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cronicas-->Baluarte da Fronteira - Forte de Coimbra -- 24/02/2005 - 08:48 (Odorico Affonso Filho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       
Baluarte da Fronteira
Forte de Coimbra


TINO

 

1a  PARTE
 
LOCALIZAÇÃO
  Lat 19o 55 Long 57o 02
Município: Corumbá
Pantanal - Estado do Mato Grosso do Sul


  Presídio de Nova Coimbra construído em 1775 foi o núcleo original do Forte. Destinado a defender a fronteira portuguesa com a América Espanhola (hoje Bolívia e Paraguai). A sua localização na margem ocidental do Rio Paraguai propiciou o acesso dos povoadores da região. Desempenhou papel importante na defesa de nossas fronteiras pelos idos de 1878. Construção em formato irregular nas barrancas do Rio Paraguai apresentava no conjunto da sua edificação: uma casa de pólvora, um alojamento, pátios internos, a muralha com baluartes e a capela de N. Sa. do Carmo sua padroeira. Mesmo desativado ainda possui canhões de Marinha.
(Dados extraídos do Livro Histórico-Vol 1 - Folhas 075 - Insc 452)
 
A SOCIEDADE LOCAL
Como guarnição militar, detinha:
- Oficiais, sargentos, cabos e soldados com suas famílias;
- Funcionários civis com suas famílias;
- Moradores da região com suas famílias.
Em face da característica de guarnição do Exército, seus efetivos eram então sujeitos a movimentação. Oficiais normalmente permaneciam de um a dois anos, sargentos um pouco mais, dependendo da sua vontade e praticamente cabos e soldados se incorporavam à sociedade fixa. Comum nas guarnições de fronteira a existência de soldados com mais de 40 anos de idade. Outro detalhe muito interessante na fronteira era a incorporação de bugres que não possuíam certidão de espécie alguma. Não sabiam inclusive de que lado havia nascido e muitos mal falavam a língua portuguesa, apenas o guarani.
Cabos, soldados, funcionários civis e os residentes representavam a sociedade fixa na guarnição.


A FAMíLIA
Na sociedade fixa a figura do pai em geral não existia. A família tinha como cabeça à mulher com os seus filhos. O pai havia sido um militar que passou pelo Forte e foi movimentado. Desta maneira, não se perguntava na área quem era o pai de alguém... Foi um militar que passou em determinado ano e tinha se mandado, deixando quase sempre filhos com várias mulheres.
Por ser a área tipicamente pecuarista, a terminologia do campo ali se aplicava à sociedade local. Termos como cobertura, garanhão, reprodutor, eram utilizados quando se referiam também ao relacionamento do homem com a mulher. Exemplo: D. Maria foi coberta pelo João de Deus... O Pedro Batista é o garanhão reprodutor local, i.é., possui filhos com várias mulheres. A mulher que gravitava em torno da guarnição do Forte e tinha filhos com os peões da região, não exigiam deles a responsabilidade pela manutenção da família. Aceitava o fato como ato normal e se sentia até honrada pór ter sido eleita para o ato da procriação. Procedimento típico do regime matriarcado. A identidade de grande parte dos residentes era dada então pelo nome da mãe.
- Você é filho de quem?
- Filho da D. Fulana.
Não adiantava perguntar o nome do pai... Nunca saberia dizer.  

Nota: A localidade ainda que muito pequena possuía a sua igreja. A igrejinha dentro do Forte de N. Sa. do Carmo. A mesma por sua vez, tinha a Irmandade, mas não havia a figura do padre. Batizados e eventuais casamentos aconteciam uma vez por ano na festa em homenagem a Santa. O padre comparecia a convite e ali sacramentava os casamentos e batizados das crianças nascidas no período. Muitas das vezes casavam os pais e já batizavam os filhos.

OS REBANHOS
Há um dito na região que explicava o procedimento dos diversos criadores. No Pantanal o fazendeiro não sustenta o seu rebanho. Ao contrário, o rebanho sustenta o seu criador.
Esta crónica se encontra com atraso de mais de 30 anos. Em se tratando de uma região tão grande e tão abandonada, o tempo tem valor relativo. Não acredito que as coisas tenham mudado muito neste período.
O Pantanal possui áreas extensas. Maior do que muitos paises europeus. As fazendas também têm estas características. Penso que ainda existam terras chamadas devolutas, í. é. terras de ninguém, terras da União... Bastava efetuar o seu registro nos cartórios da comarca, pagar pequeno imposto e se tornar proprietário de grandes glebas de terra. Olho nas ONGs e na sanha estrangeira em nossas terras. E ainda se fala no Brasil em MST (Movimento dos Sem Terra). É brincadeira...

Dificil a colocação de cercas nas áreas com tamanha extensão. Os rebanhos, criados em campo abertos, livres e sem limitação de qualquer espécie, tinham ração em abundància, principalmente na época da vazante. Água a vontade e até demais e o sal retirado do próprio solo através do salitre existente. O animal sabia que na terra existia o sal de que necessitava. Lambia o chão.

Assim o gado do Pantanal não era um gado gordo como o criado no sul do país, mas um gado sadio, sem doenças como a aftosa, com pelagem limpa porque não havia bernes ou pragas semelhantes.

