O calor forte, a falta do que fazer e o desespero por sentir-se inútil, fazia com que tomasse vários banhos por dia.
Servia também como uma desculpa: o cobrador chegando, o pedido de dinheiro para o supermercado... Estando no chuveiro, ficava inatingível.
Era ali que vivia seus melhores momentos. A água quente caindo no corpo, a sensação de frescor, os pensamentos sempre colocados nos bons tempos que outrora vivera.
Então cantava.
Cada lembrança vinha acompanhada de uma música e ele sabia cantar cada uma delas.
Cantando alto, não escutava as batidas na porta. Não prestava atenção ao momento em que estava vivendo.
Enquanto o mundo acontecia, ele tomava banho e queria que o esquecessem ali.
Com o tempo as batidas na porta ficaram mais escassas.
Quando saia para uma voltinha rápida, já ninguém o incomodava. O que teria sido feito dos cobradores, da falta de dinheiro, do caos que o acompanhava?
Não se importava.
Percebeu que podia circular livremente, pelo tempo que quisesse.
Um dia entrou na sala aonde a família estava reunida e sentou-se no sofá.
A filha perguntou: “O papai está no banho?” ele pensou que era brincadeira e riu. Mas ninguém o viu ou escutou. A mãe respondeu: “Como sempre”. E continuaram conversando, rindo e contando casos.
Ninguém escutou quando ele gritou “Estou aqui”. Ninguém o via ou escutava. De nada adiantavam suas palavras, seu movimento.
Nervoso, perguntou-se se estaria ali ou se apenas imaginava estar.
Olhou-se no espelho da sala e nada viu.
Apavorado, correu em busca de si mesmo.
Encontrou-se novamente a tomar banho, no chuveiro.
Finalmente voltava ao seu conforto mas percebeu que alguma coisa havia mudado.
Saísse do chuveiro, ninguém o veria e estar ali já não era tão agradável.
A água começava a incomodar e não tinha vontade de cantar.
Sentiu saudade dos dias em que participava da família reunida alegremente na sala. Sentiu falta do abraço da filha e de quando a cobria nas noites de frio.
Sentiu-se só.
Desligou o chuveiro e, sem saber que atitude tomar, sentou-se no chão e chorou.