Olhou para a figura imóvel do cão.
Há quanto tempo estaria ali, de costas para o mundo, olhando fixamente a parede à sua frente?
Não se lembrava da primeira vez em que o vira desta maneira. Há muito gostaria de descobrir o porque daquela atitude.
A postura do cão, imóvel a olhar para a parede branca, a afligia sobremaneira.
Chamava-o mas era como se não escutasse. Há dias movia-se apenas para fazer suas necessidades, comer e beber.
O restante do tempo era passado ali, imóvel e sem emissão de som.
Estranho aquele cão.
Com o tempo, o vulto estático passou a afligi-la e, como não conseguisse movê-lo de sua determinação, decidiu sentar-se em outro local.
Porém, não o esquecia. A cada minuto ficava curiosa: estaria ainda imóvel a fixar a parede?
Durante a noite saia do quarto pé ante pé: quem sabe enquanto pensava que ela dormia, agiria como um cão normal? Não. Lá estava ele, imóvel, com o olhar fixo.
Pobre cão, sozinho a fitar a parede.
Talvez ela estivesse sendo insensível.
Quem sabe deveria sentar-se pacientemente junto a ele e, ao agir como ele, descobriria o porque?
Sentada em uma cadeira lado a lado passou, ela também, a fitar a parede.
Não era de todo mal. Poderia aos poucos, naquela posição, desligar-se de tudo que a cercava.
Teve fome mas não queria mover-se e então, teve a idéia de arrancar alguns fios de cabelo e morde-los para enganar o estomago.
Desligou-se de tudo. Dia após dia, fitava a parede ao lado de seu cão. Os cabelos, arrancados uma um, não deixavam de alimentar seu corpo.
Entendia agora que a atitude poderia trazer uma paz inigualável.
Sim, aquele era um cão especial, pois era através dele que ela, aos poucos, aprendia a alcançar a tão desejada plenitude.
Em determinado momento, deu-se conta de que com o passar do tempo, não lhe restaria nem um fio de cabelo.
E então pensou: não faz mal.
Quando sair daqui, eu compro uma peruca.
Tita
8/10/07
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