João Dias, exímio escritor de fados, poeta tendente à lira ácida, o que não impediu que colorisse tantos dos seus versos com ternos e alegres florilégios, foi-se desta vida com a morte por prémio. A sua existência teve fases de vertigem intensa, que adornava com explosivos delírios sobre o feudo social que lhe apertava a vital respiração dos seus nocturnos quotidianos e que vezes sem conta o marginalizou até aos mais esconsos parâmetros da existência humana.
Esta alusão, que deveria ser em página negra e em caractéres brancos, é uma homenagem póstuma ao poeta que deveras foi e, por ele, também um louvor bem viva aos poetas que não conseguem arrancar do chão à luz da realidade. O repertório de versos que legou ao Fado e à Língua Portuguesa, pelo seu pendor e enlevo, demonstram sem equívoco a notável qualidade deste Vate em genuíno português.
----------------- A OVELHA NEGRA -----------------
-------------- Chamaram-me ovelha negra
-------------- Por não aceitar a regra
-------------- De ser coisa em vez de ser;
-------------- Rasguei o manto do mito
-------------- E pedi mais infinito
-------------- Na urgência de viver.
-------------- Caminhei vales e rios
-------------- Passei fomes, passei frios
-------------- Bebi água de meus olhos;
-------------- Comi raízes de dor
-------------- Doeu-me o corpo de amor
-------------- Em leitos feitos d escolhos.
-------------- Cansei as mãos e os braços
-------------- Em negativos abraços
-------------- De que a alma esteve ausente;
-------------- Do sangue de minhas veias
-------------- Ofereci taças bem cheias
-------------- À sede de toda a gente.
-------------- Arranquei com os meus dedos
-------------- Migalhas de grãos segredos
-------------- Da terra escassa de pão
-------------- Mas foi por mim que viveu
-------------- A alma que Deus me deu
-------------- Num corpo feito razão!
--------------------- João Dias ------------------
Uns, escolhem lutar para elevarem a existência.
Outros, optam pelo sabujo jeito denegrirem a vida do próximo para submetê-lo.
-------------------- Torre da Guia ---------------
Que desgosto e gosto tenho de estar aqui
Na presença da Alma do meu Amigo João Dias.