Há diversas maneiras de se contar uma história (alguém me esclareça se aquele velho conceito de "estória" caiu ou não em desuso, por favor!). Eu mesmo as vezes fico meio sem graça, sem jeito de mostrar para as pessoas um acontecimento qualquer. Historiador nunca poderia ser. Perco os detalhes. Para mim o que vale é a essência do fato histórico, a influência que ele exerce sobre a humanidade, a transformação, a mudança de hábito e o avanço que proporcionou (nem sempre se trata de um avanço, é verdade). Sei que o Muro de Berlim caiu, que a Cortina de Ferro foi corroída pelos ares da globalização e que as verbas destinadas aos arsenais bélicos minguaram. Mas nunca me ative à data em que isso aconteceu, nem aos nomes que lideraram a revolução democrática do final do século. Entretanto, admiro quem resgata as minúcias e armazena no cérebro nomes e cores, datas e contexto do que aconteceu. Veja o caso do Beto, por exemplo. Meu raquítico amigo é capaz de descrever com exatidão o tipo de pneu usado pelo Senna naquele 1º de maio fatídico. Sabe dizer, com convicção admirável, qual a escalação da Seleção de 82 - incluindo os reservas! O problema é que o Beto, na maioria das vezes, extrapola. Pensa que todo mundo quer saber a marca da cueca do centroavante que vez o gol da final. Os fãs mais dedicados são dados a essas especificidades. Sabem tudo a respeito dos ídolos. Com quem o cantor foi casado, qual a cor predileta da atriz principal da novela das oito e o comportamento sexual daquele apresentador de programa de variedades. Sou fã de muita gente, confesso. Mas não costumo ficar decorando esses detalhes (tão pequenos e que não servem pra nada).
Meu pai é um grande contador de histórias (ou seria estórias?). Narra os acontecimentos com uma precisão milimétrica e com um entusiasmo de dar gosto. Finjo que acredito nos seus gols espetaculares e em suas conquistas amorosas. Ele também dissimula quando falo do meu desempenho no trabalho. A gente vai se enrolando assim, sem muito compromisso com o fato histórico em si. O importante é ter o que falar.
Não morro de amores pelo Chico Anysio. Mas seu personagem Pantaleão era impagável. "Mentira, Terta?" - era o seu bordão. "Verdade!" - respondia a esposa submissa, testemunha de sua narração. Todo mundo - em menor ou maior grau - aumenta os fatos ao contar uma história. Minha irmã mais velha é uma que coloca exclamação a cada final de frase. Exagera, a Dolores. Teve a cara-de-pau de dizer que só consumou sua lua-de-mel no final do terceiro dia de casamento. Como se eu não testemunhasse os gemidos que vinham do quarto da mamãe, quando Dó ainda era noiva... Faz parte do comportamento humano colocar seus pontos de vista sempre que querem contar uma notícia. Exemplo vivo disso são os locutores de rádio. Quantas vezes eles narram que a bola passou rente à trave e, quando assistimos o compacto, constatamos que a pelota quase resvalou na bandeirinha do escanteio? É por essas e outras que fico com um pé atrás toda vez que ouço alguém contando uma história. Procuro ouvir as palavras com atenção, mas sempre levo em conta a dose inconsciente de exagero que sai da boca dos contadores.
Cronistas nunca poderiam ser historiadores. Perceberam que prometi contar uma história e lhes deixei a ver navios?
