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Artigos-->Essa correnteza que é a vida... -- 11/04/2001 - 04:00 (Georgina Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Vou à porta recebê-la e alcanço um sorriso tímido. A postura, excessivamente educada, denuncia o medo de não impressionar bem. Atravessamos a sala de espera e nos acomodamos no local onde será realizado o seu primeiro atendimento terapêutico. Aparenta uns vinte e quatro anos, zelo no vestir e ajeita a todo o momento os cabelos longos e castanhos. Senta-se pouco à vontade, bolsa ao colo, esforçando-se notavelmente para passar uma expressão de simpatia e bons modos. Decididamente, ela daria tudo para ali não estar , mas decidiu tentar por estar sofrendo. No fundo ela espera que eu consiga convencê-la a confiar em mim.



Inicia o contato com um sobrevôo panorâmico sobre a sua vida. Família bem constituída, pai médico e professor, mãe dona-de-casa e bem-informada. A educação que lhe deram, segundo ela, é um pouco rígida. No diálogo com eles, o temor de ser mal-interpretada. O terceiro grau completo deu origem a uma experiência profissional equivocada. Diz que escolheu a profissão errada e gostaria de recomeçar novamente. A questão é a falta de ânimo e, além de tudo, o medo intenso. Estendo-lhe um lenço de papel para que enxugue as lágrimas, vislumbrando que, caso retorne à terapia, teremos um bom percurso pela frente.



Casos como esse são constantes no dia-a-dia de um terapêuta e sempre despertam ternura. No caos econômico e social dos dias de hoje, como uma pessoa sem maiores problemas financeiros e familiares pode estar embutida de tanto desconforto emocional a ponto de preferir jamais haver existido? O que faz com que se sinta tão paralisada?



Ressaltados os aspectos bioquímicos do estado depressivo, que necessitam investigação e tratamento adequados pela clínica médica, uma constante nos sofrimentos psíquicos dos jovens que procuram atendimento é o encapsulamento de seus desejos pelos pais. É óbvio que a intenção dos mesmos se propõe como a melhor possível, mas muitas vezes funciona como uma interdição ao desejo de felicidade dos filhos, passando posteriomente a incomodá-los, resultando em comportamento não esperado pela família. Muito freqüentemente, todo esse quadro é proveniente da cultura do medo.



Os dias de hoje estão realmente muito tumultuados, oferecendo perigos constantes e uma gama de preocupações aos educadores. Estes, por sua vez, procuram inibir os fatores de risco sobre os que estão sob as suas asas. Mas até que ponto, ou de qual maneira, podem estar impedindo que eles vivenciem os seus desejos de forma positiva e mais clara, com maior grau de consciência e discernimento?



A velha regra relativa à educação dos filhos, deve ser intensificada. Ouví-los muito e estabeler uma relação de cumplicidade. Auxiliá-los na sua expressão afetiva e facilitar a elaboração de suas questões existenciais. Evitar chavões como: "- na minha época não era assim...", "isso não é música!...", ou coisas do gênero. A tendência dos filhos, perante posturas muito conservadoras, é desafiar com empenho progressivo a política dominante.



Algumas famílias são denominadas de "pseudo-mutuais". Constituem-se aquém de uma cerca emborrachada, impeditiva ela do intercâmbio com o mundo externo. Atemorizadas com a possibilidade de que isso ameace sua homeostase rígida, rejeitam tudo aquilo que possa transmutar a sua estereotipia, acolhendo apenas as influências preservadoras da sua constituição. A troca saudável e flexível com o mundo extra-familiar, favorece a aceitação das diferenças, por mais absurdas que possam parecer. São inevitáveis num mundo tão vasto como o nosso. Pessoas frágeis, demasiadamente sensíveis às "pessoas maléficas" que lhe cruzam o caminho, muito provavelmente possuem um comportamento fóbico, mais ou menos enrustido, proveniente de uma educação para um mundo perigoso. O temor cristaliza-se no comportamento do indivíduo, que passa a projetar seus sentimentos hostis na humanidade, sem se dar conta de que os sentimentos que tanto lhe agridem também pertencem a sua natureza. Não se trata, obviamente, de uma política incondicional de conformidade a toda e qualquer coisa externa. Engloba, no entanto, um estado de maturidade para extrair do que se apresenta o que de melhor houver e estudar suas próprias resistências às situações novas. É necessário perceber que não se pode controlar o mundo para viver ou permitir que seu filho viva melhor, sendo viável apenas uma educação para a realidade, facilitando-lhe o papel como eficiente e consciente gerenciador de mudanças.



Os conceitos psicanalíticos, tão amplamente espalhados pelo mundo, descortinaram muitos comportamentos e deram origem a interpretações mais complexas a respeito do ser humano. Aprendeu-se, por exemplo, que existe uma dependência muito grande do sujeito à pessoa que se deseja destruir a qualquer custo, como personificação do mal. Por que tanto desconforto, quando se está tão certo de sua pacífica trajetória interna? Certamente, porque o outro conseguiu deflagrar o seu "inferno interior". Encontrar e reconhecer os próprios demônios faz parte da saúde mental do indivíduo e dá-se como um processo inevitável. Muitas vezes, os seres que mais combatemos são os que mais nos auxiliam nessa empreitada. De nada adianta nos abstermos das diversas formas com que a realidade se exprime.

Mais vale a tranqüilidade que nossos filhos obterão através de nosso exemplo, ou seja, observando que não existe perigo na compreensão das manifestações. Pode-se chegar bem perto delas e extrair o que houver de melhor, sempre com posterior enriquecimento. Quem seleciona aqueles que deveriam existir ou não, na constituição de um mundo perfeito, certamente ainda não atingiu o cerne da questão existencial. Crianças assustadas, provavelmente ainda estão muito aquém dos seus limites e esbravejam todo o tempo perante a força da vida, personificada em seu semelhante.



Cabe a nós, pais e educadores, repensarmos os nossos medos para não repassá-los para os que amamos, tornando-os assustados e acuados diante dessa correnteza incontrolável e abundante que é a vida.











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