Eu queria filosofar um pouco com vocês sobre a verdade e a mentira. Não é à toa que vou discursar aqui sobre isso. Para alguns dos meus contos serem entendidos em sua totalidade, se faz útil o conhecimento desta idéia.
“Verdade” e “mentira” são apenas formas de julgar o que os outros dizem. Em outras palavras, não têm compromisso com a realidade, com o que realmente acontece; são apenas convenções humanas para serem aplicadas em pensamentos humanos. Seria pesado demais para os seres humanos admitirem como definições de verdade e de mentira, narrações do que acontece ou não, respectivamente, na realidade, ou seja, no universo. Caso fosse possível tal coisa, caso os seres humanos fossem tão perfeitos a ponto de determinar com precisão a verdade e a mentira com tais definições, a própria existência dessas palavras perderia seu sentido, já que saber o que é verdade ou mentira não seria mais problema algum para nós; agiríamos ignorando a mentira e apenas sobre a verdade a tal ponto que a palavra “mentira” deixaria de existir já que a esqueceríamos pela falta de uso; sem a contraposição da idéia da mentira à da verdade, a palavra “verdade” também perderia sentido porque tudo para nós, ou pelo menos tudo em que nos concentraríamos, seria verdade. Como no universo: só se age, por definição, em cima daquilo que acontece, do contrário, não; mas para isso... para não cometermos “o erro de agir sobre, de acreditar na mentira”, teríamos de estar mortos. Estando vivos, temos esse direito... talvez mais: o dever de errar, de acreditar numa mentira, de pensar que uma mentira é uma verdade.
Toda “mentira” falha em algum lugar, digo mentiras verdadeiras - ou será que o correto é mentiras mentirosas? Falha, porque quebra a realidade em algum lugar, se torna absurda se tomado tempo e intelecto suficientes para prever suas ações se fosse uma verdade verdadeira. A boa mentira é aquela cujos efeitos, se fosse uma verdade de verdade, são difíceis de se prever para o tempo e intelecto humanos, são tão difíceis a ponto de se confundir com o que está ocorrendo, pelo menos para o tempo e intelecto humanos gerais. A boa mentira, então, depois de repetida mil vezes, a ponto de fazer as pessoas esquecerem de outras possibilidades tão críveis quanto - não só críveis, mas até a real, se lembrar que o que de fato ocorreu ou ocorre está entre elas - se torna uma verdade mentirosa, ou simplificando, uma verdade.
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