Olhei para o sol forte e foi então que me dei conta de como era alta aquela casa. Quantos andares, quantos espaços...Quantas pessoas morariam ali?
Então eu soube: uma só. Senhora de cabelos brancos, solitária, abre a janela todos os dias para deixar o sol entrar.
Dizem que escuta musica alto e que ao passar frente à casa as pessoas se detêm porque é musica de bom gosto. Alguns a vêm dançar pela janela entreaberta e então a imaginam muito mais nova do que realmente é. Espírito jovem, dizem.
Contou-me o jornaleiro que gosta de cantar e que algumas vezes, recebe um senhor idoso e bem vestido para jantar. Nestes dias a casa se movimenta e pode-se escutar o tilintar de cristais. A floricultura entrega flores, o açougue trás a carne (sempre carne de caça) e no dia seguinte pode-se ver latinhas de foie grass e garrafas de Carmenère na lata de lixo.
Detenho-me frente à casa e me imagino em seu interior. Dançaria como ela pelos salões vazios? Receberia o senhor idoso? Os netos? Seria eu minha própria companhia feliz na casa enorme?
De novo ergo meu olhar até a mansarda. Seria ali, sem duvida, o lugar meu, escolhido dentre todos os cômodos, para escrever meus pedaços. Então perco meu olhar no caimento do telhado, o inferior (quase vertical) e o superior (quase horizontal), e acompanho a descida da parede até que a vejo, com seus cabelos brancos e um sorriso nos lábios a me olhar fixamente através da pequena janela aberta sobre o telhado.