*A Mão Que Abençoava*
Homem rigoroso na sua fé, temente a Deus. Dentre a plêiade de santos que a igreja apresentava escolheu como seus protetores: São Francisco de Assis, homem corajoso, dizia, desprovido dos gozos da matéria para dedicar-se ao espiritual, é por esta renúncia despojada das tentações da carne que a igreja os denomina de “santos”. E Nossa Senhora da Conceição, a mãe de Jesus, como não ter completo crédito diante do filho!
- São Francisco quem curou minha perna, comentava. Teve aquela dor ciática no osso do fêmur, o paciente grita até o osso quebrar. Era assim no sertão sem médico. Só um farmacêutico para atender vários povoados. Curou-se completamente.
Era hábito adquirido dos pais, exigirem dos filhos a bênção pela manhã logo que despertavam, após as refeições, ao deitar à noitinha e todas as vezes que regressava de uma viagem.
Viajem de uma a duas semanas, negociante de gado para o abate. Ouvia o urro da reis ao cair no chão, no cercado da casa. A imaginação frívola e poética da criança já pintava a sena.
- “Matou meu “boinho” tão bonitinho pai, gostava tanto dele!” Que angústia sentia... Pagava-me no colo cheio de carinho.
- Não tema, filha, está na Bíblia, os animais escolhidos para alimentar a população.
Certa vez no leito de morte, momento da confissão com Deus, sem saber qual rumo seria a dos mistérios Divinos, comentou:
- Filha o gado que eu matava era para alimentar minha família. Aí veio a resposta do aprendizado.
- Não tema pai, está na Bíblia, os animais escolhidos para alimentar a população.
No momento das refeições, ao degustar alimento “in natura” e tão saboroso, a mente infantil saudável já esquecera o episódio da manhã.
Homem decidido, meu herói, inspirava segurança, autoridade, amor, coragem... Precisou viajar para o Amazonas, fugindo de uma grande enchente que destruiu toda a plantação. A água hospedou-se na entrada do povoado, uma festa aos olhos da criançada por tamanho feito da Natureza.
No Amazonas era a garimpagem do ouro, região perigosa, cada qual por si. Matavam-se para roubar covardemente sem aviso prévio.
-Filhos, fiquem aí. Com a bênção de Deus vou à procura daquele safado enganou-me. Era um homem de recursos e grande negócio que pediu ao meu pai certa quantia para completar um bom negócio e devolveria numa semana com juros e sumiu.
-Não aconselho ir, “Barro Dado” (apelidaram ao meu pai porque fisicamente se parecia com o tal negociante), o homem é perigoso, alertou um amigo.
- Não se engana um homem justo. Pegou uma mala sem fechadura, amarrou com uma corda e viajou para uma região fronteiriça Brasil com Uruguai.
Quando a carta chegou comunicando, o terço em família foi rezado e a lágrima caía pedindo aos seus protetores que o guiassem. Recuperou a quantia, chegou sã e salvo o meu herói. Nunca faltou mesmo na distância dos cinco anos, com o sustento da família, e no final da carta “Deus os abençoe”. E a bênção era envida na imaginação todas as noites. Sua bênção, meu pai.
E aos 74 anos, já bem debilitado, estava eu na primeira faculdade o coração apertou, a palavra faltou.
– Professou não consigo apresentar minha aula meu pai está mal. Vou para casa.
Depois de algumas horas a vida excluía-se. Peguei na sua mão, sentei-me para na cair e fiquei de costas a fim de não presenciar a face pálida substituída pelo rosado da pele. Quando a mão que tanto abençôo perdeu a força soltando a minha, o mundo perdeu o colorido... Era tanta dor...Tanta...
-Quanta saudade, meu pai... Quanta saudade meu herói...
Do livro: Eu Poesia, Contos e Crônicas.
Sonia Nogueira *sogueira* |