“Vô Gênio morreu.”
Quem anunciou o passamento foi Alzira, filha do recém-falecido.
Na mesma hora, Laurinha e Bebê, netos queridos do Vô Eugênio, lançaram um para o outro um longo olhar, cheio de interrogação e cumplicidade.
Os dois olhares continham a mesma pergunta:
“E todo aquele ouro da boca ?”
Depois de uma tarde de soluços e sussurros, vozes abafadas ao telefone, ciceronagem para presurosos funcionários da funerária
pelos meandros da casa, estratégicas passadas na cozinha para
um cafezinho – lá estava finalmente Vovô Eugênio na acanhada
sala de estar, devidamente esticado, trajado e florido, como
se exige dos mortos nessas ocasiões.
As condolências encheram a casa no começo da tarde, mas diminuíram bastante no comecinho da noite.
E quando de uma casa vizinha se ouviu um fiozinho da trilha do
Jornal Nacional, somente Alzira, seu dileto marido Arthur e a fiel empregada Dileta estavam na sala.
Laurinha e Bebê sentiram que estava chegando a hora de “pegar antes que a funerária”, como lembrou Laurinha.
“Já volto”, sussurou Bebê. “Vou pegar um alicate na garagem”.
Arthur atendeu a um telefonema, confirmou o horário do
enterro para as dez horas da manhã, e saiu da sala.
Quando Dileta saiu, após um longo abraço em Alzira, Bebê
chegou com a ferramenta.
Sem levantar o filó, Alzira beijou a face de Vô Eugênio.
“Você precisa descansar um pouco, Alzira”, disse Arthur, que voltava de um cigarro na varanda.
Carinhosamente envolveu a mulher com um abraço e levou-a, escada acima, para o quarto.
A casa mergulhou no silêncio e já era quase meia noite quando
Bebê e Laurinha se aproximaram de Vô Eugenio.
Uma vela amarelava o rosto branco do avô, e bem baixinho
Bebê ordenou:
“levanta o véu”.
Foi quando se ouviu uma porta fechando ao longe.
Passos surdos no corredor.
A chama da vela balançou.
Bebê e Laurinha se enfiaram no único esconderijo da sala:
embaixo da mesa onde repousava Vô Gênio. Logo viram os chinelos e um pedaço de saia.
Eram de Dileta.
Após alguns minutos e muitos soluços, os calcanhares dela se levantaram, deu para ouvir o farfalhar do filó.
Dileta ficou um bom tempo debruçada sobre vô Eugenio. Espremidos embaixo da mesa, Laurinha e Bebê ouviram uma longa mistura de choro contido e resmungos abafados.
Enquanto os pés retomavam a direção do quarto do fundo,
Bebê e Laurinha se olharam e tiveram um estranho pensamento:
“Dileta sempre foi muito recolhida. Nunca demonstrou o menor sentimento por Vô Eugenio. Será que precisou o vô morrer, para ela ter a coragem de abraçar e beijar o vovô daquele jeito ? Será
que...?
Quando a porta fechou, Laurinha ao lado do caixão acendeu o isqueiro e ela mesma ergueu a renda.
Bebê ficou segurando o alicate sem entender muito bem.“Porque o Vô está de boca aberta ?”, sibilou. Laurinha aproximou o isqueiro, quase o enfiou na boca de Vô Eugênio.
Não havia mais dúvidas:
as duas grandes pontes de ouro, uma em cima e outra embaixo,
tinham sumido.
Bebê olhou para Laurinha e tentou adivinhar o que ela estava pensando.
Foi a vez de Laurinha olhar para Bebê.
Naquele cantinho escuro, com a vela jogando uma pálida luz em
seus rostos, quando mais uma vez os olhares se cruzaram aconteceu uma certeza que fez os dois tremerem.
“Desgraçada !”
Pé ante pé Laurinha e Bebê foram para o quarto dos fundos.
Na porta do quarto, quando Bebê colocou a mão na maçaneta,
Laurinha perguntou num sussurro:
“Trouxe o alicate ?”
Vovô Eugênio.
