No último inverno tinha passado todo o tempo olhando o fogo da lareira e imaginando cenas, criando um mundo mental.
Passara o inverno vivendo de ações não vividas, universo inverso.
No verão queria fazer diferente. Queria viver cada coisa que imaginasse, antes mesmo que a imaginação tomasse conta. Faria coisas sem pensar, tomaria atitudes sem avaliar, aceitaria sem perguntar.
Queria uma vida de ação, sem nexo, bizarra, disparatada.
Ao atravessar a rua, decidiu imitar os gestos da pessoa à sua frente e o seguiu por quilômetros, sem saber para onde ia; entrou em uma doceria e comeu o que há tempo não comia; subiu em um ônibus sem saber o destino; não voltou para casa e não avisou; sorriu para o desconhecido, beijou a nuca do homem na fila.
Queria ser incoerente, excêntrico; dobrou apenas uma perna da calça, penteou o cabelo ao contrário; roubou uma maçã; subiu ao palco no meio da praça, declamou e cantou.
Como um doidivanas, falou aos berros o que pensava e o que nunca havia pensado; não cumprimentou a quem conhecia e passou a cumprimentar a quem nunca tinha visto.
Amanheceu em cama desconhecida e saiu sem se despedir. Tomou um copo de vinho no café da manhã, brindando sua singularidade. Riu, zombando de si mesmo e da vida regrada que tivera antes. Gargalhou, o corpo tremendo, lágrimas escorrendo de tanto rir.
Então sentou-se e pensou em tudo o que já havia vivido.
Não haveria bis. Não havia momento algum para o qual quisesse retornar.
E ali permaneceu. Aguardando o desenrolar do que viria pela frente.
Tita
11/07/07
|