Uma vez cheguei em Aceguá, cidade verídica, a uns 60 km de Bagé, na fronteira seca com o Uruguai.
Lá naqueles confins do país existem aqueles marcos gigantes de concreto demarcando a divisa oficial. Coisa que a população ignora. Dos dois lados se comercializa tudo, conforme a conveniência da hora. Uma terra onde se fala portunhol e quem não é comerciante e/ou “borracho” - bêbado - é “quilero”, um tipo de mini contrabandista, um contraventor formiguinha.
Entrei num bolicho, assim que se chama um pequeno armazém por aquelas bandas, com um amigo prá tomar um trago. O dono do estabelecimento se abancou prá beber junto, só que tomava a canha - cachaça - com Olina, um fotiterápico para o estômago ou fígado. Ao que perguntei do motivo e ele, muito sério, disse que tinha exagerado no dia anterior, o que o obrigava a beber, nas suas palavras, o veneno junto com o remédio...
Bem, foi esse tal bolicheiro, um ex professor desiludido de amor, que me alcunhou de “ El Profanador de Túmulos”. Só porque ficou sabendo que eu havia “pesquisado” uns sambaquis indígenas e coletado alguns restos de cerâmicas... Mas num local pequeno como Aceguá bastam duas ou três talagadas no bolicho e todos já sabem da novidade, mercadoria rara por lá... Por todo lado me apontavam curiosos...”El Profanador”! Todos queriam saber do “El Profanador”...
Por estes dias fomos convidados para tomar “uma geladeira de cerveja”. Cheguei e vi uma Frigidaire comercial, anos 40, toda de madeira, seis portas, cheia! Que visão! A geladeira e o recheio...Norteñas, Gran Chops Patrícia, Pilsens, Brahmas, Pérolas, Polares, Serramaltes e outras, quase todas da época, o estoque da cidade.
Havia vários sacos de cereais e uns poucos bancos e passamos meio dia por lá fazendo as compras para o mês, já que era o maior armazém da região. Num dado momento, em meio a paletas de ovelha, lingüiças assadas e muitas cervejas, me perguntaram:
- Mas que tal! Entonces tu és o “El Profanador de Túmulos”?
Eu, meio sem jeito, expliquei que não era bem assim, e que não era bem esta a minha intenção...mas já era tarde demais. El Profanandor já era falado na cidade, eu virara parte do imaginário deles.
El Profanandor de Túmulos não passava de um estudante de Geologia que, curioso, tentava aplicar seus parcos conhecimentos de Paleontologia e Sedimentologia em suas férias na fazenda do tio...Mas por muitos anos quando voltei lá e depois quando nunca mais o fiz, a lenda do “El Profanador” me perseguiu e me deixou sem jeito...De um certo modo estranho passei a fazer parte daquele lugar esquecido...
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