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Contos-->QUATRO CIGARROS -- 05/03/2008 - 12:06 (Marco Antonio Cardoso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Apaguei o cigarro assim que cruzei o Largo de São Bento na direção da Rua Visconde de Ouro Preto. Lá me aguardava o doutor Clemanceau, um médico conhecido da família que fora contatado por minha irmã para que me atendesse com urgência pois minha tosse insistente e o constante estado febril que me acometia todas as tardes terminaram por alarmá-la. Eu fumava muito e bebia também. Não perdia uma noitada depois que deixava o expediente na Companhia de Seguros Aliança no Comércio. Estava sempre rodeado pelos colegas, que como eu, também se entregavam aos desregramentos que a vida de rapaz solteiro nos proporcionava. Havia alguns meses que terminara o noivado com Cacilda, a quem conheci em circunstâncias sui generis. Adoentei-me no convívio das putas do Maciel – gonorréia – e alguém me recomendou uma senhora que aplicava injeções bem perto de onde eu morava. Nessa época eu não costumava passar pela Baixa de Quintas a não ser para jogar bola aos domingos na Cidade Nova, num campo que ficava atrás do cemitério, na Rua das Almas. Mesmo morando na Ladeira do Paiva, meus caminhos me levavam sempre para o lado mais vibrante da cidade. A doença me levou até a modesta casa na Rua Freitas Henrique de Baixo, em frente a uma horta que dava para se avistar do quintal de minha residência. Bati à porta e me atendeu uma jovem encantadora. Era Cacilda, a filha mais nova de dona Odete, uma matrona portuguesa de seus cinqüenta anos, braços fortes e olhar penetrante. Mandou que eu entrasse. Em pouco tempo a senhora aplicou-me a injeção de penicilina. Na bunda. Na saída Cacilda me entregou um bilhete: “Trabalho na Casa Alberto. Saio às seis.” “Muito assanhada!” pensei. Mas por quê não dar uns amassos? A pesada porta do antigo prédio de quatro andares surgiu na minha frente, vetusta. Subi lentamente a escada de madeira que rangia muito. Na ante-sala do consultório nenhum paciente. Somente uma velha senhora organizava um fichário e me olhou focalizando com os óculos que pendiam sobre a ponta do nariz. O doutor Clemanceau me atendeu sem demora, escutou-me com seu pesado estetoscópio, assim que me despi da camisa. Pediu que tossisse, encostando o ouvido em minhas costas, como faziam os antigos médicos da tradicional Escola Baiana de medicina, no Pelourinho, fundada que foi no início do século XIX, tão logo Dom João VI chegou por aqui. Perguntou-me sobre meus hábitos, meus vícios e minha rotina alimentar. Recomendou-me repouso, um freio nas farras, uma dieta mais equilibrada e que trouxesse uma abreugrafia com urgência. Ao sair de lá subi novamente a ladeira que me levara até o consultório e dobrei a esquina no Instituto de Esperanto. Aquele prédio e o ideal que evocava lembrou-me de um tempo em que minha vida era repleta de nobres ideais e desejos utópicos e revolucionários. Tempo que se estende desde o dia em que entrei pela primeira vez no Instituto Kardecista, na Rua João de Deus e me deparei com um grisalho e encurvado senhor que me encarou e sorriu, dando-me as boas vindas àquela casa. Reparei que seus olhos brilhavam de forma incomum quando falava do espiritismo. Aquele entusiasmo que o idoso senhor transmitia contagiou-me de tal sorte que me tornei assíduo naquela entidade, mesmo que triste por tê-lo encontrado apenas uma única vez. O velho morrera alguns dias depois do nosso encontro, e como ele não havia perguntado qual meu nome e nem eu o dele, somente depois de seu desencarne é que fui descobrir que se tratava do célebre José Petitinga, um dos grandes difusores do espiritismo em terras baianas. Também me envolvi com a Sociedade Protetora dos Desvalidos, no Cruzeiro de São Francisco, e por intermédio destes contatos, liguei-me aos proscritos do Partido Comunista. O golpe de 1964 despertou o covarde que havia em mim. Quando presenciei as prisões e espancamentos públicos, a queima de livros ditos subversivos e as invasões dos lares daqueles que não rezavam na cartilha dos militares golpistas, aquietei-me em meus ideais e segui outros caminhos, buscando nas farras e orgias a liberdade que o idealismo não poderia me proporcionar, sem