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Contos-->As duas mulheres -- 09/08/2007 - 09:44 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
As duas Mulheres





Maria, por mais bela que fosse, era muito mais simples do que sua beleza natural. Envaidecia-se com sua simplicidade, bem como com seus limites e desejos conhecidos e tolerados.
Viver era seu pré-requisito básico, e bem, se Deus lhe permitisse.
Havia estudado até a segunda série primária. Não encontrando nos estudos uma saída viável para seu crescimento espiritual, deixou-o e cuidou de aprimorar-se nas tarefas do lar, como preparando-se para algum casamento.
Era belíssima. Seu corpo convidava à aproximação do instinto do sexo oposto. Andava como se desfilasse numa enorme passarela. Mas não sabia falar socialmente. Era um desastre. De sua boca via-se sair o feio, o inimaginável.
Sua beleza física não a deixou muito tempo sem um pretendente. O filho do major Sapucaia, encantou-se com Maria e a pediu em casamento a seu pai, um homem também simples do campo, agricultor de mãos calosas e ásperas, desconhecido, como a filha, do banco da escola. Sua esposa, dona Bertulina, - além de deseducada, quase não falava. Era tímida ao extremo. Seu sorriso foi a única forma de denunciar sua satisfação com aquele pedido de casamento. Leopoldo era riquíssimo, estudado, deveria melhorar as posses da família de Maria. Talvez o pai do noivo fosse o homem mais rico do Vale do Paraíba.
Tinha muitas fazendas e incontáveis cabeças de boi. Leopoldo era um moço de feições grosseiras. Em virtude de sua imensa fortuna, não o achavam horrível de rosto. Mas era feio sim! Horrível, podia-se dizer sem receio de errar.
_Leopoldo, você vai mesmo casar-se com essa tal de Maria, meu filho?
_Vou, pai. Ela é linda. Vai ser minha esposa.
_Eu também acho ela bela. E suas letras são boas? Você é um homem culto, viajado...
_Não tem nada não, pai; eu porei professores para ela. O importante é que Maria é a moça mais bonita do vale. Isso me basta.
_Meu filho, beleza não é tudo sobre uma mulher. Você poderá gastar toda a sua herança e não se tornar feliz ao lado dela. Você não alcançou isso ainda, não foi?
_Nisso eu não penso! Vou casar-me no próximo mês. Quero uma festa incomum, pai!
_Está bem, meu filho, eu lhe farei o que me pede. Vamos à luta. Não é isso o que você quer?
No dia sete de outubro, se casaram. A festa foi inesquecível. Durou dois dias e foi lembrada por longos anos como um esplendor de festa. Foram morar na capital onde ele tinha que ficar à frente dos negócios da família. Eram entrepostos de venda e compra de cereais. Possuía enormes galpões abarrotados dessas mercadorias, e Leopoldo era quem comandava tudo.
As núpcias foram seu primeiro desgosto com o casamento. Maria, muito tímida, se afastou dele e deu-lhe trabalho para ser desvirginada. Ele suou, literalmente falando. Ela passou oito dias sem querer olhá-lo no rosto e isso o entristeceu muito. Ela lhe implorou e conseguiu dormir nesses dias em camas separadas. Ele, por sua vez, lembrou-se do que seu velho pai havia-lhe alertado. A imensa diferença cultural entre os dois era dramática e fizera-lhes um grande fosso. Passaram-se seis meses do casamento e nada daquela situação modificar-se. Ele recorreu ao prostíbulo local para satisfazer sua necessidade fisiológica e alimentar seu machismo. Seus pais não haviam sido avisados de nada. Preferiu assim.
Antonietta, a outra mulher de Leopoldo, chegou em sua vida de mansinho, numa dessas obras do acaso que acontece de cem em cem anos e sem mistérios. Do seu olhar aos seus trajes havia uma enorme viagem de aculturação. Formada em filosofia em Paris, com mestrado em Berlim, era mulher viajada e culta. Uma dama exemplar aos olhos do mundo e uma fêmea fogosa e voraz aos olhos de Leopoldo. O quarto de dormir era a mais fiel platéia expectante de suas fantasias sexuais. Nele exibia seus excessos e os de seus companheiros.
