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Contos-->Quem cuidará de mim... -- 29/08/2007 - 21:02 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quem cuidará de mim...




De longe avistei o mimoso bangalô de Janine.Quando à porta, veio atender-me sorridente e solícita. Apanhou minha mala e fez-me entrar. Acho que o terracinho da frente não possuía mais do que quatro metros quadrados. Espremi-me na metade aberta da folha da porta e me senti em casa. Cansada, suada, só pensava em tomar um bom banho frio. Recife estava um forno. Eu havia andado quase dois quilômetros a pé, arrastando a mala.
Havia alguém ao piano. Uma canção triste chegou até meus ouvidos. Quando me aproximei da sala de jantar, vi que quem tocava estava cabisbaixa, sem olhar para o teclado mas para o chão onde uma linda siamesa, de pernas abertas, acomodava um só gatinho a sugar-lhe as tetas. Quando me aproximei dela ouvi:
_Já fui interna na tamarineira quatro vezes!
E a linda moça voltou a tocar, cabisbaixa e a olhar a linda gata marrom e de olhos cinzas como a água do mar à frente da casa. Percebi que a jovem não era como as outras.Olhou-me por sobre o ombro e quando foi falar comigo novamente foi advertida pela dona da pensão.
_Se começar a falar suas besteiras, interno-a novamente.
_Não..., não, linda amiga...,não. Vou tocar sua música, está bem?
Posicionou-se melhor no banco,esqueceu a siamesa parida e esmerou-se ao tocar uma linda valsa vienense para Janine. Os olhos desta brilharam de alegria, como se escutasse uma lembrança viva de algo que lhe havia sido roubado pelo tempo.
Todos os dias lá ia eu fazer meu tratamento. À noite, após o jantar, é que dava valor e atenção aos diálogos de Carolina. Sua fala mansa, seus gestos fidalgos, tudo me levava a alimentar sua conversa até tarde da noite. Eu apreciava ouvi-la.
_Eu sou filha única, Leila. Papai morreu eu era ainda meninota, talvez tivesse uns seis anos. Minha mãe morreu faz uns doze anos. Como não tinha um parente e dona Janine era sua melhor amiga, pediu-lhe que tomasse conta de mim. Mas Leila, ela gostou. Mamãe deixou para ela duas aposentadorias e esse bangalô. Não foi bom?
_Foi, Caroline. E você gosta dela?
_Adoro. Só fico com raiva quando ela me interna na Tamarineira e se esquece de mim. Eu não gosto de sair daqui. Meu bangalô é minha vida e meu piano, meu amor. Às vezes fico internada por meses.
Carol, como passei a chamá-la, era um doce de pessoa. Passava as horas sentada a ouvir a voz do horizonte. Quando chegava alguém para se hospedar, era-lhe sua única chance de trocar algumas palavras. Sentia-se viva e, talvez, suas internações fossem o motivo mais forte que lhe chegasse à tona, da memória.
Janine recebera uma tarefa dífícil.Era a curadora da moça. Tinha que suportar o alarido dos gestos precipitados dela. Coroline era vítima de uma intransponível solidão, fruto acre de uma esquizofrenia que lhe destruiu o convívio social logo aos doze anos de idade, quando apenas era apresentada à vida.
Certo dia encontrei Janine chorando quando retornei do hospital. Indaguei-lhe sobre o porquê de estar assim. Ouvi-a sem me fazer compreender, mas, meio a tão fortes soluços, conseguiu dizer-me:
_Leila, a Carol está ficando muito pesada para mim. Uma cruz muito forte. Não tenho para quem deixá-la. Estou fraca, doente, com um coração que resiste funcionando pelo atrevimento da caridade a que me propus fazer a Olga, mãe de Carolina. O que faço, amiga..., por que eu? Tantas outras pessoas poderiam estar no meu lugar.
Eu pus sua cabeça no meu colo, olhei para o alto para sustentar os pingos de minhas lágrimas e tentei acalmá-la. Foi em vão. Chorou bastante adormecendo em seguida. Sincronicamente ao peso do seu sono, ouvi a valsa vienense sendo tocada pela jovem, enquanto Janine dormia.
Ela escutou toda a nossa conversa. No dia seguinte, quando eu tomava o desjejum, ouvi dela, na pressa de ser por mim compreendida:
_Ela não me quer mais, Leila?
_Quer sim! Como ela está velha, é natural que se preocupe com você. É sua única amiga. Quem cuidará de você após sua morte?
_Quando ela morrer, Leila, não me leve para a Tamarineira. Por favor. Você promete?
Tive que prometer. Ali passaria apenas quarenta e cinco dias, ia fazer o quê? Carol necessitava dessa resposta e assim o fiz.
Em setembro de 1975 a velha faleceu. Como estava a par de tudo, viajei do interior e fui buscar Carol. No mesmo dia do funeral a retirei do bangalô ela sorria de felicidade, dava pulos de alegria e eu lhe indaguei acerca do seu estado de espírito:
_Carol, você está tão feliz..., por quê?Quem cuidará de mim?
De longe avistei o mimoso bangalô de Janine.Quando à porta, veio atender-me sorridente e solícita. Apanhou minha mala e fez-me entrar. Acho que o terracinho da frente não possuía mais do que quatro metros quadrados. Espremi-me na metade aberta da folha da porta e me senti em casa. Cansada, suada, só pensava em tomar um bom banho frio. Recife estava um forno. Eu havia andado quase dois quilômetros a pé, arrastando a mala.
