A consulta.
“Senão vejamos”, disse o doutor Galvão, apertando a
borracha da pressão no braço de Gustavo.
“Pressão, está boa...realmente muito boa.”
“Quanto doutor?”
“Perfeita. Doze por oito.”
“Vejamos os reflexos”, disse o doutor. “Deixe as pernas
relaxadas...balançando...isso !”
O médico bateu o martelinho, as pernas chutaram com
vontade uma bola invisível.
“ Muito bom”, disse o doutor Galvão. “Agora respira
fundo, solta o ar pela boca...isso...respira fundo, solta o
ar pela boca...isso.”
Doutor Galvão ia batendo nas costas de Gustavo.
Agora apalpou seu tornozelo.
“ As pernas incham ?”
“ Não.”
“ Muito bem. Abra a boca”. Pegou um palito de sorvete
Kibon. “Agora vou abaixar sua língua...assim...agora
fala Aaaaaaaa”.
“ Éééééééééééé !”
“ Muito bem. Agora vou olhar dentro do seu olho. Olha
reto para a frente...esquece esta luzinha...muito bem...
agora com o outro olho...isso...muito bem.”
Doutor Galvão passou a esmagar figado, baço, baixo
ventre, estomago, intestino...
“ Respira fundo...isso...dói alguma coisa ? E agora ?”
Um tapa final no ombro de Gustavo.
“ Tudo bem. Pode se vestir.”
Sentados à mesa, o medico foi escrevendo coisas num
bloquinho.
Gustavo acompanhava atento, silencioso.
Mas não se conteve:
“ doutor, e os outros exames ? Sangue, urina ? As chapas ?”
O medico não respondeu.
Terminou suas anotações, assinou embaixo, arrancou a
folha e passou-a para Gustavo.
“ Parabéns. O senhor tem 47 anos, saúde de um menino de 20.
Todos os seus exames deram normal. Escrevi aqui a única coisa
que o senhor precisa fazer. Todo dia, 20 minutos de
exercício. De preferência aeróbico. Natação, esteira,
bicicleta”.
Gustavo terminou de abotoar a camisa, apertou o nó da
gravata, e antes de se despedir do doutor Galvão,
sentou-se novamente na cadeira.
“ Alguma coisa errada ?”, perguntou o medico.
Gustavo respirou fundo:
“ Tudo, doutor. Tudo.”
Doutor Galvão não escondeu o susto:
“ diagnóstico desses é um a cada 3 meses. O que deu no
senhor ?”
Gustavo se levantou, apertou a mão do médico, e antes
de sair virou-se novamente para trás:
“ O senhor é o quarto médico, doutor. E nenhum deles me
entendeu”.
Já fora do consultório, pela porta entreaberta,
Gustavo finalizou:
“ Eu não vim atrás de saúde, doutor. Vim atrás de doença.”
E finalizou antes de desaparecer atrás da porta:
“uma doençazinha só, já ajudava.”
Hans Dammann
A consulta.
“Senão vejamos”, disse o doutor Galvão, apertando a
borracha da pressão no braço de Gustavo.
“Pressão, está boa...realmente muito boa.”
“Quanto doutor?”
“Perfeita. Doze por oito.”
“Vejamos os reflexos”, disse o doutor. “Deixe as pernas
relaxadas...balançando...isso !”
O médico bateu o martelinho, as pernas chutaram com
vontade uma bola invisível.
“ Muito bom”, disse o doutor Galvão. “Agora respira
fundo, solta o ar pela boca...isso...respira fundo, solta o
ar pela boca...isso.”
Doutor Galvão ia batendo nas costas de Gustavo.
Agora apalpou seu tornozelo.
“ As pernas incham ?”
“ Não.”
“ Muito bem. Abra a boca”. Pegou um palito de sorvete
Kibon. “Agora vou abaixar sua língua...assim...agora
fala Aaaaaaaa”.
“ Éééééééééééé !”
“ Muito bem. Agora vou olhar dentro do seu olho. Olha
reto para a frente...esquece esta luzinha...muito bem...
agora com o outro olho...isso...muito bem.”
Doutor Galvão passou a esmagar figado, baço, baixo
ventre, estomago, intestino...
“ Respira fundo...isso...dói alguma coisa ? E agora ?”
Um tapa final no ombro de Gustavo.
“ Tudo bem. Pode se vestir.”
Sentados à mesa, o medico foi escrevendo coisas num
bloquinho.
Gustavo acompanhava atento, silencioso.
Mas não se conteve:
“ doutor, e os outros exames ? Sangue, urina ? As chapas ?”
O medico não respondeu.
Terminou suas anotações, assinou embaixo, arrancou a
folha e passou-a para Gustavo.
“ Parabéns. O senhor tem 47 anos, saúde de um menino de 20.
Todos os seus exames deram normal. Escrevi aqui a única coisa
que o senhor precisa fazer. Todo dia, 20 minutos de
exercício. De preferência aeróbico. Natação, esteira,
bicicleta”.
Gustavo terminou de abotoar a camisa, apertou o nó da
gravata, e antes de se despedir do doutor Galvão,
sentou-se novamente na cadeira.
“ Alguma coisa errada ?”, perguntou o medico.
Gustavo respirou fundo:
“ Tudo, doutor. Tudo.”
Doutor Galvão não escondeu o susto:
“ diagnóstico desses é um a cada 3 meses. O que deu no
senhor ?”
Gustavo se levantou, apertou a mão do médico, e antes
de sair virou-se novamente para trás:
“ O senhor é o quarto médico, doutor. E nenhum deles me
entendeu”.
Já fora do consultório, pela porta entreaberta,
Gustavo finalizou:
“ Eu não vim atrás de saúde, doutor. Vim atrás de doença.”
E finalizou antes de desaparecer atrás da porta:
“uma doençazinha só, já ajudava.”
Hans Dammann
|