A cabeça estava em desalinho.
Não um desalinho comum.
Estava em desalinho com a vida, com os pensamentos reinantes no inconsciente coletivo, com as decisões tomadas pela maioria.
Uma cabeça desalinhada não era bem vista naquela comunidade.
Percebeu que o olhavam de modo estranho.
Havia reuniões a portas fechadas, conversas em voz baixa.
Sabia que o assunto era ele e o motivo, a cabeça desalinhada.
Uma vez, há muito tempo, acontecera o mesmo com outra pessoa. Ele se lembrava. E lembrava-se também que naquela ocasião ele era um dos que se sentia desconfortável na companhia do outro.
O sujeito ficara cada vez mais só. As pessoas se afastavam, reuniões intermináveis decidiam o que fazer. Lembrou-se da decisão do conselho: era preciso que o desalinhado tomasse a pílula – remédio sem nome.
E assim fora feito. Lembrava-se dos gritos do homem que não queria tomá-la, mas fora obrigado.
E lembrava-se de que, no dia seguinte, o homem era outro: cordato, vestindo-se como a maioria, acreditando no comum, empenhando-se nos trabalhos coletivos, repetitivos, sem propósito e sem nexo.
Sentado no murinho da praça percebeu que se aproximavam.
Não, ele não tomaria a pílula. Não aquela que faria dele mais um corpo sem mente.
Desalinhado estava e desalinhado ficaria. Correu. Correram atrás. Correu mais, até que chegou ao penhasco. Olhou para os que o perseguiam e aproximavam-se aos poucos.
Apenas uma pílula, falaram: apenas uma e nada mais.
Deu um passo. Enquanto seu corpo caia em direção ao nada pensou, tranqüilo e feliz com a decisão tomada: a pílula eu não tomo.
30/03/2007
Tita Ancona Lopez
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