Eu já morei na roça.
Onde os dias amanheciam vermelhos no horizonte.
O galo cantava e Manoel carreiro chamava os bois de carro, o ranger das rodas enchendo o silêncio do dia que nascia.
Bezerros choravam apartados das mães que nos davam leite e os
carneiros se assustavam quando o rebuliço do dia começava. Bééééé....
Calor. Muito calor durante o correr das horas de sol.
Hei boi! Vira boi! Lá vinha o gado para ser vacinado no curral.
Coloca no tronco, vacina no cupim, cuidado com ele! Aparta, esse prá cá, aquele prá lá. Conta, re-conta. Faltou! Será que algum morreu “de erva”?
Eu já morei na roça.
Onde cresciam o colonião e a brachiária e o cavalo Mangalarga me levava sem trote prá ver a queimada no pasto.
Morei onde tinha jagunço, briga de faca, água no sangue e arca caída.
Onde comia-se frango caipira ensopado na casa de babaçu, panelas brilhando, gente feliz de tão simples, areia branca no chão. A hospitalidade na simplicidade, nunca vi igual. Morei onde gente simples era bem melhor do que eu.
Morei na roça.
Onde o fim do dia mostrava de novo o vermelho no céu, prenuncio do mesmo sol no dia seguinte e mais no outro.
Barulho lá longe do gerador que acendia a luz, televisão à bateria, água quente vinda da serpentina do fogão de lenha, geladeira à gás.
Depois do banho quente no refrescar do fim de tarde, descanso na rede. Hora da saudade e da solidão.
Profusão de estrelas. Acho até que vi uma que caminhava, outra que não parecia estrela, o que seria? Peço logo um desejo, seja lá o que for.
Eu já morei na roça
Onde o violão rasgava a tristeza e, dedilhando no vazio, contava de uma vida longe, que me chamava de volta e me queria de novo.
Eu já morei na roça.
Hoje, não moro mais.
Tita
14/06/07
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