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Contos-->O poeta e o assalto -- 29/08/2007 - 20:59 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Poeta e o Assalto



Lembro-me do ambiente no ônibus onde estava, sim, até o desmaio. O que escrevo agora foi contado por Laura, fiel companheira de viagens de trabalho.
Naquele dia não fiz a costumeira homenagem ao crepúsculo. Acordei-me no quarto do hospital. Havia luzes estranhas sobre minha cabeça. Pensei houvesse morrido. Quando abri os olhos, lembro-me de que o que primeiro fiz foi bocejar. As mãos estavam amarradas a faixas de gaze. Tive vontade de abrir os braços mas não o fiz. Doeram-me as costelas e ouvi uma voz que dizia:
Quieto..., psiu..., quieto.
Não sei quem o era, mas lhe obedeci. Ainda sentia muito sono e preferi ceder e sonhei até a madrugada quando resolvi tentar lembrar o porquê de estar ali. É que havia despertado pela segunda vez.
Disseram-me que, ao principiar o assalto, o ônibus parou. Eu levantei-me compulsivamente. Ali era a última parada. Laura estava na cadeira de trás e, apontado sobre sua cabeça, o revolver do bandido. Eu avancei sobre ele e consegui arrancar-lhe a arma, imobilizá-lo e, com Laura, descer no ponto de ônibus. Pensei que houvéssemos escapado de tudo.
A estação rodoviária estava repleta de gente. Apanhei a mão dela e no limite do andar apressado, quase correndo, adentrei a multidão para ficar bem longe do perigo em que acabava de envolver-me. Ainda podia ouvir entre algumas pessoas comentários sobre o assalto. Uma senhora de meia idade chorava pela morte de uma sobrinha. Era consolada por uma filha, também emocionada. Ambas estavam no mesmo ônibus que nós.
Quando eu já saía da estação rodoviária central, a fim de alcançar a estação do metrô, ouvi alguém gritar meu nome.
_Manoel, está tudo bem contigo?
Olhei ao meu redor e não reconheci quem gritava. A voz repetiu meu nome várias vezes até que, já bem perto de mim, vi quem o era. Abracei-o fortemente e, quando fui informá-lo de tudo, eis que ouvi o que um pai jamais desejaria ouvir algum dia:
_Pai, gostou da minha performance no ônibus?
_Que ônibus, filho?
_O último onde nós estávamos.
_E você por acaso estava nele?
_Eu era o encapuzado.
_O assaltante?
_Sim.
Até este momento eu me lembro de tudo o que ouvi e falei. A partir dali, escureceu-me a vista, no peito algo me apertou e só sei que tudo acabou na cama do hospital. Manoel nem pôde me socorrer. A polícia vinha ao seu encalce e o aprisionou. Algemado, foi conduzido para interrogatório. Faz dois anos que o procuro vivo. Não sei o que fizeram com ele. Se algum dia eu o encontrar com vida, vou apenas perguntar-lhe onde ele pôs os poemas que tanto declamei para ele, as bonitas lições de vida que lhe dei. Manuel não necessitava de nada. Era um jovem aparentemente feliz. Outras horas eu fico pensando se eu declamava bem os poemas. Eu exigia que me ouvisse declamá-los. Frente a frente, nas espreguiçadeiras do terraço vi-o sonolento. Eu insistia. Ele findava por dormir. Não me mostrava interesse em ouvi-los.
Ninguém zela pelo que não gosta. Meu filho desejava sentir outras emoções diferentes. Pôs o revólver em minha colega de trabalho e não a feriu. Talvez, quem sabe, ao menos o excesso de maldade, meus poemas afastaram dele. Poderia tê-la matado. Não o fez. Por isso, continuarei a declamar para outros Manoéis, nas ruas, nos asilos, nos presídios, porque em cada um estará um pedaço dos poemas que escolher para ofertá-los. Quem sabe algum dia não serão todos poetas?
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