Usina de Letras
Usina de Letras
238 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62152 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10448)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10339)

Erótico (13567)

Frases (50554)

Humor (20023)

Infantil (5418)

Infanto Juvenil (4750)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140788)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6177)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Só vi a sereia, madame... -- 14/08/2007 - 19:03 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Só via a sereia, madame...

Ainda morava à beira do velho Chico, rio fantasiado por lendas que atravessam gerações como se precisassem ser eternas. Sua rotina de médico era cheia de pequenos atos e só a noite, após jantar e deitar-se na rede para rememorar o dia, podia pensar em Anita: um belo vulcão que tinha grossos lábios doces e lavas nas entranhas tão difíceis de serem conquistadas, o que talvez aguçasse os cristalinos seres como eu, meio homem, meio bicho que passeava pelas ruas de Penedo.
Dona Genoveva, a sua sonsa e subserviente secretária do lar, investiu um dia no que seus olhos por certo já haviam denunciado. Adivinhou o que estava escrito nas brechas dos seus sentimentos. Era-lhe muito forte o prazer de apenas seguir Anita, com seu rebolado mais que faceiro, clareando as noites escuras sem lua da velha cidade lavada pelo rio.
- Ela está louquinha para lhe beijar, doutor Haroldo.
- Que minha senhora, não a ouça, Genoveva, se não seu emprego findaria.
- Por que o senhor, nas horas vagas, não me deixa trazê-la até aqui perto?
- Você está maluca; completamente maluca!
Ela talvez fosse por muitos cortejada, como a padroeira da cidade em dia de procissão festiva.Ele admitia apenas, o que de forte reverberavam seus olhos ao cruzarem os delas. Sentia algo diferente dentro da outra alma assustada que os homens têm. Contentava-se em evocar a responsabilidade do seu casamento, dos clientes citadinos e ribeirinhos etc.
Os anos se passaram, ela se enovecia e embelezava-se. Enchia as ruas de Penedo, enlouquecendo a fúria dos desejos alheios aos seus, os quais tratava mal. Doutor Haroldo era o único que possuía a chance de possuí-la, mas que dela, se afastava a sombra do seu medo.
- Senhor Tancredo, preciso do seu carro.
- Pois não, doutor Haroldo. Vai a Maceió?
- Não. Vou até à vila das freiras.
- Naquele esquisito? Fazer o quê?
- Aquilo que o senhor e tantos outros penedenses tanto gostariam. Vou iludir a sereia.
- E no Chico há sereias, doutor?
- Nas beiras do Chico, Tancredo!
- Olhe, o senhor leve logo essa rural, vá encontrar-se com essa sereia e faça-me o favor de lavar meu carro. Não suporto a catinga que o peixe deixa entranhada no ar.
- Essa sereia cheira a mel. Falo de Anita!
- Anita! Ela vai entrar no meu carro? Eu vou! Vou também!
- Não posso levá-lo, Tancredo, meu passeio será especial. Como é, vai emprestar-me o carro?
A estradinha da serra estava deserta. Estreita, mal cabia a rural encostada quase que beijando os arames farpados da cerca do sítio das freiras. Até a estrada estava ansiosa.
A carro aberto, eles recostados, de mãos agarradas, falavam dos anos que já haviam passado. Era como se um sonho houvesse acabado e o desejo acordado para somente encher as lembranças vazias do que os corpos nada haviam feito antes.
- Olha lá. O velho Tancredo com Anita no carro. Será que dona Florinda sabe disso? Que veio fogoso.
- Deixa disso, Sebastião, deixa a muié do home ficar sem saber mermo. Cala tua boca!
- Mais eu vou dizer a patroa.
- Você é quem sabe, home. Eu nada vi.
Tardinha, o sol já querendo ficar frio, o rio silencioso lavando o tempo dos dois, como se os quisesse puros. Ele desceu do carro, abraçou-a com o fervor que evocavam seus profundos desejos de há tanto vivos. Ela cedeu. Um rio se fez entre suas curvas lisas como os penedos de um cupido fluvial, dormindo imerso nas águas angustiadas pela espera de algum desejo louco.
Era a hora. Tudo quase congruente e forte. Nem os pingos que o ar trazia do rio passavam entre seus corpos.
- Anita, que barulho é esse?
- Ah!... ah!... ah!...
- Anita! Aí vem muita gente.
- Ah!..., deixe vir...
Rasgou-se a fortidão do instinto e o tempo emudeceu. As águas do rio fizeram-se lágrimas enquanto a sereia, encantada, gemia na ânsia do medo, tão próximo do prazer.
Rápido, ele ajeitou-se antes de ser feliz, escondendo-se por trás do carro. A cavalaria passou chutando a poeira da estrada. Que pena! O susto não mais pôde acender a virilidade de Haroldo, enquanto a sereia meio satisfeita abortou um pedaço de um sereno gozo de amor e ele nunca mais pôde tê-la desse jeito quase proibido.
Alguma alma ciumenta conseguira atrapalhar a dança dos prazeres, avisada por outro alguém, de alma mais triste ainda, achando a cumplicidade de uma cavalaria assustada no propósito de um ciúme qualquer, solta e enviada pela subserviência selvagem como brutos, que nada entendiam, o que de tão perverso pudesse ser feito.
- A patroa gostou?
- Serviço bem feito, Bastião. O cachorro do Tancredo, um velho casado comigo há quase quarenta anos, quengando com Anita Barroso em plena luz do dia. Meus cavalos sentiram o que eu queria fosse feito.
- Patroinha, eu queria lhe dizer que o homem que estava lá no carro do patrão, não era quem a senhora está pensando, não...
- E quem era, Bastiao?
- Só vi a sereia, madame...
O rio continuou sua busca pela eternidade, a cidadezinha ficou sentindo o cheiro dos fluidos esfacelados, Anita se pôs a alimentar seu sonho sem acreditar mais em tanta distância impossível e doutor Haroldo, a sonhar selvagemente com o que não mais lhe aconteceria, porque as águas passam para encher o horizonte do mar, onde necessitam perder-se para serem novas águas e novas fontes. A ânsia da carne também perece e com seu fenecer chega aos corpos a desvontade que só envivece uma vez enquanto na memória dos que sonham com esses amores selvagens e difíceis. Amores que nos custam tanto chegar.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui