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Contos-->periquitos na consciência ou assim nasceu uma poeta -- 23/10/2007 - 17:18 (julio saraiva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Joana e a irmã Otacília passaram a infância sob os cuidados da avó materna, dona Domingas, num casarão, cujo quintal, cheio de árvores e plantas,propiciava às duas meninas um feliz contato com a natureza e também com as fadas e os duendes que a imaginação vivia a criar.
Joana e Otacília divertiam-se também atirando invólucros dos doces e cascas de frutas comidos no quintal do vizinho, sêo Alaor, careca, solteirão e ranzinza, que tinha o rosto muito vermelho devido ao hábito da cachaça. Sêo Alaor, contudo, nunca foi o Lobo Mau da história das duas Chapéuzinhos. Pelo contrário: ao surpreender as pequenas emporcalhando o seu quintal, apanhou uma escada de pintor, subiu até o muro que separava as duas casas e prometeu denunciá-las, caso o episódio se repetisse. Joana, por ser a mais velha e mentora intelectual das reinações, assustada, até porque nunca tinha visto uma pessoa careca na vida, puxou Otacília de encontro ao ventre, numa atitude de medo e também de proteção para com a irmã menor. Passado um tempo, continuaram a jogar invólucros de doces e cascas de frutas no quintal do sêo Alaor, sem que este nunca cumprisse a ameaça da delação.
Dona Domingas, italiana gorda e profundamente religiosa, cozinhava com rara mestria. Joana nunca se esqueceu disso, tendo herdado os dotes culinários da avó, que, apesar do carinho, usava de bastante rigor na educação das netas, na verdade pequenos demônios em vestidos floridos e trancinhas graciosas. Joana, entre outras lembranças da infância querida que os anos não trazem mais, além do imbatível macarrão feito em casa, recorda-se de que vovó também era uma virtuose na arte de peidar.
Dona Domingas vivia a queixar-se dos intestinos preguiçosos. E fazia uso constante de uma fórmula homeopática do Doutor Alberto Seabra. Joana, hoje bonita mulher, dona de um rosto que chega a dar a impressão de ter sido esculpido por algum gênio da Renascença, desmente o fato. Segundo ela, apesar de a boa senhora não estar mais entre os vivos, portanto sem nenhuma chance de defender-se, vovó tinha os intestinos em ótimo estado de saúde, pois sempre davam o ar, ou os ares, melhor dizendo, da graça com sonoros peidos semelhantes a um afinadíssimo trombone de vara. A velha, de acordo com o que me relatou a neta,atravessava a imensa sala em passos rápidos, deixando para trás o som e o cheiro dos seus gases,evocando, fervorosamente, o nome da Virgem Santíssima: "Ai,minha Nossa Senhora!, ai ,minha Nossa Senhora!" E entrava no banheiro, onde permanecia alguns minutos, para retornar depois, com a cara lavada, como se nada houvesse acontecido.
Outro episódio marcante, talvez o principal da infância de Joana, e motivo desta história, tem ainda como cenário o casarão de dona Domingas. Dessa vez, porém, as personagens são um casal de periquitos que a velha criava com muita estimação.Joana fala periquitos, mas no meu entender, por serem verdes e relativamente grandes, deviam ser maritacas, parentes próximos dos periquitos. É bom lembrar que, nos dias de hoje, as duas aves, sendo maritacas, poderiam causar transtornos à dona Domingas, pois tratando-se espécimes nacionais a lei do meio-ambiente não permite que sejam mantidas em cativeiro doméstico. Mas isso é irrelevante. Importa que Joana, movida pela curiosidade infantil,aproximou-se certa tarde da gaiola, e, contando com a cumplicidade de Otacília, num movimento de dedinhos ágeis, abriu a portinhola. Queria tocar nos periquitos, vamos dizer assim. O casal de aves, entretanto, ao perceber o passaporte para a liberdade, não hesitou. Periquito e periquita, num átimo, conseguiram escapar da gaiola.Mas não lograram êxito na fuga. Desabituados de voar, desequilibraram-se e caíram dentro da privada. Debatiam-se desesperados. Joana e Otacília, apavoradas, correram, deixando o casal sucumbir nas águas da latrina.
Anos se passaram. Joana e Otacília cresceram, sendo a segunda mãe de dois filhos à espera do terceiro. Joana completou trinta anos, sem que a tragédia dos periquitos lhe saísse da memória. Numa noite de agosto, ela acordou sobressaltada. Suava frio, sentia enjôos. E não sabia se o que lhe estava acontecendo era sonho ou não. Os enjôos e as tonturas cada vez mais terríveis. Periquitos verdes voavam por toda a extensão do quarto. Pousavam na penteadeira, nos dois criados-mudos, nos ombros e na cabeça de Joana, que ao mesmo tempo começou a vomitar periquitos também verdes. E os periquitos que ela vomitava transformavam-se em palavras. E as palavras viravam imagens. E dessas palavras e imagens começaram a brotar versos de rara beleza. Versos que Joana nunca sonhara escrevê-los. Assim, guiada pela poesia, Joana voltava a ser menina. Uma poeta acabava de nascer.
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