Quando eu chegar lá, você estará sentado naquela mesma mesa.
Vestindo um terno azul. A gravata, também azul. Com o azul, você procura proteger-se de qualquer influência que não seja de paz.
Na sua frente, um litro de whisky, um balde de gelo, o celular à esquerda. No chão à esquerda ou na cadeira à direita, sua pasta de trabalho. Cheia de remédios. Você jamais se esquece da aspirina, mas faz confusão com todos os outros.
Eu me sentarei à sua frente.
Você vai sorrir, eu sorrirei. E nos olharemos bem no fundo dos olhos.
Nesse momento, na distância que há entre o seu olhar e o meu, enxergarei um tremor, como se o ar fosse visível.
Jamais saberei se o tremor foi criado pela força dos nossos olhares, ou se fugiu de dentro de mim.
Atordoada, a partir daí verei apenas o tremor e não seus olhos.
As imagens, cheiros e sons que preenchem o espaço entre os dois olhares, ficarão mais nítidos à medida em que me integro neles.
Formas e acontecimentos passam como um filme no espaço entre nossos olhares. Ali verei você me sorrindo no primeiro dia em que nos encontramos. Verei sua mão segurando meu rosto. Nesse espaço escutarei sua voz, meu riso e minhas palavras. Nossas bocas falando baixinho, cada vez mais perto. Você sussurando – você, que não sussurrava.
Nesse espaço surgirão também todas as impossibilidades que assinalam a necessidade de nos mantermos afastados.
Então, o atordoamento se vai. O ar não faz mais formas e expõe seus olhos que, fixos em mim, não entendem o que se passa.
Não entenderão.
Seus olhos não viram o tremor que preenche o espaço entre nossos olhares.
E não sabem que espaços de ar podem abrigar momentos e revelar verdades.
Tita Ancona Lopez
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