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Contos-->Lições de pai -- 09/08/2007 - 09:49 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Lições de Pai


Há dias nos quais amanhecemos com uma vontade incomum de relembrar o passado, as pessoas de quem tanto gostamos. Nesses dias eu aproveito para adentrar em um saudoso conto, não sei como, mas como personagem, narrador e autor – impossível para a teoria literária, mas bem possível para meus devaneios como escritor. Eis-me a contá-lo – apenas um de tantos queridos e guardados.
A criança possui uma relação muito especial com a vida. Nossa mãe, um grande encanto; nosso pai – um amor que nos exige a imensa força da ordem. O meu pai proporcionava instantes mágicos. Seus afagos – raros – viviam escondidos n’algum lugarzinho, pouco achável, no seu peito. Saíam para mim meio que envergonhados, não totalmente fabricados; eram como seus abraços frouxos, sem o jeito especial dos de mamãe. Que me lembre, somente no dia de minha formatura é que recebi dele um abraço de homem para homem, apertado, molhado de lágrimas, só do meu lado. Atrás de minhas lágrimas vi-o sombreado e trêmulo. Ouvi sua voz que me dizia:
_Não chore, meu filho, hoje é um dia de alegria.
De fato o era, mas eu preferira chorar a sorrir – talvez uma outra forma de me ver alegre àquela hora. Um filme muito vivo saía da memória e se escondia entre nós dois e eu, mais que ele, o enxergava com seus sons e suas almas – seus fantasmas, deixava para possíveis e futuras sessões de psicanálise.
Costumava ouvir dele que:
_ Se não te fizer chorar logo pelas tuas fraquezas, filho, eu é quem o farei amanhã por ti. Seu pai carece vencer as experiências dos anos comidos pelo tempo; saiba disso para ter paciência em esperar da vida suas aulas de sobrevivência. O pai olha esses erros e os enverniza com sua sapiência. A vida é mesmo assim. Só quando fores velho é que enxergarás o que hoje te parece ser maus-tratos, implicância minha, o que não gostas de ouvir.
Meu pai foi um homem de valores, quase sempre atrelados às suas grandes amizades. Recebia-os com o melhor de sua generosidade. Possuía mãos abertas, coração bondoso, gestos grosseiros, às vezes, de presentear a quem gostava. Era dele esse jeito característico; nada mais carregava nele que não fosse um gracioso gesto diferente de servir. É que, além de ter ficado órfão de pai, pequenino, a vida tinha lhe sido cruel. Como poderia ele ter aprendido a suavidade dos gestos de um bailarino russo ou de uma madrilhenha dançarina de castanholas? Era um homem docemente rude. Meu pai era assim... do jeito próprio que escolhera ser ou ter-lhe permitido a vida dura que teve.
Jamais desejei que papai declamasse para mim Shakespeare. Ele gostava de corrida de mourão, do ar telúrico das fazendas de gado, da troca e venda de grandes objetos, de viajar infrenemente.
A ladeira era alta. O carrinho de minha irmã estava estacionado debaixo do frondoso cajueiro. Era um domingo quente. No terraço estavam: ele, mamãe, minha irmã mais velha e a do meio – dona do Volkswagen bege. Quando ouvi o seu grito, estava encostado no carro. Lembro que lhe respondi. Fui ríspido com ele. Ouvi palavras árduas que nunca desejei sabê-las.
_Moleque, me respeite, desço já daqui e você vai ver aí o que lhe faço!
_Desça! Eu espero, desça!
Minha alma dizia só para mim: não desça, eu te amo, não se enraiveça mais. Fique onde está.
Olhei novamente a ladeira de barro escarlate, chamei minha irmã do meio e descemo-la entre falas de tristeza e mágoas. Nem olhamos para trás.
Passei mais de dois anos envergonhado e fora de casa. Vivi com uma tia paterna preparando-me para abraçá-lo, quem sabe um dia outro, sem mágoas, sem ladeiras, sem barro...
Eis que eu declamava Shakespeare para tantos e nunca para ele. Podia tê-lo transformado noutro homem, quem sabe ter sido seu pai..., seu amigo, talvez. Mas seus abraços, dali em diante foram todos diferentes. Sempre esperei um especial. Havia um vapor incandescente que brotava de seu peito na direção do meu que, apesar de boquiaberto, nada me falava.
Acho que podia tê-lo ensinado a ser poeta como eu. Não sei...mas poeta não se faz, se é. Mas havia outras coisas que eu aprendera no banco da escola que podia ter-lhe passado. Não o fiz.
Hoje, pensando nele e na vida que levo, posso afirmar para mim mesmo que, além de não ter aprendido a ser filho, ainda pequenino, perdi-o para o além que sequer me escuta. Ele hoje não chora mais por mim. Por ele choro, eu na pressa do desvendamento do erro que nos coube separadamente juntos.
_Meu filho, você ainda dirá – ó que saudade de papai...
Hoje pela manhã acordei assim: triste, cabisbaixo, repetindo suas palavras. É por isso que as conto nesse conto. Quem me dera tê-lo aqui, agora, ao lado deste lápis e deixá-lo autografar este conto. A vida está sendo da forma como ele anunciou para mim. Nem uma vírgula a mais ou a menos.
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