que fosse cobrada uma taxa de dor e sangue. Quando Cacilda saiu da Casa Alberto, lá estava eu, plantado à sua espera. - Pensei que você não viesse. Disse-me ela agarrando-me pelo braço. A seu pedido rumamos para a Sorveteria Cubana, no Elevador Lacerda, pois ela desejava ardentemente um sorvete de pistache. Do sorvete gelado para os beijos quentes foi um pulo. Assanhada, passeava com sua língua em minha boca até despertar minha virilidade. Logo começamos os amassos que chamaram a atenção dos transeuntes por seus movimentos reveladores e ousados. Fomos dali para um lugar mais reservado. - Queria levar-te para um hotel, mas estou liso. - Não importa, façamos na rua mesmo, como as putas. “Que garota prafrentex!” Pensei, enquanto nos acomodávamos num beco escuro da Ladeira da Praça. Ali foi somente ferro na boneca. Depois de tudo fiquei cheio de remorsos: “E se ainda não estiver curado da gonorréia? Vou contaminá-la!” E de medo: “E se ela engravidar? Estou frito!” Começamos a namorar por absoluta insistência dela, porém não abandonei minhas farras. Como ela também tinha as dela, não se incomodava muito com isso. Éramos um casal liberal. Passei a freqüentar mais assiduamente a casa dela quando noivamos. Sua mãe, muito solícita, tratava-me como a um filho, mas eu, na minha maldade, via aquela senhora como uma provocante e sensual ladra de minha atenção. Um dia ela foi me procurar no escritório. Disse que precisava falar-me com urgência. Gelei. “Será que Cacilda está prenha?!?” Nada disso. Levou-me para o elevador e fez-me chegar até o terraço do prédio. Lá em cima, com o forte vento desarrumando nossos cabelos, segurou com firmeza nos meus documentos e me propôs sexo ali mesmo, com a cara mais sem vergonha. “Cacilda teve a quem puxar.” Obedeci sem pestanejar a ordem da matrona que tinha minha genitália como refém. Dona Odete era viúva e tinha três filhos. Cacilda era a caçula, Walda a mais velha e Ronaldo o do meio, que servia na Marinha. Agora eu sabia porque ela enviuvara duas vezes. Aquela senhora tinha um vulcão no meio das pernas, na bunda e também na boca, pois me fizera possuí-la de todas as formas, debruçada no parapeito do prédio que dava para a Praça da Inglaterra. - Alguém poderá nos ver! Dizia preocupado. - Pois então morrerão de inveja. Respondia ela enquanto se saciava com meu corpo. O noivado com Cacilda chegou ao fim rapidamente depois do episódio do terraço. Ao invés de encontrá-la como de costume na porta da Casa Alberto, passei a esperá-la em sua casa aonde chegava sempre antes dela. No intervalo eu aplicava uma surra de falo em dona Odete, que queria apressar meu casamento e falava sempre que deveríamos, eu e Cacilda, morar com ela depois de casados, pois ficaria muito só, principalmente porque Walda casara-se e agora morava em Feira de Santana. Mas o que a mulher queria mesmo era garantir umas trepadas com o futuro genro. O destino porém foi cruel com nosso triângulo amoroso, pois numa daquelas tardes de desfrute, Cacilda chegou mais cedo – já devia estar desconfiada – e me flagrou em cima da mãe dela. O tempo fechou na Freitas Henrique de Baixo e eu dei sorte de só tem minha camisa rasgada, enquanto mãe e filha se estapeavam, xingando-se barbaramente. Não as vi mais depois desse dia. Acendi outro cigarro e desci a Ladeira de São Bento até alcançar a Praça Castro Alves. A tosse me acometia cada vez mais forte. Debrucei-me no parapeito que ladeava o prédio do Cine Guarani e comecei a observar as formas da Igreja da Barroquinha. Os pombos evoluíam no céu da praça quando tive minha primeira hemoptise. Foi assustador expelir tanto sangue após o forte acesso de tosse. No início me desesperei, mas depois pensei que uma irritação proveniente da tosse tivesse provocado o sangramento. Tentava me acalmar, mas na verdade eu estava me afogando em sangue, dado o avançado quadro da doença. Acendi mais um cigarro e desci em direção ao terminal de ônibus da Barroquinha. Parei num boteco e comecei a beber. Era meio dia. Minha irmã, sempre devotada, disse-me que prepararia bife de fígado para o almoço, com bastante hortelã verde, como eu gostava. Bebi mais um copo de aguardente e escarrei sangue na saída do boteco. Acendi um cigarro.
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