Usina de Letras
Usina de Letras
152 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62266 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22539)

Discursos (3239)

Ensaios - (10379)

Erótico (13571)

Frases (50655)

Humor (20039)

Infantil (5450)

Infanto Juvenil (4776)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140816)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6203)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->com todas as cores do meu desespero -- 09/10/2007 - 07:55 (julio saraiva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Foi então que conheci Lena no Largo do Arouche, às 16:32 de uma garoenta quinta-feira de agosto.Se ainda fosse uma sexta faria mais sentido, porque uma sexta-feira de agosto é sempre uma sexta-feira de agosto, embora eu não seja supersticioso, mas fica sempre aquela dúvida, aquela dúvida interessante no ar - uma sexta-feira de agosto, mês aziago, dado os inúmeros fatos trágicos que a história registrou, merece respeito.
Pois bem, mas eu estava dizendo que a quinta-feira era garoenta e triste quando conheci Lena,perto da Academia Paulista de Letras, embora Lena nada tivesse a ver com a Academia Paulista de Letras, pelo contrário, conforme mais tarde me confessou nunca cultivou o hábito da leitura. Sua paixão mesmo sempre foi a astrologia, tanto é verdade que quando nos sentamos numa mesa do Pifão para tomar chope e comer uma porção de batatas refritadas, a primeira coisa que ela me perguntou, com a voz anasalada, foi o meu signo. Ao lhe responder Peixes, ela soltou uma gargalhada escandalosa, mas logo levou a mão direita à boca, desculpando-se. Eu quis saber o motivo da gargalhada; ela esquivou-se com um deixa-pra-lá anasalado.E começou a discorrer sobre coisas da minha vida, coisas que só eu sabia, e eu, então, comecei a ficar com medo de Lena, embora, como já disse, nunca nos meus 32 anos de vida, bem e mal vividos ao mesmo tempo,fui supersticioso, e acho mesmo que nem em Deus cheguei a acreditar. Estranhamente, no entanto, naquela quinta-feira, eu comecei a acreditar em Lena.
Sim, trago vivinha na memória a garoenta quinta-feira de agosto. E o detalhe da hora é importantíssimo, porque Lena se aproximou e perguntou-me as horas. Quando eu disse 16:32, ela levou a mão à testa, sorriu um sorriso de alívio e disse, Que bom, não dá mais tempo. Discreto que sou, não lhe perguntei do que não dava mais tempo, o que sei é que minutos depois estávamos numa mesa do Pifão diante de duas tulipas com chope e um prato de batatas fritas, digo, repetindo, refritadas.
E Lena continuou a contar coisas da minha vida,desde que cheguei de Vila Velha e fui morar num quarto de pensão na Manuel Dutra. Tudo era detalhado, e eu ia lembrando desses acontecimentos todos, como num filme antigo, como se desse corda no tempo e o fizesse retroceder. De repente, flagrei-me idiota a boiar na piscina azul dos olhos de Lena. Se ela não os desviasse de mim, percebendo a minha fraqueza, é certo que eu teria me afogado de vez. E foi então que algumas coisas estranhas começaram a se suceder, uma após outra. Primeiro, uma vertigem seguida de fortes engulhos, achei que fosse vomitar ali mesmo; depois, tive vontade de me atirar nos braços de Lena, beijar-lhe os lábios carnudos como se fossem feitos de goiabada, jogar-me a seus pés e dizer, Moça, não sei quem você é, de onde saiu, como entrou na minha minha vida não importa, Moça, foda-se a minha vergonha, foda-se o meu pudor porque nenhum pudor faz sentido, Moça amo-te com todas as cores do meu desespero. No entanto, nada disso aconteceu. Contive-me pedindo outro chope. Convém ressaltar que nunca apreciei bebidas alcoólicas.
23 anos. Quatro irmãos. Ela, a única mulher. Uma infância feliz feita de bonecas da Estrela e contos de fadas. Fez curso de Belas Artes, ficou um ano na França como bolsista. Um filho, fruto do relacionamento com um oficial da Marinha que um dia sumiu no fundo de um mar qualquer. Disse preferir, talvez na esperança de encontrar o marinheiro numa noite enluarada, praia ao campo, Detesto o cheiro de bosta de vaca, disse, sorrindo. Embora, como já disse, não fosse dada ao hábito da leitura, chegou, a trancos e barrancos, a ler um volume do horroroso Operação Cavalo de Tróia. Não tem partido político. Não reza antes de dormir.
Assobiou A Marselhesa. Acariciou discretamente
o meu rosto. Quando me aproximei para beijá-la,
esquivou-se, sorriu e começou a cantar baixinho
Ne me quitte pas.
Pedi outro chope. A tarde começava a girar diante de mim. Lena não parava de falar e eu só queria ouvir, ouvir, ouvir. Eu precisava ouvir. E a tarde girava dentro de mim. Dado instante pedi para ir ao banheiro. Claro que todos já sabem o final. Fica mais fácil matar a história, dizendo que ao retornar do banheiro, Lena havia sumido.Sumiu, sim. Como já estava previsto.O que não estava previsto e me atormenta até hoje é a dúvida se de fato Lena realmente existiu ou se tudo não passou de invenção da minha loucura. Tenho tentado refletir sobre esse episódio todo e chegar a uma conclusão. Acontece que com esses remédios todos que me dão nesta clínica de repouso onde me encontro, as coisas tornam-se mais confusas ainda.Já contei esta história ao médico umas cinqüenta vezes nesses três últimos meses. Até agora não chegamos, meu médico e eu, a conclusão nenhuma. E acho que nem vamos chegar.





Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui