**Um Amor Uma Ilusão**
Ele absorveu minha vida, meus pensamentos, instalou-se na corrente sanguínea, chegou aos poros...É meu primeiro pensamento ao levantar-me o último ao deitar...Pensam que é artifício dos romances, filmes, novelas, poemas e contos? Não, amiga, a arte imita a vida.
Revelou-me uma amiga quando nos encontramos, após certo tempo. Apesar de morarmos na mesma cidade e mantermos a amizade desde o curso ginasial.
- Ainda amiga? Mesmo depois de trovoadas e relâmpagos o temporal não cedeu?
- Nunca passou. Lembras daquela época, bem sei! Éramos adolescentes as mentes fervilhavam. Nos apaixonamos, noivamos e a aliança jogada fora a nem sei a quantos metros de distância após uma discussão. Não trabalhava, nem estudava e queria contrair núpcias para irmos morar com os pais. Acabei tudo. Ele foi embora para outra cidade. Após um ano regressou, mas eu já estava com outro e bem entusiasmada. Um jovem estudioso, inteligente, “bom papo” desses que impressionam, cheio de planos para o futuro. Compensou logo a ausência do outro. Casamos.
Só durou um ano, a ilusão. Com a vinda da primeira filha a cortina começou a fechar. Corpos ausentes sem a temperatura que aquece o leito, a palavra que une, o afeto necessário... Apenas a obrigação da fêmea para parir o segundo e o terceiro filho. Nas folgas e feriados a bebida era seu refúgio favorito. O gelo encobriu a convivência.
A lembrança do outro invadiu meu cérebro, coração, o corpo inteiro, com desejos incontroláveis: Carência de amor, ajuda, proteção, alimentavam-me os sonhos.
Após dez anos reapareceu e não resisti, fui ao encontro e fartei-me de beijos e abraços. Não fui além... Não por respeito ao marido, mas por mim, meus filhos e pela consciência de uma educação que aponta a mão Divina para castigar, o olhar para julgar... Resisti e fiquei sofrendo.
Tensão, algo fluía no ar. Revelação bombástica, isto após quinze anos.
- Tenho dois filhos de outra mulher, as crianças estão aqui e querem conhecer os irmãos!
- Como? O que? Faltou o chão, desabou o teto...
- É isso mesmo. Quando começamos a namorar! Precisei passar dois anos noutra cidade a serviço da firma, embuchei uma jovem e precisei casar-me. Não deu certo vim embora e casei com você.
- E neste período amiga, que ele viajou, mas ficamos noivos e as atenções continuaram: Telefonemas, cartas, saudades e promessas de regresso para o casamento. Diante da decepcionante revelação a desconfiança alojou-se, não dava mais para acreditar ou ter o mínimo respeito! É por esta e por diversas outras que as mulheres libertam-se. Traem...
Depois do revelado segredo, motivo da bebedeira, a cortina fechou de uma vez. Quartos separados, solidão a dois, a falta da mão atrevida deslizando sobre a pele, o abraço que emociona, o beijo que salva e perdoa. Nada. Não suportava mais a presença até a voz incomodava, o cheiro quando passava por perto cheguei a odiá-lo. Era o inferno na terra e o Céu nos sonhos com o outro que chegara separado da mulher. E agora? Fui à igreja fazer a confissão dos réus, rezei comunguei e pedi a Deus uma solução para o meu penar.
Ele meu marido estava há dez anos com problemas no coração, já perdera o emprego, de um certo status e um salário razoável, aposentou-se ganhando uma bagatela. E a vida? Cortamos o plano de saúde de todos, vendemos os carros, condômino atrasado e todos os meses o lápis fazendo a conta para organizar o orçamento. Tem amor que resista? Em canto nenhum deste planeta...Quando falta a “grana” o amor corre e salta pela janela.
E entre sofrimentos e desesperos, solidão e irritação o amor antigo cresceu tão avassalador que estava para explodir. Para esquecer fazia questão de ocupar a mente com devaneios que alimentavam e me satisfaziam.
E foi neste dilema de desespero que numa certa manhã encontrei-o desfalecido no leito, ainda quente, pois a mão que há tanto tempo não o tocara deitou sobre o corpo inerte e sem vida...
Sogueira
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