Na volta, encontrei cacos de vidro espalhados pelo chão. Não sei o que poderia ter ocorrido. Quando eu saíra, a casa estava vazia, janelas fechadas, portas trancadas.
A única pessoa que tinha a chave era ela. Teria voltado?
Chamei. Não houve resposta. Talvez o gato...
Decidi juntar os cacos, com cuidado para não cortar as mãos.
Há tempos não a via. Talvez até já tivesse se esquecido de todos os momentos pelos quais havíamos passado.
Os pensamentos me trouxeram lembranças e cheguei a sorrir enquanto limpava o chão. Será que ela havia estado ali?
Talvez seu cabelo tivesse crescido. Estaria ainda tão magra?
Lembro-me dela sentada na cadeira, bem ali ao lado. Gostava de contar tudo o que lhe acontecera durante o dia e ria, sempre alegre, procurando ver o lado bom das coisas. Desde que se fora a casa nunca mais estivera cheia de sol.
Lembro-me de como me olhava, enxergando meu íntimo, meus pensamentos ocultos, minha vida interior. Via tudo e dela nada podia ser escondido.
O que descobriria se me visse catando os cacos?
Fiquei feliz pelo fato de não estar ali. Não queria que soubesse o que sua lembrança causava em mim.
Um tremor me percorria. Um calor tomava conta e meu corpo criava asas. Que ansiedade ao pensá-la, que sofrimento ao lembrá-la e querê-la tanto. Melhor que não me visse tão triste, tão entregue.
Chão limpo. Sentei-me na cadeira, segurando os cacos de vidro. Lágrimas escorrendo. Foi quando levantei os olhos e me deparei com aquele olhar, fixo em mim.
Apertei com força os cacos de vidro na palma da mão.