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Contos-->Histórias de esperança -- 29/03/2008 - 19:21 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Histórias de esperança



Só neste hospital é que pude soletrar o ranço de toda esperança que alimentei. A vida, embora certas vezes ingrata conosco, sempre nos deixa uma grande lição.
Quando eu era criancinha, gostava de ouvir de papai suas bonitas histórias de esperança e vida.
- Quando você crescer, Ilza, vai ser uma grande professora, fará nome e orgulhará seus pais que, a essas alturas da vida velhinhos, colherão os louros de tê-la como filha. Vamos encher a boca d’água, sua mãe e eu, quando perguntarem o que somos de você.
Papai costumava contar-nos histórias de triunfos. Alertava-nos para os deveres do filho, seu respeito aos pais. Não ousava sequer ouvir de nós qualquer palavra de desobediência. Nós amávamos muito mamãe e ele.
Cresci e na adolescência continuei a ouvir deles novas histórias, dessa vez dirigidas a nossa adolescência. Eram histórias com um recheio diferente. Deixavam os reis e as princesas felizes para trás e cuidavam elas de mostrar-nos outros caminhos. Eu aprendia com mamãe os afazeres domésticos e ela ainda achava tempo para entapetar, nas conversas dos domingos, meu caminho de menina a moça. Não falava de tudo bem claramente, porque havia os tabus e as conversas permissivas. Destas, não falávamos. Aqueles, silenciava. A cultura não nos permitia expô-las facilmente.
- Ilzinha, vai ao cinema?
- Acho que sim, mãe.
- Já sabe o título do filme?
- Ainda não.
- Se for imoral, volte e não assista, entendeu?
- Claro que sim, mãe. Não é necessário preocupar-se com isso.
Dava minhas escapulidas de vez em quando e, tendo um corpanzil bonito, entrava facilmente nos filmes que exigiam uma idade maior. Era raro isso acontecer. A regra geral era mesmo obedecer aos pais e eu costumava cumprir.
Meu primeiro namorado, quando o conheci, possuía apenas dezesseis anos. Até os dezoito namorávamos platonicamente. Nossos pais não permitiam tão façanha. Aos vinte e três anos casei com Nestor. Aos oito meses de casados, engravidei. Passei a tecer o enxoval do bebê. Mamãe me paparicava exageradamente. Dar-lhe-ia o primeiro neto.
- Filho de minha filha é meu filho duas vezes e, em sendo ele filho de moça, nunca perderá o cheiro de casa, estará sempre em meus braços.
Eu apenas acenava-lhe, após ouvir essas coisas com um sorriso de felicidade e gratidão.
- Nossa filha desmaiou, homem. Vamos levá-la à cidade com urgência. Está grávida e o bebê pode estar correndo perigo de morte.
No hospital, quando todas as gotas da infância e da adolescência passaram diante dos meus olhos, foi que pude remoer e separar os valores mundanos dos espirituais. Renovei minha fé, minha esperança com a maternidade que não mais me aconteceria, enfim relembrei tudo o que havia mudado em minha vida.
Levaram-me para uma máquina belíssima. Puseram-me dentro dela e me pediram para que não me mexesse , senão o exame sairia prejudicado.
A próxima visita médica fez-me perceber a gravidade. O médico visitante não levava jeito para esconder o teor da mensagem que teria que me expor.
- Bom-dia, jovem.
- Tomara que me seja um bom dia mesmo, doutor.
Olhei em seus olhos a dor obscura que queria informar-me da morte que me rondava. Um diagnóstico carrega o peso de uma decisão. Do ouvido passa à alma e, quando chega ao coração, muitas vezes as lágrimas já estão jorrando da face que não aprendeu a esconder o sentimento.
O médico deixou meu quarto necessitado de apoio. Não me disse tudo o que planejava. Seu coração chorou bem antes do meu, e seus passos o levaram triste e cabisbaixo, como se fugisse da dor que meu diagnóstico lhe havia causado. Papai entrou em seguida. Mamãe demorou-se mais. Recebi-o com sorriso ao que me perguntou:
- Onde conseguiu tanta força, filha?
- Foram com suas histórias, pai.
- Mas, filha, você está sorrindo?
Talvez, papai, de tão bom, tenha me dado toda a sua fonte de esperança e por isso, àquela altura da vida, apenas eu suportaria tão estranha dor. Estava sofrendo bem mais que eu.
Mamãe não pôde esconder sua profunda tristeza. Adentrou ao quarto carregando um soluço estridente. Abraçou-me como se o fizesse pela última vez. Não contive a dor de vê-la assim e acariciei-a mexendo em seus cabelos, como gostava que fizéssemos.
- Minha filhinha..., por que não em mim?
- Aconteceu no meu mim, mãe. O seu mim não podia ser afetado como o meu. É bem mais frágil.
Recebi alta do hospital, fui morar com mamãe. O marido, desgostoso ou desesperado para enfrentar o meu trágico fim, abandonou-me. Eu até o entendi. Não tinha a solidez da vida adulta. Nós nos preparávamos para a vida a dois ainda. Carregava dentro de si um menino bem maior que o homem.
E a vida andou, eu não podia parar e andei com ela para esquecer que sofria. Plantei um lindo pé de ipê branco no jardim, esperei cinco longos anos para vê-lo florir. Ainda hoje espero a morte chegar, sem pressa, sem tristeza, sem desânimo. Meus pais estão velhinhos. Cuido deles com um profundo carinho. Sei que logo, logo estarei apenas com o meu ipê branco do jardim. Acho que foi ele quem me forneceu a vida novamente. É o filho que a vida não quis que o tivesse.
Nunca procurei saber do médico ou dos meus pais qual o tipo de leucemia que me fez perder meu filho e parte de minha alegria. Procurei viver a esperança de uma nova vida e jamais a vida de uma esperança.
Todos os dias rezo a Deus pela dádiva da sobra dos meus anos de vida já vividos. O susto passou, a morte dormiu, o segredo esqueci, mas a esperança das historinhas da infância e a fé na vida que para mim se renova a cada instante, esses, nem a morte os separará de minha alma. O meu Deus se mostra para mim diante das orações que faço, em carne e osso. Não é apenas aquele deus que vai e volta diante de tanta gente que pouco vê. O meu fala comigo e me protege. É amigo dos meus desejos e por isso tem me ofertado a vida tão facilmente, como sempre lhe pedi, ainda quando criança, inocente e feliz que vivia sem o medo da desesperança e a volatilidade da fé dos fracos.
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