Havia alguém ao piano. Uma canção triste chegou até meus ouvidos. Quando me aproximei da sala de jantar, vi que quem tocava estava cabisbaixa, sem olhar para o teclado mas para o chão onde uma linda siamesa, de pernas abertas, acomodava um só gatinho a sugar-lhe as tetas. Quando me aproximei dela ouvi:
_Já fui interna na tamarineira quatro vezes!
E a linda moça voltou a tocar, cabisbaixa e a olhar a linda gata marrom e de olhos cinzas como a água do mar à frente da casa. Percebi que a jovem não era como as outras.Olhou-me por sobre o ombro e quando foi falar comigo novamente foi advertida pela dona da pensão.
_Se começar a falar suas besteiras, interno-a novamente.
_Não..., não, linda amiga...,não. Vou tocar sua música, está bem?
Posicionou-se melhor no banco,esqueceu a siamesa parida e esmerou-se ao tocar uma linda valsa vienense para Janine. Os olhos desta brilharam de alegria, como se escutasse uma lembrança viva de algo que lhe havia sido roubado pelo tempo.
Todos os dias lá ia eu fazer meu tratamento. À noite, após o jantar, é que dava valor e atenção aos diálogos de Carolina. Sua fala mansa, seus gestos fidalgos, tudo me levava a alimentar sua conversa até tarde da noite. Eu apreciava ouvi-la.
_Eu sou filha única, Leila. Papai morreu eu era ainda meninota, talvez tivesse uns seis anos. Minha mãe morreu faz uns doze anos. Como não tinha um parente e dona Janine era sua melhor amiga, pediu-lhe que tomasse conta de mim. Mas Leila, ela gostou. Mamãe deixou para ela duas aposentadorias e esse bangalô. Não foi bom?
_Foi, Caroline. E você gosta dela?
_Adoro. Só fico com raiva quando ela me interna na Tamarineira e se esquece de mim. Eu não gosto de sair daqui. Meu bangalô é minha vida e meu piano, meu amor. Às vezes fico internada por meses.
Carol, como passei a chamá-la, era um doce de pessoa. Passava as horas sentada a ouvir a voz do horizonte. Quando chegava alguém para se hospedar, era-lhe sua única chance de trocar algumas palavras. Sentia-se viva e, talvez, suas internações fossem o motivo mais forte que lhe chegasse à tona, da memória.
Janine recebera uma tarefa dífícil.Era a curadora da moça. Tinha que suportar o alarido dos gestos precipitados dela. Coroline era vítima de uma intransponível solidão, fruto acre de uma esquizofrenia que lhe destruiu o convívio social logo aos doze anos de idade, quando apenas era apresentada à vida.
Certo dia encontrei Janine chorando quando retornei do hospital. Indaguei-lhe sobre o porquê de estar assim. Ouvi-a sem me fazer compreender, mas, meio a tão fortes soluços, conseguiu dizer-me:
_Leila, a Carol está ficando muito pesada para mim. Uma cruz muito forte. Não tenho para quem deixá-la. Estou fraca, doente, com um coração que resiste funcionando pelo atrevimento da caridade a que me propus fazer a Olga, mãe de Carolina. O que faço, amiga..., por que eu? Tantas outras pessoas poderiam estar no meu lugar.
Eu pus sua cabeça no meu colo, olhei para o alto para sustentar os pingos de minhas lágrimas e tentei acalmá-la. Foi em vão. Chorou bastante adormecendo em seguida. Sincronicamente ao peso do seu sono, ouvi a valsa vienense sendo tocada pela jovem, enquanto Janine dormia.
Ela escutou toda a nossa conversa. No dia seguinte, quando eu tomava o desjejum, ouvi dela, na pressa de ser por mim compreendida:
_Ela não me quer mais, Leila?
_Quer sim! Como ela está velha, é natural que se preocupe com você. É sua única amiga. Quem cuidará de você após sua morte?
_Quando ela morrer, Leila, não me leve para a Tamarineira. Por favor. Você promete?
Tive que prometer. Ali passaria apenas quarenta e cinco dias, ia fazer o quê? Carol necessitava dessa resposta e assim o fiz.
Em setembro de 1975 a velha faleceu. Como estava a par de tudo, viajei do interior e fui buscar Carol. No mesmo dia do funeral a retirei do bangalô ela sorria de felicidade, dava pulos de alegria e eu lhe indaguei acerca do seu estado de espírito:
_Carol, você está tão feliz..., por quê?
_Porque você é nova e não vai morrer primeiro do que eu e vou morar bem longe da Tamarineira. E a alma de Janine será que vem me buscar? Não deixe não...
_Não. Vamos entrar no ônibus. Cuidado com sua perna. Suba!
Cuidei dela por oito anos. Morreu como um passarinho com a cabeça sobre o piano, enquanto tocava a valsa vienense para mim. Eu fazia crochê quando ouvi o baque da sua cabeça no teclado. Morreu após tocar a última nota da valsa. Ainda hoje me lembro de Carol, quando pareço estar a enxergar o mesmo horizonte vazio que ela tão facilmente achava. Não parei para pensar ainda: quando eu não puder mais,quem cuidará de mim?
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