Linda, perfeita, singular. Era assim que ela se via, passava horas admirando-se em frente a um espelho e detestava quando alguém dizia que ela era muito narcisista. “Eu gosto do que sou, se você não pode ser assim também o problema é seu”, essa era a resposta que ela sempre dava aos que ousavam interrompê-la em sua admiração cotidiana, que lhe tomava aproximadamente duas horas todas as manhãs.
Chamava-se Clarissa, uma homenagem de sua mãe à protagonista do livro de Erico Veríssimo, um dos seus autores preferidos. Gostava de estudar e tinha muitos amigos, era popular por onde passava e sempre que via um espelho ou vidro era inevitável uma parada para mirar-se. Até que um dia viu um reflexo inesperado.
O que seria “aquilo”, ficou a imaginar, escondeu-se, observando de longe e depois foi correndo pra casa, escondeu-se no quarto e pensou no que iria fazer, não conseguia dormir. Ao amanhecer saiu calmamente, tinha planejado tudo nos mínimos detalhes, teria que vê-la novamente. Um misto de horror e fascínio a dominavam. Quando chegou ao mesmo a praça, local onde havia sido surpreendida ela não viu nada, mas sentou-se e esperou, calmamente.
Lá vinha novamente aquela figura que tanto a intrigou em sua direção. Era sua imagem e semelhança. Era como olhar-se no espelho. Sentiu-se atraída, depois de algum tempo aproximou-se assustando a moça. Tamanha semelhança fez com que as duas ficassem muito tempo observando cada detalhe uma da outra, sentaram-se para conversar. Descobriram que tinham opiniões e gostos completamente diferentes e que somente fisicamente eram parecidas, mas que a conversa era boa. Ficaram amigas.
Chamava-se Larissa, filha de analfabetos não sabia ao certo porque lhe fora dado aquele nome, mas ela gostava. Estudava num colégio próximo e ninguém a notava na escola, seu comportamento era arredio e para os professores era praticamente invisível. Seus pais eram funcionários de uma pensão perto dali e ela vinha todos os dias perambular pela praça para “sumir da vista dos patrões”, conforme dizia sua mãe. Como era tímida gostava do lugar e como era uma praça antiga estava quase sempre vazia, até o dia em que Clarissa começou a fazer-lhe companhia. As duas encontravam-se todos os dias e conversavam algum tempo.
Em casa os pais de Clarissa começaram a desconfiar as saídas constantes da filha todas as tardes ao que ela respondia a verdade, que ia encontrar-se com uma amiga, mas jamais dizia que amiga era.
Clarissa ouvia atentamente as histórias de Larissa e procurava ensinar-lhe muitas coisas. Um dia chegou até a levar pra ela uma roupa igual a sua e foi justamente nesse dia que tudo aconteceu.
Ela escolheu uma roupa simples, mas que aos olhos de Larissa parecia uma vestimenta de princesa. Clarissa então sugeriu que se vestissem igualmente e para isso foram a uma casa abandonada perto da praça. Entraram e logo encontraram um salão com um grande espelho.
Como se fosse um ritual as duas foram arrumando-se. Calmamente trocaram de roupa e arrumaram o cabelo de forma exatamente de forma similar. Um simples gloss era a maquiagem que usavam e o resultado foi impressionante, ao olharem-se no espelho foram surpreendidas pelo reflexo. Era como se fossem uma única pessoa com cópias em série. Ficaram assim por uns dez minutos.
Uma risada de Larissa despertou as duas para a realidade. Clarissa riu também, colocou a mochila nas costas e sugeriu a amiga que fizessem uma expedição na casa, já que estavam ali mesmo. Passearam pelos corredores e viram alguns ratos correndo, conversaram bastante e Larissa sempre a frente.
Quando chegaram a um pátio perto do jardim, Clarissa retirou de sua mochila um pequeno punhal e o escondeu segurando atrás das costas...
autor: Eliane Viana • Porto Velho (RO) • 7/12/2007
Pergunto: Se cada um é um ser diferente do outro, mesmo que haja muita semelhança na aparência, para que se preocupar com o outro? Afinal, o título real do conto é Singularidade.