“Vô Gênio morreu.”
Quem anunciou o passamento foi Alzira, filha do recém-falecido.
Na mesma hora, Laurinha e Bebê, netos queridos do Vô Eugênio, lançaram um para o outro um longo olhar, cheio de interrogação e cumplicidade.
Os dois olhares continham a mesma pergunta:
“E todo aquele ouro da boca ?”
Depois de uma tarde de soluços e sussurros, vozes abafadas ao telefone, ciceronagem para presurosos funcionários da funerária
pelos meandros da casa, estratégicas passadas na cozinha para
um cafezinho – lá estava finalmente Vovô Eugênio na acanhada
sala de estar, devidamente esticado, trajado e florido, como
se exige dos mortos nessas ocasiões.
As condolências encheram a casa no começo da tarde, mas diminuíram bastante no comecinho da noite.
E quando de uma casa vizinha se ouviu um fiozinho da trilha do
Jornal Nacional, somente Alzira, seu dileto marido Arthur e a fiel empregada Dileta estavam na sala.
Laurinha e Bebê sentiram que estava chegando a hora de “pegar antes que a funerária”, como lembrou Laurinha.
“Já volto”, sussurou Bebê. “Vou pegar um alicate na garagem”.
Arthur atendeu a um telefonema, confirmou o horário do
enterro para as dez horas da manhã, e saiu da sala.
Quando Dileta saiu, após um longo abraço em Alzira, Bebê
chegou com a ferramenta.
Sem levantar o filó, Alzira beijou a face de Vô Eugênio.
“Você precisa descansar um pouco, Alzira”, disse Arthur, que voltava de um cigarro na varanda.
Carinhosamente envolveu a mulher com um abraço e levou-a, escada acima, para o quarto.
A casa mergulhou no silêncio e já era quase meia noite quando
Bebê e Laurinha se aproximaram de Vô Eugenio.
Uma vela amarelava o rosto branco do avô, e bem baixinho
Bebê ordenou:
“levanta o véu”.
Foi quando se ouviu uma porta fechando ao longe.
Passos surdos no corredor.
A chama da vela balançou.
Bebê e Laurinha se enfiaram no único esconderijo da sala:
embaixo da mesa onde repousava Vô Gênio. Logo viram os chinelos e um pedaço de saia.
Eram de Dileta.
Após alguns minutos e muitos soluços, os calcanhares dela se levantaram, deu para ouvir o farfalhar do filó.
Dileta ficou um bom tempo debruçada sobre vô Eugenio. Espremidos embaixo da mesa, Laurinha e Bebê ouviram uma longa mistura de choro contido e resmungos abafados.
Enquanto os pés retomavam a direção do quarto do fundo,
Bebê e Laurinha se olharam e tiveram um estranho pensamento:
“Dileta sempre foi muito recolhida. Nunca demonstrou o menor sentimento por Vô Eugenio. Será que precisou o vô morrer, para ela ter a coragem de abraçar e beijar o vovô daquele jeito ? Será
que...?
Quando a porta fechou, Laurinha ao lado do caixão acendeu o isqueiro e ela mesma ergueu a renda.
Bebê ficou segurando o alicate sem entender muito bem.“Porque o Vô está de boca aberta ?”, sibilou. Laurinha aproximou o isqueiro, quase o enfiou na boca de Vô Eugênio.
Não havia mais dúvidas:
as duas grandes pontes de ouro, uma em cima e outra embaixo,
tinham sumido.
Bebê olhou para Laurinha e tentou adivinhar o que ela estava pensando.
Foi a vez de Laurinha olhar para Bebê.
Naquele cantinho escuro, com a vela jogando uma pálida luz em
seus rostos, quando mais uma vez os olhares se cruzaram aconteceu uma certeza que fez os dois tremerem.
“Desgraçada !”
Pé ante pé Laurinha e Bebê foram para o quarto dos fundos.
Na porta do quarto, quando Bebê colocou a mão na maçaneta,
Laurinha perguntou num sussurro:
“Trouxe o alicate ?”
