Fábio havia perdido a visão aos dez anos de idade. Uma pancada violenta na cabeça teria sido responsável pela perda.
A sua infância, até então, era revestida de brincadeiras, sonhos e ilusões. Crescera estudando em escolas especiais. Hoje, advogado reconhecido, impunha respeito e admiração a todos quantos se aproximassem dele.
Mas Fábio trazia dentro de si uma imensa ferida; uma marca feito tatuagem invisível que o consumia e machucava. Não aceitava a sua cegueira. Relutava em aceitá-la, e mais e mais a ferida abria, e se expunha através dos seus gestos, atos e palavras. Fábio chorava.
Certo dia passou pela sua cidade um homem de Deus. À noite ministraria oração de cura na praça central. Fábio chegara cedo. A expectativa era grande. Ele tremia. Pouco a pouco a multidão se apinhava. O homem de Deus inicia a oração. Fábio treme mais ainda. A interiorização é profunda. O silêncio, estático. A oração prossegue lentamente... suavemente... Num sussurro. De repente um grito: “Eu vejo! Eu vejo!”
O tempo passou e Fábio casou-se. Kiele o amava, e por isso lhe dera dois filhos, duas bênçãos de Deus. Viviam a felicidade.
Uma noite sua casa foi tomada de assalto por três bandidos. Fizera menção de reagir. Os bandidos foram mais velozes. Desarmaram-no. E a título de vingança disparam contra o Leo, que tombou aos seus pés. Atingido no peito pela dor da execução do filho, Fábio exclamou apenas: “Por que eu não permaneci cego?”
Carlos já era adulto quando foi vitimado por uma queda e fraturou duas vértebras, resultando em paraplegia dos membros inferiores. Noivo de Nice, sonhava tê-la ao lado como esposa. Faziam planos. Sonhavam com os filhos que Deus lhes poderia dar. Como paraplégico...
Havia dias em que Carlos pareceria não suportar. A tristeza o abatia de tal forma, que nem a presença de sua noiva podia reverter o quadro de nostalgia e ansiedade. Vivia a infelicidade e o infortúnio.
Através de implante de células tronco, oração e outras técnicas, Carlos voltou à sua vida normal. Ele e Nice casaram-se. Família equilibrada, onde a Palavra de Deus e o diálogo faziam parte intrínseca de sua vida matrimonial e de seu filho.
A notícia os apanhou de supetão. Carlinhos havia sido preso por tráfico de drogas. Carlos, sob o efeito causado pelo choque, gritou desesperado e descontrolado: “Se eu estivesse na minha cadeira de rodas...”
Muitos anos depois destes fatos, uma providência de Deus fez com que Fábio e Carlos se encontrassem, e partilhassem suas dores e inaceitações. Conversavam, quando diante deles passa um homem de mais ou menos trinta anos de idade, numa cadeira de rodas, sendo conduzido por um jovem guia. Acenaram através de gestos, e a tradução chegou aos ouvidos do paraplégico cego, que se aproximando, respondeu: “Quero dizer-lhes que sou imensamente feliz. Perdi a visão, perdi os movimentos dos membros inferiores, mas não perdi o meu Deus. Perdi a visão e os movimentos, mas não perdi a fé, não matei a esperança, nem sepultei o amor. Acolhi o que não escolhi. Creio, espero e amo o meu Senhor por isso. E vocês?”
Logo seguiu adiante. Fábio e Carlos se abraçaram. O pranto era um só. E suas palavras se fizeram únicas: “Bendito seja o Senhor!”.