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cronicas-->A Lei de Vinícius -- 30/03/2005 - 03:54 (Edu Arruda Neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Vinícius de Moraes nunca imaginou que os versos finais de seu Soneto de Fidelidade desencadeariam um padrão de comportamento nas gerações seguintes. Como a Lei de Gerson dos anos 70, erroneamente todo um séquito se apoderou de um trecho de seu poema, via osmose, e transformou em justificativa a banalização do amor e abandono da vontade de lutar pelos relacionamentos presentes. Pessoas adentram relacionamentos como entram em shoppings, ávidas por novidades, pra passear, tomar o que querem até a próxima aventura. Ligam a TV e observam uma ciranda de traições (todas justificadas, já perceberam?) nas novelas e filmes, sempre há uma justificativa plausível pra pegar, aproveitar e descartar o que quer que lhes pareça útil, seja um novo videogame, uma blusa ou uma pessoa. "Carpe Diem" virou símbolo de estilo de vida justamente pela leitura dinàmica que fazem do termo - aproveitar o momento. A Lei de Vinícius veio, então, fechar a cadeia, como argumento final aos relacionamentos descartáveis de hoje. "Que seja infinito enquanto dure" - quer algo mais fácil?
Os exemplos se espalham pelo quarteirão, pela cidade, pela história, o próprio Poeta teve mais de uma dúzia de casamentos. Evidente que não nos cabe julgar os motivos que levaram qualquer pessoa a se enveredar por relacionamentos como quem troca de roupa, mas quando a banalização do amor vira regra - e não exceção - passa a motivo de preocupação. Antes os motivos das separações eram, ao menos, mais heróicos: tragédias, um amor antigo mal resolvido que dava as caras, diferenças ideológicas irreconciliáveis. Hoje, qualquer pedaço deslocado põe fim à relação: um corte de cabelo que desagradou, uma pequena implicància, uma nova pessoa mais atraente fisicamente, um amor da internet, a vontade de, apenas, mudar. Pra que lutar, encarar as dificuldades que todo relacionamento nos presenteia com o tempo, se podemos conseguir outra pessoa no fim-de-semana que se aproxima? Sem a teimosia da atual, sem os defeitos, sem o estresse que nos causa. Na tentativa de enganar o destino, queremos apenas o lado bom. Ainda há o bónus de todo começo de paixão: o beijo mais quente, o coração descompassado, um mundo completamente novo e fresquinho a se conhecer. "Foi bom enquanto durou", a sentença já vem preconcebida, mesmo quando somos aqueles que ficam, não os que partem. A Lei de Vinícius alforria os possíveis arrependimentos e culpas.
As pessoas hoje transitam de paixão em paixão, como viciados em busca do prazer constante sem os efeitos contrários. Renascem a cada dia, a cada semana, a cada mês, até que um dia - e sempre vem esse dia - em que até esse renascer constante perde o encanto, e vêem-se perdidas em meio ao vazio dum passado repleto de gotas, mas nenhuma enchente, nada que ameace o dique da solidão da alma. Inevitável, então, tornar a lembrança a todas essas pequenas gotas pingando em nossos subterràneos interiores e perceber o oceano em que algumas delas poderiam ter se transmutado se, ao menos, tivéssemos a ousadia de persistir e apostar em nós mesmos. A Lei de Vinícius torna-se sua própria armadilha, ao final. Pulando de relação em relação, "aproveitamos o momento", por certo, mas não damos um valor, um porquê a esses momentos, que acabam perdidos no espaço das desilusões passadas. A eternidade pode aparecer em breves instantes, em lampejos de relacionamentos com pessoas especiais, mas pode, também, ser formada na insistência do dia-a-dia, em relacionamentos que sabemos especiais e cujas dificuldades devem ser enfrentadas, não largadas à margem. A eternidade conquistada aos poucos num relacionamento especial tem um sabor diferente, mais seguro, uma importància maior porque nos dá a certeza interior de que demos o melhor e triunfamos. No campo de batalhas dos relacionamentos saímos vencedores, não vencidos retornando ao combate. Um "eu te amo", então, soa sincero porque não foi dito pra conquistar ou persuadir a outra pessoa, mas sim pra manter, pra retribuir, mostrar que, mesmo que a paixão de início tenha arrefecido, ela deu vazão a algo maior, que os entrelaçou e tornou ambos fortes, perenes, singulares, nunca banais.
Tenho pena da geração da Lei de Vinícius porque, quando despertam, o arrependimento vem como punhal. Alguns se recuperam pelo caminho, encontram pessoas que chacoalham seus conceitos (muitas vezes pelo sofrimento) e apostam na entrega desinteressada e no compromisso. Fidelidade pra esses passa a ser cool novamente, ou melhor, algo tão natural como mostrar a própria vulnerabilidade aos olhos do outro, e apostam a alma pra manter a pessoa que tanto os impressionou.
Há, é claro, os marginais da Lei. Os teimosos nos assuntos do coração, de olheiras fundas e olhos arregalados a quem está ao redor. Os que lêem Vinícius, Drummond, Baudelaire e extraem do lirismo a consciência de que precisam estar sempre em adaptação, atentos às pequenas coisas do cotidiano. Outros assim que não lêem nada além das revistas da moda, mas, como os primeiros, também acreditam que aquela pessoinha que faz o mundo deles girar numa rotação diferente merece toda a atenção e cuidado. Os marginais com porcelana na alma; frágeis, inseguros, ingênuos, e, por isso tudo, deliciosamente encantadores. Os que, ao final, servirão de exemplo às gerações que se avizinharem. Aqueles que podem, eventualmente, até terminar seus dias na mais completa solidão, mas sempre terão a convicção de que tentaram, de que se esforçaram, de que foram além na busca por um amor verdadeiro. E toda uma geração sob a Lei de Vinícius não vale um único casal enraizado num amor perdurável. Se o mundo precisa de modelos, são esses últimos os que moverão, sempre, os moinhos.
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