O SAUDOSISMO É LINDO!
Tenho revisto a minha vida. Isto parece coisa antiga, e é, pois eu também sou antiga. Ela passa feito um filme na minha cabeça. Ora me angustio, ora me alegro, ora tenho dúvidas, ora tenho certezas. Há momentos em que congelo uma cena (coisa que antes não era possível.. rs...). Passo horas recordando tudo que a cena me faz lembrar. É quando vejo que muita coisa mudou e que eu sou um dos personagens responsáveis por aquela mudança, aquilo que fez com que o mundo ficasse pior ou melhor. A grande angústia: pior ou melhor! Por exemplo: será que era melhor quando a virgindade de uma mulher era tão importante, uma jóia rara escondidinha no meio das pernas? Isso tornava tudo tão romàntico! A gente sonhava com o dia de entregar essa jóia ao escolhido. Ele era sempre o melhor dos homens, o príncipe encantado. Mas depois, quase que de repente, tudo mudava, o príncipe não era mais tão delicado, atencioso, gentil... e a vida ia se estragando. E veio a mudança: pra que servia tanto mistério? Confusão nas cabecinhas das moçoilas que se deparavam com os gritos pichados nos muros de seu caminho: "Não façamos guerra! Façamos amor!" Era um convite à alegria, ao prazer, à vida! A maioria embarcou, empunhou a bandeira da liberdade e, ao avaliar a realidade de hoje, parece mesmo que tudo se tornou melhor.
Dentro desse clima de minhas reflexões, agradáveis ou não, conversei com um amigo que me mandou um artigo bem de acordo com o que eu vinha refletindo: as coisas de meu tempo. (Artigo de Frederico Mendes: "Os Anos 60". Se o leitor quiser ler, está no Site Alma Carioca.) Eu o li várias vezes e parecia o reprise de minha vida. Fiquei encantada ao me encontrar nas linhas e entrelinhas. Ah, como foi linda essa época que eu tive a sorte de viver! A gente era rebelde, mas era uma rebeldia necessária, sadia, quase equilibrada. Digo quase por mim que sempre fui rebelde, me rebelava contra tudo ou quase tudo. Me rebelava até com os saudosistas, achava o saudosismo inútil e detestava as frases que começavam com a expressão "no meu tempo..."... Para mim, a rebeldia era parte da minha caminhada rumo à maturidade. Era um tempo de pensar, criticar, até julgar, justa ou injustamente, até chegar a uma conclusão minha, não ditada por adultos autoritários. Enfim, era a forma de ser agente e não apenas o sujeito de minha história.
Depois a ditadura chegou e quase esqueci as coisas boas para dar importància ao tempo terrível da dor, das mortes, dos desaparecimentos, das torturas, das grandes frustrações. Claro que ele não pode ser esquecido. Mas também não poderia ser esquecido o encantamento dos anos rebeldes que precederam esses anos chamados "de chumbo".
Continuo revendo minha vida que vai tão distante, de tal forma que parece fora de mim. Em muitos momentos me sinto visita e pergunto: essa sou eu? Ao rever revivo e, assim, percebo que ainda estou viva e que faço ainda parte do mundo de hoje que, infelizmente, rejeito, porque não é mais rebelde e criativo, virou conformista, não pensa muito, não mais questiona, é violento, interesseiro, mesquinho. E, mesmo que doa, ainda quero pensar e só parar quando morrer.
Eu não esperava isto, mas confesso: hoje a saudosista sou eu!
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