas, recebiam alguns retalhos de pano. Na ponta do pé. Bem socados na extremidade. Arredondando-se a forma. Giravam-se, no cano da perna. Duas voltas. E empurrava-se o volume inicial ao avesso da meia. E assim, fazendo-se e refazendo-se a esfera de pano, ia surgindo a ansiada bola de meia. Enfim costurada com a última volta, já na altura da liga que, antes, abraçava a coxa da usuária.
Novinha - a bola - estava apta a ser inaugurada no jogo, cujo campo era a calçada da rua. Riscada com tijolo ocre. Quadrado partido ao meio. Área do goleiro, marcada com dois tijolos do lado. Ou com chinelos dos moleques mais prendados pela vida. E a partida começava para se prolongar pela tarde inteira. Até escurecer. Quando as luzes incandescentes dos postes não mais ajudavam.
Depois de algum contratempo. Porque o passante incompreensivo era atingido e não relevava. Ou a vidraça da casa-balisa era quebrada. Pela bola, que lhe era desferida. Ou pela platéia que nela se amontoava qual arquibancada. E toda torcida é irrequieta. Desde os tempos dos jogos romanos. Até as nossas.
Tudo isto é a bola.
E tem mais. Muito mais considerações que se poderia fazer sobre a bola. Que o Pelé, o Nilton Santos, os Ronaldos e o Robinho beijam. Com aquele mesmo carinho da mãe que beija o rosto da criancinha que com ela - a bola - se parece.
Há dias que eu bem queria ser uma bola... beijada pelas garotas da seleção do vólei brasileiro.