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Contos-->O incorruptível -- 14/06/2007 - 14:09 (Jacques Levin) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Américo está pronto para morrer. Aguarda pacientemente sentado na beira da cama. Está impecavelmente vestido, seu único terno, sapatos brilhantes de cromo. Dorme vestido. Acha que vai morrer ‘a qualquer momento e não quer dar trabalho para ninguém. Está vestido para ir para o caixão.

Percorre o quarto com os olhos numa despedida. Vê fotos antigas da família que já não tem, sobre a cômoda. Havia sido abandonado, há alguns anos, por todos. Os filhos moravam longe. A mulher desaparecera, alegando ser impossível viver com uma pessoa tão metódica, tão neurótica, tão incorruptível.

Após anos de trabalho, fora despedido. Conseguiu se aposentar e vivia com um mirrado dinheiro que gotejava mês a mês enquanto sua vida escorria.

Diziam, no antigo trabalho, “Américo, não seja tão rigoroso, deixa estar, as propinas são uma vitamina que fazem as coisas acontecerem na sociedade". Mas Américo não deixava passar, denunciava toda a malandragem que encontrava, a ponto de não poderem utiliza-lo em qualquer atividade.

Batiam em suas costas, “Esse é o Américo, grande Américo, o incorruptível, o nosso Robespierre!”.

Aquela palavra fixou-se em sua mente: Robespierre. Passou a ler tudo o que encontrava sobre ele e sobre o Terror. Conhecia de cor o projeto da guilhotina, a morte democrática, igual para todos, não havia uma guilhotina nobre e uma vil, como o garrote espanhol. Américo achou que o único ponto fraco da guilhotina era a ordem da execução, já que o primeiro condenado se deitaria sobre uma prancha limpa, enquanto os demais seriam forçados ‘a colocar o rosto sobre o sangue dos precedentes. Esse pensamento encheu-o de nojo. Deveriam lavar a prancha entre as execuções, é isso. Caso fosse deputado da assembléia faria o projeto de lei. No mais, era igual para todos, uma sensação de frio no pescoço, sem dor. A cabeça elevada pelo carrasco, para que o povo comprovasse: eis aqui a cabeça de Danton, o bestalhão! A cabeça em seu último segundo ainda enxergaria o povo, ainda esboçaria seu derradeiro pensamento. “Povo, meu povo querido, morro por vós”. Ou seria, “Oh! Que agradável sensação de bem estar!”.

Américo imaginou todas as possibilidades da sua possível execução, ele o incorruptível, como Robespierre. Viu-se subindo os três ou quatro degraus da máquina da morte, deitou-se com cuidado, para não sujar o terno, tinha já as mãos amarradas atrás das costas, como um frango pronto para o sacrifício. Sentiu o coração pulando no peito, descompassado, e uma dor forte do lado esquerdo, achou que um prego exposto no madeirame da prancha havia se enterrado em seu peito. Tentou avisar ao carrasco, pois julgou estar rasgando o seu paletó, mas não houve tempo, o cordel fora acionado, e a lâmina suja de sangue, impulsionada pelo próprio peso, ganhou velocidade, tocou o seu pescoço, e sua cabeça decepada caiu dentro do cesto.

Pode ver, ao ser levantado pelos cabelos, no meio multidão que gritava, o rosto conhecido de sua mulher que chorava, e num último esforço, com os olhos vidrados, achou-se perfeito; como Robespierre.

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