A grande preocupação do criador pantaneiro era no período que ia de outubro a março, época da cheia do rio. Ele transbordava e alagava regiões imensas. Terreno baixo e arenoso, as águas do Paraguai cobriam toda a bacia formando alagados gigantescos. De quando em vez um pequeno ou outro monturo. As lagoas e corixos formados e com tal profundidade que até os navios da rota, nas cheias, o aproveitavam como atalhos para encurtar as distàncias. O criador era obrigado a correr para não perder o seu rebanho afogado. E rápido... O rio enchia muito rapidamente. Fazer a recoluta do rebanho espalhado por grandes extensões e tocá-lo a salvo para os monturos, o grande desafio. Comum o socorro dado com a utilização das chatas que transportavam minério de Urucum, região próxima a Corumbá para salvamento dos rebanhos. Morriam anualmente, como ainda penso que morram, milhares de cabeças com a cheia do Pantanal.

FATOS PITORESCOS

Anualmente os criadores em comitiva campeavam para a marcação dos seus bezerros. Como disse, o gado era criado livremente a exceção das fazendas de grande porte. Em princípio difícil e quase impossível à utilização de cercas.

No caso específico do Forte de Coimbra, a aquisição da carne para alimentação da tropa não se fazia por quilos comprados nos açougues ou frigoríficos. A carne era adquirida em gado em pé... Qualquer economia realizada redundava no aumento do rebanho da unidade militar.

Além de outros criadores na região, havia também a Irmandade de N.Sa. do Carmo. Santa Padroeira do Forte. Como se formava o seu rebanho? Através do recebimento das promessas acontecidas. A Irmandade, administradora dos seus bens, além do gado respondia também pela guarda dos demais pertences, como jóias, propriedades e muito mais... Sendo N.Sa. do Carmo muito milagrosa, a administradora deveria contabilizar muitas doações...
 - Como se fazia a ferragem dos bezerros?

Muito facilmente. Em campo aberto, bezerro ao lado de vaca com o meu ferro, bezerro meu. Ele só acompanha a vaca que o pariu... Surpresa era constatar na hora da marcação de um bezerro a existência de um ferro esperto que se antecipou indevidamente... Por engano! No caso específico do gado da Santa era muito comum isto acontecer... A Santa jamais reclamaria por tal erro. Os elementos da Irmandade é que deveriam se preocupar com isto... Mas quem por serviços não remunerados iria propugnar em favor dela? Coitada da Mãezinha...
Na hora de carnear para a comitiva qual a cabeça a ser abatida? - Adivinhe o leitor!

Na castração do touro dois processos presenciei acontecer. O por esmagamento à porrada nos testículos do animal e o por incisão. Ato bárbaro e selvagem principalmente o primeiro. Na incisão, o que era feito dos grãos do coitado? Ainda gosmentos e ensanguentados, com sal iam direto para o braseiro... Manjar dos deuses na bóia dos peões pantaneiros.

A ida ao campo ensejava ver a mãe natureza em ação. Comum nesta época se encontrar jibóias e sucuris totalmente inofensivas, adormecidas no campo com o bucho estufado pela deglutição de um animal...E a Boca de sapo que se achegava à noite para junto da fogueira.

Espetáculo dantesco presenciar a bola-pé de um corixo pelo rebanho... O sacrifício do boi de piranha... Condenado a ser trucidado pelo cardume assassino era desviado para dar passagem a vau do rebanho restante... Em poucos minutos era transformado em puro esqueleto, sem um pingo de carne. Peixe voraz não gostava da correnteza, preferia as águas paradas como aquelas dos corixos e lagoas. Não era peixe grande e seu tamanho não excedia 30 centímetros. Possuía arcada com dentes serrilhados, qual navalha afiada. Atuava em cardumes e seu sabor na frigideira era muito bem apreciado. Há um provérbio cantado na região que adverte: quem comer cabeça de piranha, jamais sairá do Pantanal.

O ataque perseverante da jibóia ao bezerro, conseguia se grudar nas patas do animal e pacientemente o submetia ao esgotamento. Cansado caía, era enroscada pela cobra gigante, quebrado a sua ossada e engolido lentamente.

Nas barrancas do Rio Paraguai o famoso jacaré já perseguido e caçado de então, hoje já quase totalmente dizimado pelo aproveitamento da sua pele. A curtição dela na área se dava de forma artesanal sendo realizada com a aplicação da casca do angico, árvore da flora pantaneira. Matar um jacaré a tiro requeria boa pontaria. Se a bala atingisse o seu corpo, nada acontecia. Não dava nem pelota. Na caçada noturna era dirigir o foco de uma lanterna para cima dele. Ofuscado, seus olhos brilhavam como duas bolas vermelhas. Atirar entre elas era o procedimento para abatê-lo. O salto e o estardalhaço na água dava a certeza de um tiro certeiro. Havia quem apreciasse a sua carne, principalmente o rabo de espécie nova. Filhotes embalsamados tinham enorme procura nas feiras de artesanato.

Fatos surpreendentes para nós, mas tão comuns para o pantaneiro... É o Pantanal na efervescência e na explosão da sua natureza.

Prosseguiremos com este trabalho narrando Fatos do Cotidiano nesta região tão exuberantemente bela.


VOCABULÁRIO PANTANEIRO
Bóia - Comida
Boca de sapo - Cobra venenosa comum na região. Jararaca.
Bola-pé - Travessia do animal na água numa profundidade 
que por pouco não o obrigava a nadar.
Bugre - índio
Carnear - Cortar a carne do boi. Fazer churrasco
Comitiva - Transporte de gado através da região a cavalo, 
por terra e água.
Corixo - Braço de rio que muda conforme a cheia 
                           ou a seca.
Monturo - Amontoado de terra, elevação.
Peão - O pantaneiro que trabalha na fazenda no serviço
do gado.
Recoluta - Ação de recolher o gado no campo.


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