O apartamento tinha uma janela enorme. Dessas que ocupam quase toda a parede.
Janela quadrada, na altura do chão.
Do lado de fora muitas plantas e logo perto, uma parede.
A cama embaixo da janela.
Ali ele passava muitos de seus dias, em mudo desespero. Escrevendo, rabiscando e desenhando cenas que lhe passavam pela cabeça.
Sem nexo, na maioria das vezes.
Naquela época sofrimento fazia parte da personalidade dos cultos, dos notívagos e dos poetas.
E ele sofria, apesar de ter todas as facilidades financeiras e emocionais.
Talvez por isso sofresse.
Facilidades demais.
Lembro-me de sua figura esguia, o sobretudo azul marinho que lhe cobria todo o corpo deixando de fora somente a barba, os cabelos e os inesquecíveis olhos azuis, que me encantavam.
Não sei a partir de que momento passei a acreditar que o que me faria mais feliz do que jamais havia sido, seria sofrer junto com ele.
Dali em diante passei muitos dias no apartamento da janela grande, aprendendo a sofrer e a amar com desespero, arte em que me especializei durante anos a fio.
Esmiucei cada sentimento nefasto.
Ajudada por ele, passei anos sem desenvolver o que havia de melhor em mim.
Hoje mentalmente revejo as cenas daquela época, encobertas por uma névoa profunda. Entre as imagens, nós dois juntos procurando com afinco e dedicação sufocar qualquer sentimento alegre que teimasse em aflorar dentro de nós.
Impedindo o desabrochar da alegria, que hoje é meu bem maior e mais profundo.
Tita
São Paulo, 12 de novembro de 2004.
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