Na mesa, quando ainda se servia do desjejum para ambos, a consciência lhe inibiu até a fala.
_O que há com você, Leopoldo? Calado..., com cara de quem comeu e não gostou...
_Não é nada, Antonietta. É que não me acostumei ainda com seus hábitos liberais. Quando estamos vivendo nossa intimidade, só penso que o que você fez comigo, já o fez com outros mais. Será?
_Será! O que nos importa é que não o faço mais! Hoje, sou só sua. Nenhum homem me tocará; só você.
_Quando ando com você na rua e alguém me olha, logo penso que quer dizer-me algo de sua vida. Por quê?
_São os fortes resquícios dessa mazela que ainda o devora, chamado machismo. Livre-se dele!
Ele vivia entre as duas almas e os dois corpos. De Maria, preferia-lhe a alma; de Antonietta, gostava mais do seu corpo formoso e cheiroso a rosas do campo. Mastigava uma e tragava a
outra. Desfilava com uma e escondia-se do mundo quando estava com a outra.
Esse seu dilema manteve-se. Sua família soube tudo. Seu pai vangloriou-se do filho, e sua mãe condenou seu jeito. Sua fortuna fez a sociedade suportar e entender seu modo estranho de viver maritalmente com as duas desigualdades. Era um adultério, sim, porém socialmente bem tolerado.
Havia dois quartos: um calado e quieto onde Maria estava mergulhada e satisfeita, e um outro, cheio dos prazeres da carne e envernizado pelo denso efeito cultural da outra que tantos outros loucos romances vivera.
Falava-se das duas. Maria era tida como a legítima, comportada e quieta; a outra, mais amante que esposa. De Maria vinha o vínculo institucional da família da época, e da outra, o esplendor da virilidade e o óleo erótico que massageava o machismo de Leopoldo.
Inconscientemente ele bebia das duas vertentes doces que lhe chegavam à boca, com a chegada da noite. Amava Maria e queria Antonietta. Qualquer uma das duas que lhe faltasse quebraria sua paz conjugal. Resolvera viver a vida dessa forma. Elas não ignoravam nada.
_ Maria, você é a minha legítima.
_E por que você não se desfaz dela, Leopoldo?
_Porque você nunca aprendeu a me dar o que ela me proporciona.
_Só se eu for aprender com ela.
_Não! Você é pura. Continue assim. Essa outra coisa é só para ela. Você é uma mulher séria!
_Mas você não está cumprindo com seu dever de homem. Prefere a outra, deslealmente.
_O quê, Maria? O que você está me dizendo?
_Faz oito meses que não faz sexo comigo. Eu tenho me agüentado porque sou forte.
_Eu pensava que você não gostava de fazê-lo!
_E por acaso eu sou doente? Eu não sei fazê-lo bem, porque nunca me educaram para ser Antonietta, mas só Maria. Nem ao menos sei ler bem para poder comprar revistas eróticas e aprender tudo isso que a outra faz e lhe encanta tanto. Sou uma mulher desletrada.
_Maria, não quero ouvir esse discurso seu. Mudemos de assunto. Você não é disso.
E levantando-se, saiu de casa. Foi até a casa trinta e seis da rua Wenceslau Braga. Ali havia alguém à sua espera, talvez até semidesnuda e cheirosa, enchendo a lingerie florida.
É..., tudo isso ele encontrou e muito mais. Deliciou-se com o desjejum do corpo e da alma, massageou seu ego e foi aos seus armazéns negociar alegre. Fartara-se com muito fôlego.
Soube, após quatro anos de casado com Maria, que ela parira uma bela criança na qual ele pôs o nome de Maria Antonietta de Adonir Gonçalves. Só não sei se o destino as quis dividindo o amor dele por muito mais tempo. A união tão desejada e apreciada por ele dera o nome à filha. As duas qualidades que pensava poder a pequenina ter algum dia para ser mais feliz que os três, foram entregues assim a ela. Mas acontece que os sentimentos e os desejos não moram nas palavras, andam por caminhos que a própria natureza desconhece. Leopoldo nunca soube que a pequena Maria Antonietta nunca fora sua filha biológica. Onde há tímidas Marias, há fumaça e há fogo!
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