Jogou os sapatos sobre a mesa e sentou-se no chão. Comentou que estava com fome e ligou a televisão. Deitou-se no tapete.
Achei estranho. Ele sempre detestara televisão e costumava sentar-se todas as noites na mesma poltrona.
Em seguida veio o inusitado: começou a cantar. Eu nem mesmo sabia que cantava. E não é que cantava bem? Deitado no chão, olhos fixos na tela, ele cantava!
Fiquei quieta, com medo de que algum comentário o fizesse calar.
Foi então que percebi como estava diferente. A boca, quando se abria, formava uma curva, como um sorriso e os olhos pareciam cheios de luz.
As pernas, (não estavam mais longas?) pareciam mais grossas e a pele nunca estivera tão lisa.
Além disso, parecia alheio a tudo que o cercava.
Em seguida começou a contar de sua vida. Coisas que nunca havia dito, palavras que nunca havia pronunciado.
Comecei a duvidar do que via e ouvia: seria mesmo ele? O mesmo que saíra pela manhã usando um terno escuro?
Estática, escutei. Achei que falava para si mesmo e nem mesmo se lembrava da minha presença.
Foi quando me fitou e, com os olhos cheios de amor, chamou-me para deitar ao seu lado e cantar com ele.
Eu me aninhei no abraço e soltei a voz.
Afinal, dali em diante, estava pronta para encarar toda e qualquer coisa inesperada como sendo perfeitamente natural.