Vovô Eugênio.
“Vô Gênio morreu.”
Quem anunciou o passamento foi Alzira, filha do recém-falecido.
Na mesma hora, Laurinha e Bebê, netos queridos do Vô Eugênio, lançaram um para o outro um longo olhar, cheio de interrogação e cumplicidade.
Os dois olhares continham a mesma pergunta:
“E todo aquele ouro da boca ?”
Depois de uma tarde de soluços e sussurros, vozes abafadas ao telefone, ciceronagem para presurosos funcionários da funerária
pelos meandros da casa, estratégicas passadas na cozinha para
um cafezinho – lá estava finalmente Vovô Eugênio na acanhada
sala de estar, devidamente esticado, trajado e florido, como
se exige dos mortos nessas ocasiões.
As condolências encheram a casa no começo da tarde, mas diminuíram bastante no comecinho da noite.
E quando de uma casa vizinha se ouviu um fiozinho da trilha do
Jornal Nacional, somente Alzira, seu dileto marido Arthur e a fiel empregada Dileta estavam na sala.
Laurinha e Bebê sentiram que estava chegando a hora de “pegar antes que a funerária”, como lembrou Laurinha.
“Já volto”, sussurou Bebê. “Vou pegar um alicate na garagem”.
Arthur atendeu a um telefonema, confirmou o horário do
enterro para as dez horas da manhã, e saiu da sala.
Quando Dileta saiu, após um longo abraço em Alzira, Bebê
chegou com a ferramenta.
Sem levantar o filó, Alzira beijou a face de Vô Eugênio.
“Você precisa descansar um pouco, Alzira”, disse Arthur, que voltava de um cigarro na varanda.
Carinhosamente envolveu a mulher com um abraço e levou-a, escada acima, para o quarto.
A casa mergulhou no silêncio e já era quase meia noite quando
Bebê e Laurinha se aproximaram de Vô Eugenio.
Uma vela amarelava o rosto branco do avô, e bem baixinho
Bebê ordenou:
“levanta o véu”.
Foi quando se ouviu uma porta fechando ao longe.
Passos surdos no corredor.
A chama da vela balançou.
Bebê e Laurinha se enfiaram no único esconderijo da sala:
embaixo da mesa onde repousava Vô Gênio. Logo viram os chinelos e um pedaço de saia.
Eram de Dileta.
Após alguns minutos e muitos soluços, os calcanhares dela se levantaram, deu para ouvir o farfalhar do filó.
Dileta ficou um bom tempo debruçada sobre vô Eugenio. Espremidos embaixo da mesa, Laurinha e Bebê ouviram uma longa mistura de choro contido e resmungos abafados.
Enquanto os pés retomavam a direção do quarto do fundo,
Bebê e Laurinha se olharam e tiveram um estranho pensamento:
“Dileta sempre foi muito recolhida. Nunca demonstrou o menor sentimento por Vô Eugenio. Será que precisou o vô morrer, para ela ter a coragem de abraçar e beijar o vovô daquele jeito ? Será
que...?
Quando a porta fechou, Laurinha ao lado do caixão acendeu o isqueiro e ela mesma ergueu a renda.
Bebê ficou segurando o alicate sem entender muito bem.“Porque o Vô está de boca aberta ?”, sibilou. Laurinha aproximou o isqueiro, quase o enfiou na boca de Vô Eugênio.
Não havia mais dúvidas:
as duas grandes pontes de ouro, uma em cima e outra embaixo,
tinham sumido.
Bebê olhou para Laurinha e tentou adivinhar o que ela estava pensando.
Foi a vez de Laurinha olhar para Bebê.
Naquele cantinho escuro, com a vela jogando uma pálida luz em
seus rostos, quando mais uma vez os olhares se cruzaram aconteceu uma certeza que fez os dois tremerem.
“Desgraçada !”
Pé ante pé Laurinha e Bebê foram para o quarto dos fundos.
Na porta do quarto, quando Bebê colocou a mão na maçaneta,
Laurinha perguntou num sussurro:
“Trouxe o alicate ?”