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Contos-->AS ALGEMAS NA ALMA -- 31/05/2007 - 02:12 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

ALGEMAS NA ALMA

“...pois quem aumenta seu conhecimento,
aumenta sua dor” ECLESIASTES.


_ Dentre as invenções do homem, duas especialmente têm me deixado confuso e claudicante: Deus e o dinheiro. Com um agravante que o homem contemporâneo, a rigor e na prática, só tem podido contar com a segunda. Pontificou o amigo de barbicha, ao interlocutor, de quem se tornara companheiro de jornadas etílicas, faz lá tantos verões. O local, um bar simples da periferia da cidade, com o atenuante de se vislumbrar a paisagem da mata atlântica ao fundo, um verdadeiro festival de tons verdes. O outro, de copo e atitude para cima, ouvia atento a assertiva agnóstica.
_ Mas esse Deus ao qual você se refere é de natureza antropomórfica, não é? Tem forma, desejos, intuições, exceto o destino do homem. Embora eu não acredite que se possa comparar, mesmo, o deus antropomórfico, com uma moeda de troca. A chuva fininha começa a cair sobre o vale, trazendo um vento acanhado e uma sensação de incerteza. O casal da mesa em frente, cochichando, descolara-se de seus sussurros a contemplar a chuvinha monótona caindo oblíqua sobre o fim do sábado de maio. _ Não acredito, neste início de século, que alguém se dê o luxo de ainda acreditar nesse deus das religiões. Estou achando que tal fantasia anda fora de moda, não achas? Insistira o barbicha ao dirigir o olhar para a moça da mesa frontal, cujo olho verde comparava-se ao meio-ambiente postado no vale, ainda que plúmbeo sob chuva.
_ Veja você que apesar de estar beirando os cinqüenta, estou desdenhando esse terror de que tanto se fala sobre a hora final. Pouco me importa se vai ser amanhã, depois ou no meio do século, eu só não quero é que a morte me encha o saco como faz o fisco. Riram à grande, sob a cumplicidade do casal vizinho. O homem, pachorrento por acompanhar tão belo animal, dissera algo ininteligível para os dois amigos, inaudível por conta do barulho da chuva que resolvera incrementar o ritmo. A propósito, mas sem tirar o olho do decote da acompanhante do vizinho, o homem de barbicha falou num tom um pouco mais volumoso: _ Não ouvi o que você disse, companheiro! E ambos postaram-se frontalmente à mesa contígua, para ouvir muito menos uma nova assertiva, mas muito mais para apreciar a mulher de belas pernas roliças sob uma saia curta e sandália do tipo grego.
_ Ah, compadre, se incomode não. ‘Tava só pensando alto. E virou-se novamente para a moçoila que fingia olhar o horizonte chuvoso.



O amigo barbicha aproveitava o momento para externar seu sentimento de ceticismo, ele que fora seminarista e se desiludira com a promessa do reino dos céus. O clímax da conversa não foi empanado pela presença de um homem vaidoso e aparentemente superior, ao se acompanhar de uma mulher mais jovem, sedutora e coquete. O garçom
trazia uma nova rodada e aqueles acepipes que costumam escoltar uma boa farrinha de fim de tarde.
_ Mudando de pau pra cacete: você não acha que esse cara é muito velho pra essa menina? Bom... menina, em termos... O barbicha se dera conta de que o foco da conversa estaria mudando, ou sendo substituído por algo mais palpitante. O interlocutor esboçou um ar de dúvida, franzindo os lábios e os olhos. Tantas vezes voltasse o garçom, quantas a moçoila olhava meio acanhada o barbicha que já decodificara o que estava ameaçando acontecer. A vaca-fria se estendera tanto quanto a chuva que, inadvertidamente, afinava e engrossava como num nervoso compasso. O homem, quiçá um acompanhante fortuito, já dava sinais de embriaguês e saiu pela penúltima vez ao sanitário como se fora uma derradeira diurese. O bar, praticamente vazio, cumpliciava a cena sob os olhos quão interessados do garçom que, quando não estava atendendo, contemplava aquelas duas colunas greco-romanas em forma de membros inferiores. Noutro tempo, dir-se-ia que seria uma fêmea de se tirar o chapéu.
_ Tu não achas que ela já está te olhando demais? Indagara por empatia o amigo interlocutor, entre meio irrequieto e invejoso. O barbicha, alto, magro e mais jovem do que o acompanhante, deu de ombros, entronchando a boca. Subitamente, o acompanhante, gordo e trôpego, escorrega e cai à porta do banheiro. Pesadão e visivelmente embriagado, perde os sentidos. Todos os poucos freqüentadores do bar acorrem para prestar alguma ajuda, incluindo os amigos da mesa vizinha. O bar, quase vazio, já começara a dar sinais de fim de tarde, quando se acenderam as luzes da pequena sala-corredor. Levaram o homem desacordado para um carro próximo e o encaminharam ao hospital. A moçoila, atônita e com um ar de quem não sabe o que fazer, pôs as mãos segurando o rosto jovem e disse baixinho ao barbicha: _ O que eu faço agora? O amigo interlocutor levara com a ajuda do garçom e outra pessoa, o enfartado a um porto seguro. Os pertences do acompanhante, sob a custódia da moçoila, acomodam-se numa sacola providenciada às pressas; o barbicha, olhando-a de modo exclamativo, apenas perguntou: Como é mesmo seu nome? Posso te levar em casa? Enquanto a chuva intermitente, escurece o sábado, num fim de tarde de outono.
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W A G N Ó S T
Camaragibe Pernambuco Brasil maio de 2007

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