Folheando um caderno já amarelado pela passagem do tempo, encontro três pequeninas flores secas entre as páginas. Que bela surpresa! Não me lembrava mais delas! Sabia, porém, que o ato de guardar as flores era como se eu quisesse guardar o tempo.
Olhando-as embevecida, sinto que o tempo me olha como antes, e me traz perfumes e emoções antigas. O olhar penetrante do tempo chega até meu coração e indaga: reconhece que são três pingos de chuva-de-ouro? Lembra-se dos cachos qual uma cascata? Lembra-se de seu encantamento ao descobrir que a chuva-de-ouro é da família das orquídeas? Consegue visualizar a primeira vez que viu tamanha graça, florindo numa casa que não era sua? Sente o carinho de quem a trouxe para florir em sua casa? Sabe o quanto essa pessoa confiava em você, não? Tanto que a fez guardiã dos pinguinhos de ouro, porque estava se mudando para outro continente...
Sim... Meu coração dizia que sim. Fiz jus a meu título de guardiã. De fato, tratei-a com o maior carinho do mundo e, ano após ano, ela não negava mensagens que vinham embaladas naquelas gotinhas douradas de chuva. Também havia sempre o seguinte condão: quando ela floria, eu também. É como se acionasse a primavera dentro de mim, com toda sua promessa de renovação, de mais brilho do sol e do aroma de flores passeando pelo ar, mesmo que a estação nem houvesse chegado de fato. Era uma pré-estréia...
Surpreendentemente agora que me chegam as três - bem sequinhas - é chegada a primavera. Tem feito dias muito claros, cujas manhãs dão adeus à escuridão bem mais cedo. Os pássaros iniciam seus recitais já na primeira nesga de luz, pondo harmonia em tudo e louvando a liberdade. As pessoas percebem que o inverno, mesmo se amargo e rigoroso, passa, e a primavera vem para abrandar tudo. Ela mostra dias mais felizes, feitos para euforia e festa, já prenunciando o verão.
Pena que já não tenho mais a chuva-de-ouro com vida! Não sei se falhei na minha tarefa de guardiã, ou se ela acabou morrendo por já ter dado sua contribuição. De qualquer modo, eu poderia ter feito mudas que continuariam a chover ouro. Esqueci-me de preservar o ciclo da vida! Que descuido imperdoável com quem me deu tanta primavera!
Ela, no entanto, mesmo seca, trouxe o seu condão: por maior que seja o conflito, por mais intransponíveis que sejam os caminhos, por mais lancinantes que sejam as dores - a vida convida a florescer, jamais esmorecer.